Estou há 3 dias num bunker, diz morador de kibutz mais brasileiro de Israel

O gerente de vendas Yanai Gilboa, 59, descansava no feriado judaico de Sucot quando, às 6h de sábado (7), acordou com o barulho de uma sirene que ecoava pelo kibutz (comunidade) Bror Hayil, o mais brasileiro de Israel. Gilboa — que é filho de brasileiros — teve apenas 15 segundos para levar a mulher e dois de seus filhos para um bunker que fica no subsolo de sua casa, a apenas 7 km da Faixa de Gaza.

A vida no bunker

"Depois dos anos 1990, as casas na região precisaram ser construídas com esse abrigo", contou Gilboa ao UOL. Com 10 m², o bunker é feito de um concreto resistente aos mísseis.

"Quando toca a sirene, temos de entrar, fechar a porta e esperar até a certeza de que o míssil atingiu ou não nossa região", diz.

A gente está trancado nesse quarto há três dias. Só saio para visitar minha mãe.
Yanai Gilboa

O bunker tem infraestrutura suficiente para viver por alguns dias. "Cada um coloca nele o que precisa. Tem gente que monta escritório e trabalha de lá. Alguns põem cama, televisão, sofá. Muitos optam por deixar as crianças pequenas vivendo ali", conta o gerente de vendas do setor de tecnologia.

"Não vamos fugir"

Com ajuda do Exército, o governo organiza a fuga da região. A única saída disponível é para o centro ou norte de Israel, onde escolas, hotéis e moradores abrem suas portas para receber quem foge das proximidades de Gaza.

"Vão embora principalmente as famílias com criança pequena", diz Gilboa. De seus quatro filhos adultos, dois moram com ele, enquanto os outros vivem em Tel Aviv, centro financeiro do país. "A vida por lá não foi muito afetada", avalia.

Eu posso sair a qualquer momento, mas prefiro ficar. Nasci aqui, morei no Rio de Janeiro e há 11 anos voltamos para construir nossa casa e nossa vida aqui. A gente sabia para onde estava voltando e sair daqui não passa pela minha cabeça.
Yanai Gilboa

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"Mataram famílias inteiras"

Foguetes disparados da Faixa de Gaza em direção a Israel nesta segunda-feira (9)
Foguetes disparados da Faixa de Gaza em direção a Israel nesta segunda-feira (9) Imagem: REUTERS/Mohammed Salem - 09.out.2023

Gilboa afirma que o Hamas não mirava apenas alvos militares. "Vieram matar o maior número de civis também", diz. "Temos amigos mortos e desaparecidos há 72 horas. Tenho certeza de que alguns foram sequestrados, incluindo mulheres, idosos, doentes."

"Mataram famílias inteiras, incluindo uma com crianças de 1, 4 e 6 anos", relata Gilboa. Ele menciona o assassinato de Ofir Libstein, uma espécie de prefeito de uma região que abarca outros kibutzs. "Mataram também o filho e a sogra dele."

Tem gente que vai enterrar famílias completas. É um pesado.
Yanai Gilboa

O mais brasileiro dos kibutz

Membros do Kibutz Bror Hayil trabalhando na agricultura em 1951
Membros do Kibutz Bror Hayil trabalhando na agricultura em 1951 Imagem: Biblioteca Nacional de Israel
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Fundada por judeus egípcios e brasileiros em 1948 — quando Israel foi criada —, o kibutz Bror Hayil é hoje formado principalmente pelos filhos dos brasileiros fundadores. Os kibutz são agrupamentos caracterizados por atividades agrícolas, propriedades coletivas, igualdade social e foco na educação das crianças.

"Quem criou nosso kibutz tem hoje entre 80 e 90 anos", diz Gilboa. "Meu pai já faleceu, mas minha mãe, de 86 anos, mora a 300 metros de mim."

Sinagoga de Bror Hayil
Sinagoga de Bror Hayil Imagem: LuFiLa/Wikimedia Commons

A comunidade conta com cerca de mil pessoas, pouco mais de 200 famílias. "É o kibutz com mais brasileiros em Israel", diz Gilban. Bror significa "escolha" e Hayil remete a "soldado", em referência "à escolha dos melhores soldados" durante a resistência contra Roma após a destruição do Templo de Jerusalém em 70 d.C.

A região é tão brasileira que a cidade abriga um museu em homenagem ao sambista Adoniran Barbosa. Há também o museu 19 de Novembro de 1947, em referência ao ano em que a ONU aprovou a criação de um estado árabe e outro judeu naquela região.

"Temos rua que leva o nome do então embaixador brasileiro na ONU, Osvaldo Aranha, que comandou aquela sessão", diz Gilboa. "Também está na cidade o martelo usado por ele na reunião."

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Unidos contra o Hamas

Mesmo opositor do governo direitista do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, Gilboa afirma que o ataque terrorista uniu o país. "Agora estamos em situação de guerra e o meu inimigo é o Hamas", diz. "Espero que formem um governo de união de emergência que controle a situação e combata de uma forma mais unida."

O país vivia momentos de divisão interna nos últimos tempos. Mas esse ataque nos uniu: agora temos um só inimigo.
Yanai Gilboa

Palestinos buscam por sobreviventes após ataques aéreos a campo de refugiados na Faixa de Gaza
Palestinos buscam por sobreviventes após ataques aéreos a campo de refugiados na Faixa de Gaza Imagem: AFP/9.out.2023/Mahmud HAMS

Ele alega que muitos terroristas montam suas bases sob hospitais e perto de escolas. "Até hoje estavam um pouco protegidos. Acredito que agora as regras do jogo mudaram."

Os ataques foram um dia após os 50 anos da Guerra de 1973 [Yom Kippur], que quase derrotou Israel. Mas vencemos daquela vez e vamos vencer de novo.
Yanai Gilboa

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