Aos 19, ela foi servir o exército dos EUA em segredo: 'Flexão até chorar'
Eliza Ribeiro, 21, tinha apenas 19 anos quando decidiu entrar para o exército dos Estados Unidos. Sem contar para ninguém, a brasileira — que tem dupla nacionalidade — embarcou para a vida militar, onde também encontrou um grande amor.
Ao UOL, Eliza contou como foi o treinamento que recebeu após o alistamento, a rotina de uma soldada nos Estados Unidos e quais são os planos para o futuro.
"Nasci nos Estados Unidos, mas quando eu tinha um ano eu me mudei para Governador Valadares (MG). Meus pais são brasileiros, toda a minha família é, então acho que era mais fácil para eles. Morei no Brasil até os meus 17 anos e voltei para os EUA em 2018, então eu me considero mais brasileira.
Minha relação com o exército começou em um culto. Sempre tive um pouco de curiosidade de saber sobre como era a vida no exército e um dia na igreja que eu frequentava fizeram uma homenagem para uma mulher que estava indo para outra base. No final da pregação, perguntei para ela como que era e isso meio que desenvolveu uma vontade em mim. Em janeiro de 2021, eu me alistei sem contar para ninguém. Minha mãe ficou muito triste. Acho que ninguém realmente acreditava que eu iria conseguir passar nos treinamentos. Sou a caçulinha de quatro irmãos e eles achavam que eu era muito frágil.
A decisão foi porque sempre quis fazer algo a mais da vida. Fui a primeira da família de nós quatro a me formar no ensino médio, a ganhar bolsa de estudos 100% na faculdade. Cursei arquitetura durante um ano, mas sentia que precisava ir além.
Ainda estou fazendo faculdade, mas é mais complicado porque faço uma classe por semestre. O exército tem essa coisa — ele sempre vem primeiro. Tenho que focar no meu trabalho e no tempo livre eu estudo. Acredito que, apesar disso tudo, minha família esteja orgulhosa. Eles não falam muito sobre, mas gosto de acreditar que sim.
Primeiros dias no exército
Eu morava em uma comunidade brasileira na Flórida, então o meu inglês não era bom. Foi no treinamento, com a convivência com as pessoas, que meu cérebro começou a acostumar com a língua. Hoje, até com meus irmãos é mais fácil falar em inglês que em português.
Os meus primeiros dias foram um choque porque no treinamento todo mundo fica gritando. Para tomar banho, por exemplo, tem que ser uma ducha de 20 a 30 segundos com eles gritando 'vai logo'. Qualquer coisa que fazemos de errado, como um movimento ou uma fala, eles mandam você fazer uma flexão até chorar. Meus braços não conseguiam porque eu não era uma pessoa esportiva. Eu fazia e chorava, porque não aguentava.
Tinham momentos que eles colocavam tanto exercício que tinha gente que vomitava. Eles gostam de explicar que estão destruindo o seu lado civil e construindo o seu lado soldado: mais forte, que sabe lidar melhor com as coisas.
O treinamento tem três fases: a vermelha, a branca e a azul. A primeira, vermelha, é a pior de todas. A gente corre muito, carrega mochilas com equipamentos pesados por 10 km. Já a branca, é um pouco mais leve, que é quando a gente começa a atirar. Não usamos munição de verdade, mas aprendemos a manusear a arma e temos treinamento de guerra no meio da noite. E na fase azul, aprendemos a jogar granada.
Com o tempo, aprendi que amo armas. Atirar e poder desmontá-las são coisas muito interessantes. Já fiz tantas vezes que me acostumei e consigo fazer de olho fechado. Infelizmente, sabemos que o objetivo delas é para a guerra. Gosto delas, mas não para o que elas são usadas. É legal atirar no papel, mas não em uma zona de combate. Eu não sei como agiria se tivesse que tirar a vida de alguém.
No exército, o ambiente não é o tempo todo rígido. A gente aprende várias coisas e faz muita amizade. Ficava em um quarto só com outras mulheres e as luzes tinham que estar apagadas às 21h. Por volta das 4h30 já estávamos de pé e a cama tinha que estar perfeita. Se não estivesse, você tinha que refazer até alcançar o padrão. Com o tempo me acostumei com a rotina e tenho até saudades de alguns momentos.
Com as meninas, fazíamos tranças nos cabelos umas das outras e tentávamos arrumar tudo direitinho para ficar bonita. Elas aprenderam a fazer a sobrancelha com cortador de unha porque não podíamos ter pinças, por exemplo.
No último treinamento fizemos um ritual de andar cerca de 25 km em uma área com arame farpado. Eles têm uma máquina que simula como se você estivesse em um ambiente de tiros, então você tem que se arrastar pelo chão até o outro lado. Quando acaba, tomamos banho e automaticamente os sargentos começam a te tratar como uma pessoa normal, sem gritaria ou exercícios. E é algo muito gratificante porque você percebe que finalmente conseguiu.
As pessoas são mais tranquilas. O sentimento é de que somos uma família, com respeito um ao outro. Você pode fazer piada, palhaçada, não é aquela coisa séria. Somos humanos, temos uma vida, uma personalidade. Temos que fazer o ambiente de trabalho ser algo para aproveitar e não odiar. Gosto de pensar que é como se fosse qualquer trabalho, só que com formalidades. Tem dias que você vai chegar e se sentir realizado e outros que vai querer ficar mais na sua, sem falar com ninguém.
A única mecânica mulher da base
Depois do treinamento de dez dias, vamos para a escola da profissão que escolhemos e a minha foi de mecânica. Sempre tive interesse porque gosto do assunto. O negócio de tirar e colocar as partes de volta me soa como um quebra-cabeça e eu adoro. Isso mantém a minha mente distraída. Fiquei 16 semanas aprendendo e me tornei a única mecânica mulher da minha base.
Vivendo aqui, percebo que há sim uma desigualdade entre homens e mulheres, mesmo que eles tentem fazer com que não tenha. Os homens são mais fortes, por exemplo, e tem coisas que eu não consigo fazer. Já as mulheres trabalham muito mais com a lógica. Criamos soluções mais lógicas para os problemas enquanto os homens vão na força bruta. Se eu fosse pela força eu não chegaria a lugar nenhum porque sou baixinha, meus braços são finos. Pela lógica consigo resolver tudo. Um completa o outro.
O problema é que a maioria dos homens não escuta a gente e isso é muito frustrante.
Um exemplo são os meninos que acabaram de chegar no exército e vão trabalhar na oficina. Eles têm 17 ou 18 anos e, mesmo eu estando no exército há dois anos e sabendo mais, eles não me escutam. Tento dar uma dica para melhorar o trabalho, mas eles fazem do jeito deles. Quando dá tudo errado, eu fico olhando para cara deles pensando 'eu avisei'.
Um romance na missão
Quando descobri que iria para a Coreia do Sul em uma missão foi bem chocante. Estava muito animada já que era um dos países que gostaria de ir. A minha rotina lá era a mesma e aproveitava os finais de semana para explorar. É um lugar lindo e com uma cultura rica. As pessoas mais idosas reparavam muito em mim porque tenho a pele mais escura, o cabelo cacheado, traços diferentes.
Em um dos dias da missão vi um soldado chegando e fui dar boas-vindas, como sempre. Depois de uma semana tivemos um curso de primeiros socorros juntos e foi quando a gente realmente começou a conversar. Um dia convidei ele para passear. Passamos o dia inteiro andando por lugares. E então a nossa história começou.
Ele é colombiano, mas mora nos EUA desde os 4 anos. O governo concedeu a ele o visto de permanência e, quando ele tinha 19 anos, decidiu se alistar. Fará um ano que nos conhecemos e estamos casados. Nos casamos no civil, mas não tivemos uma cerimônia de verdade. Estamos com ela marcada para o ano que vem, quando voltarei de uma missão na Polônia.
Sempre sonhei em me vestir de princesa e me casar. Ele é o meu primeiro namorado e é muito gratificante saber que casei com o meu primeiro amor.
Não gosto muito de fazer planos sem saber ao certo o que acontecerá. Estamos distantes. A base dele fica em Nova York e a minha no Texas — lados completamente opostos. Estamos tentando mudar para um mesmo lugar, mas vivendo um momento de cada vez.
Futuro longe do exército
Vou com o exército para a Polônia em julho. Estou animada porque poderemos viajar para outros países da Europa, já que é pertinho. Temos um benefício que é de quatro dias de fim de semana que podemos tirar para descansar. Fico com um pé atrás porque sei o que está acontecendo ao redor de lá, mas não tenho medo. Se uma coisa tiver que acontecer, acontecerá. Sou cristã e acredito na vontade de Deus.
Serviria ao exército do Brasil, mas mais por curiosidade de viver ambas experiências. Aparentemente, são duas realidades muito diferentes. Só que acho que isso não acontecerá. Amo o Brasil, mas aqui tenho mais oportunidades.
Não me vejo no exército no futuro. Quando eu voltar da Polônia, o meu contrato acabará. Seguirei como civil e ficarei na reserva por cinco anos, o que significa que se tiver guerra, eu serei convocada. Eu e meu marido queremos ter um filho e ser mãe no exército é muito difícil. Escolhi sair justamente por isso. Acho que as coisas pequenas e simples são o que realmente trazem felicidade para a vida."
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