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Filho de guru de seita polígama tinha 'mães' de 12 anos: 'Não era certo'

Wendell Jeffson, 21, deixou a FLDS e deserdou o pai, Warren Jeffs, líder do grupo religioso.  - Reprodução/Facebook
Wendell Jeffson, 21, deixou a FLDS e deserdou o pai, Warren Jeffs, líder do grupo religioso. Imagem: Reprodução/Facebook

Colaboração para o UOL, em São Paulo

28/04/2022 15h29

Um jovem egresso de um culto religioso fundamentalista nos EUA revelou as regras rígidas e abusivas aplicadas por seu pai, Warren Jeffs, o líder da igreja, a ele e a seus quase 50 irmãos e irmãs. Além de diversos crimes sexuais e de ser mantido em cárcere privado, ele tinha de chamar garotas de apenas 12 anos de suas "mães", devido ao caráter poligâmico das relações.

Wendell Jeffson, 21, foi criado desde pequeno dentro dos dogmas da Igreja Fundamentalista de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (FLDS, na sigla em inglês), sediada em um rancho em Eldorado, Texas, com sua vida totalmente controlada por seu pai, o líder do culto.

No documentário "Preaching Evil: A Wife on the Run with Warren Jeffs", que conta como a seita religiosa surgiu e os crimes praticados por seus dirigentes, Wendell Jeffson contou que sofria manipulações constantes do pai, que sempre determinava o que deveria ler, vestir e comer, e como deveria pensar. E, como todos os outros membros, era excluído do mundo exterior.

Em uma entrevista ao jornal Insider, o jovem recordou que sua relação com a FLDS começou aos 3 anos de idade, quando Warren Jeffs tomou a iniciativa de separar várias crianças de suas mães em Colorado City, cidade na fronteira entre Utah e Arizona, para encaminhá-las ao seu rancho no Texas.

"Eu me perguntei por que estava sendo separado da minha mãe e por que ela estava chorando", disse Jeffson. "Eu era muito jovem. Não entendia nada do que estava acontecendo."

No rancho, onde sua mãe, Vicki Thompson, se juntou a ele cerca de seis meses depois, todos moravam juntos em uma casa enorme que Jeffson comparou a um hotel. As crianças acordavam às 5h da manhã todos os dias para ajudar a fazer o café da manhã e na limpeza antes de serem enviadas para os campos. Os menores de 4 anos colhiam ervas daninhas nos jardins, onde ficavam até serem chamadas para preparar o almoço. E esses trabalhos forçados eram realizados todos os dias.

Segundo Jeffson, nenhuma criança teve uma infância "normal", já que não havia brinquedos e lazer. "Não havia música, internet, TV, filmes, nada dessa natureza", explicou. "Ele acabou de criar um ambiente onde estávamos expostos apenas a coisas que ele [Warren Jeffs] queria. Ele tinha controle sobre a maneira como olhávamos para o mundo exterior em todos os aspectos.".

A cegueira ao mundo afora também era uma artimanha do líder da FLDS para esconder a pedofilia disfarçada de casamento. "Eu cresci tendo mães de 15 anos. Não estava certo, mas ele se casava com garotas de 12 anos, e me diziam que elas eram minhas mães - e elas nem eram muito mais velhas do que eu", relatou.

O líder da seita polígama mórmon, Warren Jeffs, considerado culpado pelo crime de abuso sexual - Jud Burkett/Arquivo/Reuters - Jud Burkett/Arquivo/Reuters
O líder da seita polígama mórmon, Warren Jeffs, considerado culpado pelo crime de abuso sexual
Imagem: Jud Burkett/Arquivo/Reuters

Libertação

Quando pequeno, Jeffson tinha apenas breves excursões fora do rancho. Essas experiências, mesmo que raras, o ajudaram a questionar os ensinamentos e atos de seu pai. Ele recordou que os seguidores da FLDS eram instruídos a rejeitar pessoas negras, que eram consideradas "ruins". Segundo Jeffson, sua perspectiva mudou quando passou a se relacionar com não brancos e a enxergar sua gentileza.

Na adolescência, sentia-se deslocado, pois queria começara a namorar, mas nunca recebeu informações ou conselhos sobre relacionamentos amorosos e sexo. Sua mãe havia lhe explicado que, se ficasse na igreja, ele teria uma esposa, assim como ela foi obrigada a se casar com Warren Jeffs.

"Lembro-me de dizer à minha mãe que não quero ninguém determinando com quem vou me casar ou com quem vou passar minha vida. E ela passou a pensar como eu e dizia: 'Absolutamente, eu concordo'".

Sua mãe, Vicki Thompson, estava preparada para partir, mas Jeffson ainda se sentia leal à igreja de seu pai. Embora a igreja não tenha usado ameaças físicas para impedi-los de sair, a comunidade os pressionava. O abuso mental servia como ferramenta principal para impedir que muitos seguidores saíssem do culto.

"Disseram-nos que se você deixar a FLDS, você será condenado, ou seja, será queimado no inferno. Foi emocional e muito manipulador. Então foi aí que a luta realmente aconteceu", disse ele.

Depois de várias outras discussões com sua mãe, eles decidiram deixar o grupo em meados de 2018. Jeffson conseguiu um emprego na construção e alugou uma casa para sua mãe e a irmã, Sarah.

Finalmente inserido em um novo mundo, Jeffson precisou se reinventar, pois teve que descobrir o que gostava de comer e o que fazer para se divertir, após anos de privações. Ele agora vive na Guatemala, trabalha no setor de seguros e está noivo. Já sua mãe se casou de novo e formou uma nova família. A irmã está se preparando para concluir o ensino médio.

O que aconteceu com a FLDS

A FLDS ganhou força na década de 1990 e ficou conhecida como uma ramificação radical dos mórmons e contou com mais de 10 mil seguidores ao redor do líder Warren Jeffs, considerado por eles como o porta-voz de Deus na Terra.

Além de governar a vida dos membros com mãos de ferro, Jeffs costumava se casar com garotas, algumas com apenas 12 anos. Muitas delas foram dadas a ele pelos próprios pais, que mais tarde recebiam recompensas. Dessa união ilegal, ele teve vários filhos biológicos e adotivos.

Para garantir que todas as regras fossem cumpridas, ele advertia que aqueles que desobedecessem seriam punidos por Deus.

Antes de ser preso, em 2006, Jeffs ainda conseguiu enganar a polícia por vários anos, foragido e viajando pelo país, e se tornou um dos 10 homens mais procurados pelo FBI na época. De acordo com informações do Insider, ele foi detido pelas autoridades do Arizona sob a acusação de conduta sexual e estupro contra menores.

Em 2008, após receberem diversas denúncias sobre casamento de menores de idade e abuso sexual, policiais invadiram o rancho da FLDS. Mais de 400 crianças foram gradualmente retiradas da propriedade. Em 2011, Jeffs foi condenado à prisão perpétua.

No entanto, a igreja permaneceu ativa mesmo depois da prisão do seu líder.