Ela virou 'jornalista' do horror em Gaza aos 9: 'Destruíram até parquinhos'

Lama Abu Jamous tem nove anos, mas sua rotina em nada se parece com a de uma criança comum.

Nos últimos meses, ela tem se dedicado a documentar os destroços na devastada Faixa de Gaza, sua terra natal, alvo contínuo de ataques israelenses desde 7 de outubro.

Apesar da pouca idade, Lama já sabe muito bem o que quer ser quando crescer: jornalista. E compartilha seu trabalho com quase 900 mil seguidores no Instagram.

"Quero ser uma grande jornalista para mostrar a verdade ao mundo", afirma Lama em entrevista ao UOL.

"Jornalistas e correspondentes que trabalham em Gaza estão sendo perseguidos pelos israelenses", acrescenta ela, citando como exemplo Wael Al-Dahdouh, correspondente da Al Jazeera que, em novembro, perdeu esposa, filha, filho e neto em um bombardeio.

Destruíram nossas vidas, nossas memórias e até nossos brinquedos. O que nós, crianças inocentes, fizemos para merecer isso? Queremos viver e aproveitar nossas vidas e nossa infância.

Desde que a guerra começou, ela pegou o celular e passou a documentar a situação ao seu redor.

Lama Jamous diante dos destroços de sua casa, em Khan Yunis
Lama Jamous diante dos destroços de sua casa, em Khan Yunis Imagem: Arquivo pessoal

Em algumas imagens, vestindo um colete e um capacete azuis, personalizados para profissionais de imprensa e ajustados para o seu tamanho, ela caminha sobre os destroços de casas atingidas pelos bombardeios.

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Em outras, anda pelas praias de Gaza, tentando dar um pouco de esperança a seus seguidores.

"Estamos agora na linda praia de Gaza, que amamos tanto e frequentamos todo verão", afirma Lama em um vídeo. "Como vocês podem ver, até mesmo os parquinhos foram destruídos", acrescenta ela, apontando para um balanço quebrado.

Nós queremos voltar a construir parquinhos para as crianças e vê-las brincando neles.

Sonho de ser jornalista

Movida pelo senso de justiça, Lama sonha em ser jornalista desde que se entende por gente. A vontade nasceu a partir da atividade do pai, repórter da Al Jazeera, a principal rede de mídia do mundo árabe.

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Um tio de Lama, Ahmad Abu Jamous, declarou à Al Jazeera que a menina sempre foi uma pessoa sociável e, desde muito nova, gostava de se envolver em discussões —o início da guerra foi o chamado para que ela passasse a documentar a situação.

Lama trabalha também para dar voz ao povo palestino. Enquanto caminha pela cidade, ela fala com pessoas, em especial mulheres e crianças, para denunciar as precárias condições em que vivem seus conterrâneos.

Lama Jamous segura uma bandeira da Palestina em um campo de refugiados em Rafah
Lama Jamous segura uma bandeira da Palestina em um campo de refugiados em Rafah Imagem: Arquivo pessoal

'Barulho dos bombardeios'

A menina também registra momentos críticos da própria vida em meio à guerra, como quando foi obrigada a se deslocar com a família para Rafah.

"Arrumei minha mala e aqui estão todas as minhas coisas", diz Lama, apontando para uma pilha de malas e sacos cheios de roupas. "Este é meu ursinho de pelúcia favorito. Hoje vamos para Rafah por causa do barulho dos bombardeios, que ficou muito próximo de nós."

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Recentemente, Lama visitou a casa onde morou durante toda a vida, em Khan Yunis, e descobriu que ela foi totalmente destruída. Segundo ela, o sentimento foi de "dor e tristeza". Mais de metade das casas de Gaza — cerca de 360 mil — foram destruídas ou danificadas desde o início da guerra.

Vidas perdidas

Os ataques israelenses já deixaram mais de 32 mil mortos, incluindo mais de 13 mil crianças e 8.400 mulheres. Lama perdeu vários familiares, entre eles a tia Sana, o tio Gabriel, e quatro primos: Bara, Salim, Malak e Malik. Os corpos do casal e de dois dos filhos foram recuperados. Os outros dois seguem sob os escombros. Mais de 8 mil pessoas estão desaparecidas.

A população de Gaza está morrendo também de fome, sede e em decorrência de doenças, uma vez que o cerco ao território palestino impede a entrada de comboios de ajuda humanitária com produtos de primeira necessidade. Mais de 27 pessoas, incluindo 23 crianças, morreram de fome no enclave nas últimas semanas.

"Pessoas inocentes, mulheres e crianças, estão sendo mortas sem piedade", diz Lama. Ela e outras crianças se reúnem perto de fios elétricos abandonados, nas proximidades da fronteira Gaza-Egito, para brincar.

Acredito que ninguém esperava uma catástrofe assim, tão grande. Estamos cansados dessa vida e queremos que essa guerra acabe.

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