O que explica a perda de força da sigla de Mandela na África do Sul
Desde que o apartheid, regime de segregação racial, chegou ao fim na África do Sul, havia uma certeza: o Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês) conquistaria a maioria absoluta na Assembleia Nacional do país. Mas, neste ano, foi diferente. A sigla que tem Nelson Mandela como maior expoente não conseguiu atingir a marca pela primeira vez desde 1994.
O que aconteceu
O ANC recebeu 40,2% dos votos, o que representa 159 cadeiras das 400 do Parlamento. "A queda era esperada, já que muitas pessoas têm reclamado da falta de prestação de serviços, de uma liderança irresponsável e de não responder às necessidades da comunidade. O resultado significa que os eleitores querem diferentes partidos políticos trabalhando em um objetivo comum", explicou ao UOL o professor Zwelinzima Ndevu, da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul.
O estudioso, que é diretor da Escola de Liderança Pública da universidade, ressalta o contexto social vivenciado pelos sul-africanos, com desemprego e crise energética. O índice de desempregados no país supera 30% e a população sofre com apagões há mais de dez anos.
Porém, essa queda na popularidade do ANC não afeta a imagem de Mandela, explica o professor Pio Penna Filho, do Instituto de Relações Internacionais da UNB (Universidade de Brasília). "Ele é muito superior a isso tudo. Mandela é incontestável. O carisma dele, a importância histórica dele para toda a África. O que eles podem buscar é uma inspiração no Mandela, porque ele fez um governo de coalização, mesmo tendo maioria absoluta".
Zwelinzima Ndevu concorda com o brasileiro. "Nelson Mandela continua a ser um ícone e inspiração no país e em muitas pessoas de todas as linhas raciais e políticas. Na verdade, os resultados da votação são uma forma das pessoas quererem proteger o legado de Mandela".
Mandela morreu em dezembro de 2013, aos 95 anos. Ele liderou o ANC entre 1991 e 1997, e presidiu a África do Sul de 1994 a 1999. Depois do fim do mandato, manteve a luta por causas sociais ligadas aos direitos humanos.
Coalização com 'partido de branco'
Para conseguir maioria na Assembleia Nacional e formar o governo, o ANC terá que fazer uma coligação com outras siglas que pontuaram significativamente nas eleições. "Os resultados indicam que os sul-africanos querem que todos os partidos trabalhem juntos, porque nenhum partido obteve maioria absoluta para formar um governo sozinho a nível nacional, em Gauteng e em Kwazulu-Natal [províncias]", disse o ANC, em comunicado dias após as eleições.
Entre essas siglas está a Aliança Democrática (DA, na sigla em inglês), um partido de centro-direita liderado por pessoas brancas. Eles conquistaram o segundo melhor desempenho nas eleições, ocupando 87 assentos (22% dos votos) na Assembleia Nacional. "Pode ser difícil para os eleitores negros entenderem por que o ANC vai se alinhar a um partido de brancos, que representa os interesses dos ricos e privilegiados", analisou o professor Zwelinzima Ndevu.
Pio Penna Filho também ressalta a diferença ideológica entre o ANC e a DA. Na avaliação do estudioso, a aliança poderia causar a saída a longo prazo de filiados do partido de Mandela. "O DA é uma sigla associada ao mercado, ao capital. Um acordo como esse poderia causar a saída de militantes porque muitos não aceitam o que entendem como o retorno dos brancos".
O acordo com a DA traria maioria absoluta, sem obrigação de alianças com outras siglas. Se isso não funcionar, a maioria absoluta também pode ser obtida em uma negociação com o uMkhonto we Sizwe, liderado pelo ex-presidente Jacob Zuma, partido fundado há apenas 6 meses. A sigla de esquerda, considerada mais radical, conquistou 58 cadeiras (14,6%) no Parlamento.
Porém, Zuma e o atual presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, protagonizam um conflito público. O segundo assumiu o cargo após o atual líder do uMkhonto we Sizwe renunciar à Presidência em meio a denúncias de corrupção e deixar o partido. "O CNA é liderado por alguns líderes que se comportam de uma forma que não reflete o verdadeiro caráter da organização que libertou os sul-africanos do apartheid", disse Zuma, em dezembro do ano passado.
Os Combatentes da Liberdade Econômica (EFF, na sigla em inglês) conquistaram 39 cadeiras na Assembleia Nacional (9,5%), enquanto o Partido da Liberdade Inkatha (IFP, na sigla em inglês) obteve 17 assentos (3,8%). As siglas foram fundadas por dissidentes do ANC. "O que o partido tem que fazer é uma obra de engenharia política, muito complexo. A ideia é não excluir ninguém, mas os interesses são muito diferentes".
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O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, parece entender o tamanho do desafio. Na segunda-feira (10), um porta-voz do governo disse à Reuters que Ramaphosa não participará da cúpula do G7, na Itália, para focar seus esforços na coalização. "O presidente não participará da reunião do G7 devido às prioridades domésticas atuais nas quais ele precisa se concentrar", disse Vincent Magwenya.
A Justiça da África do Sul agendou para esta sexta-feira (14) a primeira sessão que discutirá a eleição do próximo presidente do país. Após as eleições gerais, a Assembleia Nacional decide quem será o chefe do Executivo.
O partido uMkhonto we Sizwe, do ex-presidente Jacob Zuma, afirma, sem provas, que as eleições sofreram irregularidades. Na terça, a sigla pediu à Justiça a suspensão da sessão que discutirá o próximo presidente e disse que nenhum dos representantes eleitos comparecerá à assembleia.
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