Órfãos, bebês prematuros e jovens deprimidos: os efeitos da guerra em Gaza

Ao menos 6.000 crianças morreram desde o início da guerra entre Israel e Hamas. Muitas das que sobrevivem ficam órfãs, são acometidas por doenças e têm de lidar com sequelas causadas pelos bombardeios.

O que aconteceu

Um bebê é morto a cada 10 minutos na Faixa de Gaza. Segundo a líder de política humanitária e incidência da ONG Save The Children, Alexandra Saieh, as mortes não ocorrem exclusivamente em decorrência dos bombardeios. Muitos morrem pela falta de água potável, pela fome e pelo risco de desidratação.

Os impactos da guerra sobre essa parcela da população são considerados sem precedentes. "As crianças têm sido as mais atingidas pela violência e pela destruição do sistema de saúde", diz Saieh, que já atuou em conflitos no Iraque e na Líbia.

Em todas as guerras, as crianças são muito afetadas. Mas, da forma como estamos vendo nesta, nunca havia visto.
Alexandra Saieh, da ONG Save The Children

Metade da população de Gaza é composta por crianças e adolescentes. "Eles pagam o preço mais alto pela escalada da violência e dos conflitos", afirma Bushra Khalidi, diretora da Oxfam em Ramallah, Cisjordânia. A organização internacional sem fins lucrativos tem parceria com redes de médicos voluntários em Gaza,

Mulheres grávidas têm sido acometidas por infecções, devido à ausência de água potável e saneamento básico. "Há crianças que foram amputadas sem anestesia, há grávidas em trabalho de parto sem anestesia. Não existe anestesia em Gaza", relata a representante da Save The Children.

O número de crianças mortas no conflito é subestimado, segundo entidades locais. "Os cortes na comunicação e funcionamento parcial dos hospitais nos faz acreditar que morreram muito mais crianças", comenta Saieh. "Há crianças sob os escombros das casas destruídas que não foram encontradas."

Para Saieh, durante o cessar-fogo não há tempo suficiente para mudanças sanitárias e no fornecimento de água. "As crianças vão conseguir dormir com a pausa dos bombardeios, mas depois vai começar tudo outra vez."

Uma pausa de quatro dias é muito curta e frágil para ter qualquer impacto significativo na vida das crianças. Sem equipamentos essenciais e humanitários, bebês prematuros e os mais crescidos têm poucas chances de sobreviver.
Bushra Khalidi, diretora de políticas da Oxfam na Cisjordânia

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Bebês nascem e morrem no colapso

Cerca de 15 mil bebês vão nascer em meio ao colapso do sistema de saúde em Gaza, projeta a ONG Save The Children. Os maiores hospitais de Gaza deixaram de funcionar, segundo a Oxfam, e os pacientes foram deslocados para unidades menores na região sul. "Essas unidades têm lutado para se manter em operação, apesar da falta de combustível e eletricidade", declara Khalidi.

A falta de oxigênio impede bebês prematuros de ficarem em incubadoras nos primeiros dias de vida. "Hospitais, médicos e profissionais que trabalham nas unidades estão protegidos conforme as leis de guerra, mas ninguém respeita isso", afirma a porta-voz da Save The Children.

Recém-nascidos estão sendo diagnosticados com desidratação, quadros de vômitos, hipotermia e sepse. A Oxfam também alerta que bebês têm morrido de causas evitáveis, em função do colapso de hospitais e do sistema de saúde local.

A população tem usado lenha e dejetos para preparar alimentos. "As pessoas comem alimentos feitos com lixo queimado, com cheiro e gases tóxicos. Isso traz problemas diversos para mães, bebês e para toda a população", afirma Khalidi.

Médicos e enfermeiros que trabalham nos hospitais também têm sido afetados pelo conflito. "Os médicos têm sofrido ataques repetidamente e morrido com os pacientes, porque não querem abandoná-los", comenta a diretora da Oxfam.

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Grávidas percorrem longos trajetos a pé

Há cerca de 50 mil mulheres grávidas em Gaza. A previsão das entidades Save The Children e Oxfam é de que 5.500 tenham filhos em novembro.

O nascimento de bebês prematuros aumentou entre 25% e 30%, segundo a Juzoor, organização internacional que atua em Gaza. Isso tem ocorrido pelas dificuldades enfrentadas por mulheres grávidas, como andar longas distâncias em busca de segurança, correr de bombas e viver em abrigos superlotados em condições precárias.

Ter filhos nessas condições é "uma sentença de morte" para as crianças, declara Khalidi. "Como mãe, não consigo imaginar meu filho ter que nascer em uma sala com cerca de 100 pessoas sem suprimentos médicos, sem qualquer atendimento no pós-parto".

Há relatos de mulheres grávidas que tiveram de se deslocar do norte para o sul de Gaza a pé. "Elas foram impedidas de usar carros ou qualquer outro tipo de transporte", conta Saieh. "A maioria sofre desidratação. Além disso, ouvimos relatos de pessoas que morrem nesses caminhos, não há condições de segurança."

Ao tentar fugir dos bombardeios, mulheres grávidas têm enfrentado abortos forçados em Gaza. "Elas correm de um lado para outro para escapar e podem ter a gestação interrompida por conta do estresse, da tensão, da precariedade e da falta de acesso a alimentos. Elas estão morrendo e tentando salvar os filhos ao mesmo tempo."

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Pelo menos um bebê morreu em cada um dos abrigos, segundo Umaiyeh Khammash, diretor da Juzoor. Os abrigos podem ser escolas, igrejas e até hospitais.

"O acesso a hospitais é extremamente perigoso, então muitas mulheres fazem o parto sem nenhum apoio nos abrigos." Cerca de 500 mulheres grávidas vivem em 13 abrigos que não têm acesso a água potável e saneamento. Em alguns locais, cerca de 600 pessoas dividem um banheiro.

Órfãos e adolescentes

Adolescentes em Gaza sentem os efeitos de viver em uma região conflagrada desde que nasceram, segundo Saieh. Em 2007 um bloqueio terrestre, aéreo e marítimo foi imposto por Israel e Egito a Gaza.

"Um jovem de 16 anos viveu toda a vida em um bloqueio militar", diz a representante da Save The Children. "Eles sofrem de depressão. Muitos nos dizem que não têm esperança no futuro, porque não há razão para isso."

Até o momento não há números sobre a quantidade de órfãos desde o início do conflito. "Há famílias inteiras dormindo no mesmo quarto porque, se forem assassinados, querem estar juntos", revela Saieh, sobre um dos relatos que mais a impactou.

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"Pessoas com deficiência não podem caminhar pelas rotas. Não há ajuda, não há caminho."

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Imagem: Arte/UOL

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