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Onda de calor assusta: por que 40ºC é mortal na Europa e aqui é 'normal'?

Onda de calor na Europa já assustou ano passado - REUTERS/John Sibley
Onda de calor na Europa já assustou ano passado Imagem: REUTERS/John Sibley

Gabriel Dias

Colaboração para o UOL

01/07/2023 04h00Atualizada em 01/07/2023 11h18

Nas últimas semanas, as altas temperaturas estão batendo recordes históricos em vários países da Europa. Espanha e Portugal, por exemplo, vivem a expectativa dos termômetros chegaram na casa dos 40ºC, o que deixa a população em pânico, afinal, mortes já foram registradas por lá.

Temperaturas de 40º C são muito piores de serem enfrentadas do que no Brasil, tanto por questões naturais quanto por questões estruturais.

O doutor em meteorologia e assistente científico da ETH Zurich (Instituto Federal de Tecnologia de Zurique), Lucas Ferreira, explicou para o UOL que uma das principais diferenças está na umidade do ar. Enquanto no Brasil o calor é mais úmido, o calor europeu é mais seco.

"O calor na Europa é diferente porque é muito quente e seco. Com isso, nosso corpo perde muito mais líquido, porque tem muito menos vapor d'água no ar, então acaba que o suor evapora muito mais. É daí que vêm os problemas da desidratação e insolação, que são umas das piores coisas."

Ele conta que é semelhante ao que acontece no clima dos desertos, onde a umidade relativa do ar é baixa. "No Brasil, a gente sua muito, mas o suor não evapora tanto, então a gente não perde tanto líquido. Claro que na Europa não está tão quente quanto no deserto, mas, a nível de comparação, é o que acontece, nesse quente seco a gente perde mais líquido e, por isso, é mais perigoso", exemplificou.

Falta de estrutura contra o calor

Outro motivo para as altas temperaturas afetarem tanto os europeus, segundo Ferreira, é a falta de estrutura contra o calor, já que a maioria das casas não possui equipamentos de ar condicionado ou ventiladores.

"Basicamente, os lugares não têm estrutura para o calor. A maioria das casas têm apenas sistema de aquecimento, mas quando bate o calor não tem para onde correr", comentou o meteorologista.

De acordo com um relatório de 2021 do Departamento de Energia Empresarial e Estratégia Industrial da Grã-Bretanha, menos de 5% dos imóveis residenciais possuem ar condicionado no país. Além disso, as casas do Reino Unido não foram projetadas para o calor extremo. As casas são historicamente projetadas para manter os moradores aquecidos.

Em alguns prédios antigos, por exemplo, os canos que fornecem água quente podem não estar bem isolados, então o uso de água durante o banho pode fazer com que o calor se espalhe por todo o apartamento.

População desacostumada a calor

A bióloga Adriane Formigosa, do Instituto Mapinguari, esclarece que cada população tem adaptações ambientais. O clima e a vegetação do Brasil e da Europa são muito diferentes, por exemplo. A Amazônia fornece uma quantidade importante de umidade que impacta o clima do país inteiro, o que não acontece nos biomas presentes na Europa.

"Lá as pessoas estão acostumadas com curtos períodos de altas temperaturas, e quanto menos umidade mais difícil fica suportar um calor com que não se está acostumado. A umidade é super importante para manter a troca de calor do nosso corpo com o ambiente, e assim manter o corpo numa temperatura em que ele possa funcionar de maneira saudável. Então, quando o ar está muito seco, o corpo tem mais dificuldade de equilibrar a temperatura interna, e isso pode levar a alguns colapsos que para algumas pessoas não são suportáveis", comentou.

Como os europeus não estão fisiologicamente acostumados com o calor, uma mudança brusca na temperatura pode acarretar problemas mais severos.

"É um simples caso de adaptação mesmo. A espécie humana está espalhada por todo o globo. Estamos expostos a diversos tipos de climas e temperaturas. Se eu pegar um europeu e colocar ele no deserto, ele não está acostumado com aquelas condições, então vai sofrer. O que pode estar acontecendo é que as condições ambientais mudaram de forma rápida e chegaram num patamar que as pessoas não estão acostumadas", analisou o biólogo Yuri Silva, mestre em biodiversidade tropical e diretor de projetos do Instituto Mapinguari.

Onda de calor causa pânico

No ano passado, o Reino Unido ultrapassou os 40º C. Já Portugal e na Espanha, o calor chegou a 46° C com uma série de incêndios florestais - na França, o fogo destruiu 13 mil hectares.

A onda de calor extremo provocou mais de mil mortes, segundo autoridades de saúde de Portugal e Espanha.

Outras partes do continente continuam sendo castigadas pelo sol escaldante que alimenta severos incêndios florestais e sobrecarrega os serviços de emergência.

Por que está tão quente na Europa?

A maioria dos cientistas que trabalha com clima afirma que o causador do calor extremo na Europa são as mudanças climáticas.

O Met Office estima que a probabilidade de haver altas temperaturas na Europa aumentou em dez vezes em razão disso, o que resulta na formação de um sistema de alta pressão atmosférica sobre a Europa.

Um estudo publicado pela revista Nature Geoscience indica que a expansão do sistema de alta pressão sobre o Atlântico, nos Açores, está levando às condições mais quentes na Península Ibérica dos últimos mil anos.