Divórcio de R$ 3 bi: a herdeira da Samsung que casou com seu segurança

A herdeira de uma das maiores empresas do mundo se apaixona pelo seu segurança, um homem comum. Pode até parecer a sinopse de um dorama, mas essa é a história de Lee Boo-jin, a "princesa da Samsung" - e a realidade não tem o final feliz típico da ficção.

Quem é Lee Boo-jin?

Nascida em Seul no dia 6 de outubro de 1970, ela é filha de Lee Kun-hee, falecido presidente da Samsung. Kun-hee, por sua vez, era filho de Lee Byung-chul, o fundador da gigante coreana.

Conhecida na imprensa sul-coreana como "Little Lee Kun-hee" (Pequena Lee Kun-hee, em português), ela era considerada a "princesa da Samsung", por conta de sua semelhança e proximidade com o pai - um laço bem maior que o dos seus outros três irmãos.

Boo-jin estudou nas melhores instituições da Coreia do Sul. Ela se formou na Escola Secundária de Língua Estrangeira Daewon e graduou-se em estudos infantis na Universidade Yonsei.

Uma carreira de sucesso (e esquivando do "nepotismo")

Lee Boo-jin começou a trabalhar na Samsung em 1995. Quem acha que por ser filha do presidente ela começou de cima, se enganou - Boo-jin teria entrado na empresa como estagiária e precisou crescer na carreira para se aproximar do comitê-diretor.

Em 2001, ela passou a trabalhar na rede de hotéis Shilla, um braço da Samsung especializado em hospedagem e varejo de viagem. Boo-jin ajudou a modernizar e expandir o negócio, e se tornou CEO da subdivisão em 2010.

De acordo com a Forbes, a fortuna de Lee Boo-jin chega a US$ 3,6 bilhões. A empresária também apareceu diversas vezes na lista de mulheres mais poderosas do mundo da revista.

Amor ou tradição?

Há uma tradição na Coreia do Sul de herdeiros de chaebols se casarem entre si. Os chaebols são conglomerados empresariais e industriais controlados por famílias, como a Samsung, a Hyundai e a LG.

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Esse tipo de empresa é originário do período ditatorial de Park Chung-hee, após a Segunda Guerra Mundial, como conta Thiago Mattos, mestre em Relações Internacionais pela Uerj e especialista em Coreia do Sul. "Ele cria um plano de desenvolvimento econômico que inicia uma das industrializações mais rápidas da história", explica.

Ele selecionou dentro do [cenário] pré-industrial que havia na Coreia naquela época, algumas famílias que já tinham algum poder e influência, e começa a conceder linhas de crédito muito grandes para eles, baseadas em acordos internacionais que ele fez na época. Era uma política de favoritos, em que basicamente o governo e o setor privado viviam uma simbiose. Então, até mais ou menos 1980, era muito difícil saber o que era Samsung e o que era governo, expõe Thiago.

A relação entre a empresa e o país é tão próxima que a receita anual do Grupo Samsung representou cerca de 22% do PIB (Produto Interno Bruto) total da Coreia do Sul em 2022, de acordo com dados da plataforma Statista. "A Samsung se tornou esse mastodonte na economia coreana, incontornável, justamente por um apoio quase irrestrito do governo durante décadas de protecionismo. Ela ocupa um lugar que não é de uma empresa normal, ela realmente está no centro da economia do país", afirma o especialista.

Existem três coisas que não podem ser evitadas na vida de um sul-coreano: impostos, morte e Samsung, diz um ditado popular no país.

Com uma penetração tão grande na sociedade sul-coreana (incluindo, além dos eletrônicos, hotelaria, construção civil e serviços médicos), as ações da família Lee da Samsung são sempre observadas pelo público, e a vida privada de cada membro do "clã" é acompanhada como se fossem celebridades.

Como herdeira do maior chaebol do país, então, era esperado que Lee Boo-jin se casasse com outro herdeiro. E Lee Kun-hee lutou por isso: o magnata teria arranjado diversos encontros para a filha, que se mostrava pouco interessada nos relacionamentos.

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De acordo com dados compilados e divulgados pelo CEO Score em 2018, 153 dos 317 membros de famílias chaebol, ou 48,3%, são casados com outros herdeiros. A pesquisa foi realizada nos 55 conglomerados de controle familiar classificados pela Fair Trade Commission como grandes grupos empresariais.

Essa movimentação interna da elite sul-coreana se assemelha à da nobreza em sociedades monárquicas. "É praticamente uma reprodução da época feudal, da época imperial da Coreia. Eles cumprem um papel quase de uma nobreza, uma espécie de realeza no país, porque a Coreia também tem um passado imperial muito longínquo", conta Thiago.

Sendo assim, não é à toa que, quando anunciou com quem se casaria, Lee Boo-jin chocou a todos.

O "Sr. Cinderela"

Apesar de todos os esforços do pai para que Boo-jin encontrasse um marido chaebol, a herdeira deu início ao seu "conto de fadas" reverso e pessoal.

Boo-jin se apaixonou por seu segurança pessoal, Im Woo-jae. De origem pobre, ele foi contratado pelo próprio Lee Kun-hee e depois designado para cuidar da proteção da filha.

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Os jovens se conheceram em 1995 durante uma ação social em um abrigo para crianças com deficiência em Seul, de acordo com o jornal Segye Ilbo.

A partir daí, Boo-jin e Woo-jae começaram a conviver e estreitar os laços - até o dia que a herdeira revelou ao segurança que o amava. "Ela era muito frágil e dependia muito de mim", contou o próprio Woo-jae ao jornal sul-coreano The Hankyoreh em 2016.

O namoro, obviamente, não foi recebido com bons olhos pelo patriarca do grupo Samsung. De acordo com rumores divulgados por tablóides sul-coreanos à época, Kun-hee se opôs fortemente à ideia da filha se relacionar com alguém de fora do círculo da elite do país.

Os esforços do pai, no entanto, não foram suficientes: o namoro continuou e se transformou em casamento. "Quando Boo-jin disse que deveríamos nos casar, recusei e falei a ela que ela não deveria dizer tais coisas. Havia uma lacuna muito grande entre nossas origens familiares. O presidente [da Samsung] Lee permitiu que namorássemos, mas pensei que o casamento estava fora de questão", revelou Woo-jae.

A cerimônia finalmente ocorreu em agosto de 1999. Após o casamento, Im Woo-jae ficou conhecido na imprensa sul-coreana como "Sr. Cinderela".

Foto oficial da família Lee no casamento de Boo-jin e Im Woo-jae, com Lee Kun-hee ao lado da filha
Foto oficial da família Lee no casamento de Boo-jin e Im Woo-jae, com Lee Kun-hee ao lado da filha Imagem: Reprodução/Tizen Indonesia
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Os primeiros anos de casamento

Para compensar a origem simples de Woo-jae, Lee Kun-hee exigiu que o genro fosse estudar nos Estados Unidos. O agora ex-segurança começou, então, a cursar um MBA no MIT.

Woo-jae detestou a experiência. "Eu não sabia uma única palavra em inglês. O presidente Lee que nos disse para irmos estudar nos EUA. Na Samsung, as palavras do presidente são consideradas um evangelho. Me preparar para estudar no exterior foi tão difícil que até tentei me matar. Segurei minha esposa em meus braços e chorei como um bebê", contou ao Hankyoreh.

Após Boo-jin interceder pelo marido, Kun-hee aceitou levar Woo-jae de volta à Coreia. A partir daí, já integrado à família, o ex-segurança começa a trabalhar na Samsung.

Diferente da trajetória de Boo-jin na empresa, ele entrou diretamente como vice-presidente sênior da equipe de planejamento da Samsung Electro-Mechanics em 2005, sendo promovido a vice-presidente executivo em 2009 e vice-presidente em 2011.

O trabalho de Woo-jae na Samsung é caso de muitas especulações. Alguns rumores dão conta de que o marido de Boo-jin era desqualificado para o cargo, "cometia diversos erros" e tinha "acessos de raiva".

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Por outro lado, há quem diga exatamente o contrário: uma reportagem do ZDNet Korea, de 2010, por exemplo, descreve o ex-segurança como um "executivo conhecido por sua personalidade gentil, que ouve os outros".

Do "conto de fadas" ao pesadelo

Nos primeiros anos, o casamento de Lee Boo-jin e Im Woo-jae parecia perfeito. Os dois eram vistos pela sociedade sul-coreana como grandes empresários e tiveram um filho juntos.

O conto de fadas, no entanto, não veio com um "felizes para sempre". Com o passar dos anos, os tablóides coreanos passaram a noticiar mais e mais rumores de romances extraconjugais de Im Woo-jae. Segundo esses relatos, ele teria começado a frequentar festas e a beber com frequência.

Até então, essas traições não passavam de boatos. Até que um dia, tudo mudou - e até a polícia foi envolvida. Im Woo-jae foi citado no caso da morte da atriz sul-coreana Jang Ja-yeon.

Em 2009, a estrela tirou a própria vida e deixou uma carta na qual dizia ter sofrido violência sexual de executivos da mídia, políticos e da indústria pop. Na carta, ela listava algumas das personalidades envolvidas - e o nome de Im Woo-jae era mencionado.

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A investigação policial descobriu que, no mês em que Ja-yeon morreu, ela e Woo-jae conversaram por telefone mais de 35 vezes. Isso levou muitos sul-coreanos a acreditarem que ele estaria diretamente envolvido na morte da artista.

Apesar das suspeitas, a polícia e o Ministério Público da Coreia do Sul não convocaram Woo-jae para dar depoimento uma vez sequer, como reportou o jornal Hankyung. Por fim, a polícia afirmou que não encontrou evidências de que o executivo da Samsung estaria ligado à morte da atriz.

Divórcio de R$ 3 bilhões

Após os últimos anos turbulentos, o casal se divorciou em 2014. O processo de separação foi aberto pela própria Lee Boo-jin e, apesar de ser acatado pela Justiça sul-coreana, foi alvo de um pedido de recurso por parte de Woo-jae.

Com isso, o divórcio se arrastou por mais de 5 anos. Questionado por repórteres à época, Im Woo-jae alegou que "queria proteger sua família", como reportou o jornal Seoul Shinmun.

Woo-jae também alegava que Boo-jin fazia falsas acusações contra ele. "Os advogados de Boo-jin estão contando mentiras no tribunal. Estão dizendo que passei meu tempo bebendo em vez de estudar e que bati nela", disse ao The Hankyoreh.

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Em 2016, o ex-guarda-costas entrou com uma ação paralela à de divórcio, solicitando uma pequena quantia em pensão alimentícia e a divisão de ativos no valor de 1,2 trilhão de wons (cerca de R$ 3 bilhões). Isso atraiu a atenção do público, pois foi a maior ação judicial de divisão de bens já registrada na Coreia do Sul.

O pedido de Woo-jae foi negado pela Justiça. Ao fim do processo, que se encerrou apenas em 2019, o Tribunal da Família de Seul, que analisava o caso, decidiu que Lee Boo-jin ficaria com a guarda do filho do casal e deveria pagar 8,6 bilhões de wons (cerca de R$ 32 milhões).

Em meio ao divórcio, Woo-jae deixou seu cargo na Samsung. De acordo com a empresa, ele recebeu uma carta de rescisão de contrato em dezembro de 2017, passando a ocupar uma função "simbólica", comum no processo de demissão de executivos de alto nível.

Uma jogada de mestre?

Há quem acredite que o casamento entre Lee Boo-jin e Im Woo-jae não tenha sido apenas um caso de amor, mas também uma jogada profissional da herdeira da Samsung.

A teoria, nesse caso, tem a ver com as discrepâncias de gênero nos altos cargos dos chaebols. De forma geral, é muito difícil ver mulheres ocupando papéis de grande importância nessas empresas. "Ela [Lee Boo-jin] é totalmente uma exceção à regra", avalia Thiago Mattos.

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Chegou num ponto que as mulheres na Coreia não querem ter filhos, porque sabem que, uma vez que têm, não conseguem nunca entrar no mercado de trabalho. São subjugadas pela família a ficar na condição de mãe, explica o especialista.

Dessa forma, de acordo com as especulações, Boo-jin teria casado com uma pessoa "comum" como Im Woo-jae para não ter que abdicar da carreira como empresária. "É uma teoria da conspiração que faz sentido", admite Thiago.

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