Milagre, grana e morte: a polêmica história das quíntuplas postas em 'zoo'
Você provavelmente já ouviu falar nas quíntuplas Busbys, que estrelam uma série de TV contando sua vida desde o nascimento. Mas muito antes delas, cinco meninas ficaram muito famosas no Canadá: Yvonne, Annette, Cécile, Émilie e Marie, conhecidas como a família Dione.
Ainda nas primeiras horas de vida, em maio de 1934, as cinco passaram a ser badaladas na cidade de Corbeil. Logo, a história delas chegou aos jornais, afinal, eram as primeiras quíntuplas a sobrevirem ao nascimento na região. Um fotógrafo e um repórter foram até a fazenda da família para saber mais sobre o caso.
Com o tempo, jornalistas de outras cidades iam até a fazenda e levavam todo tipo de ajuda para o desenvolvimento dos bebês prematuros: leite e outros suprimentos, uma equipe de enfermagem da Cruz Vermelha e até incubadoras aquecidas a água.
Do lado de fora da residência, dezenas de pessoas se reuniam para espiar pelas janelas. Enquanto isso, a preocupação de Oliva Dionne, o pai das meninas, era como ele teria dinheiro para pagar as despesas médicas e a criação das pequenas e de mais cinco crianças -ele já era pai de cinco, totalizando dez crianças!
Depois de ouvir o padre, que se ofereceu para ser gerente de seus negócios, Oliva assinou um acordo de dezenas de milhares de dólares para explorar as cinco bebês de maneira publicitária. Quando elas ficassem saudáveis, elas seriam exibidas na Feira Mundial de Chicago, por seis meses.
Logo, ele se arrependeu do acordo e tentou desistir, mas os promotores de Chicago recusaram. Enquanto isso, as meninas tinham dificuldades para ganhar peso e foram isoladas, inclusive dos pais.
Neste momento, o procurador-geral de Ontário sugeriu para Oliva e Elzire, sua esposa, transferirem a custódia das quíntuplas para a Cruz Vermelha por dois anos. Sem obrigação com os promotores de Chicago, eles fariam um hospital para cuidar das meninas. Isso aconteceu e a distância para os pais, que não podiam ficar sozinhos com as crianças, aumentou.
Em mais uma reviravolta na Justiça, o primeiro-ministro de Ontário propôs a retirada da custódia das irmãs. Agora, elas seriam tuteladas pelo Estado. Seu argumento foi que isso as protegeria de exploração. O casal tentou provar que eram bons pais, mas não adiantou. O projeto de lei foi aprovado, e Allan Roy Dafoe, médico responsável pelo parto, teria a missão de criar as garotas.
A tão prometida proteção nunca aconteceu. Foi feita uma espécie de zoológico de bebês: uma área ao ar livre em que as meninas brincavam duas vezes ao dia, com um corredor para espectadores. No local, ainda foram construídas barracas de cachorro-quente e lojas de souvenirs para atender ao público. O destino passou a ser mais frequentado que as Cataratas do Niágara, em 1937. Elas estavam, então, com 3 anos.
"Éramos obrigadas a fazer tantas coisas, tantas vezes, que em nossa cabeça, não sentíamos que éramos capazes de dizer, 'Não, não desta vez, outra vez'", disse Cécile mais tarde.
As janelas do corredor de observação, supostamente, eram obscurecidas para que as meninas não pudessem ver todos os estranhos, mas as irmãs, mais tarde, disseram: "Claro que sabíamos que estávamos sendo observadas." Elas se exibiam para os turistas, assim como haviam aprendido a posar para as câmeras.
"A necessidade médica de isolamento, supostamente, era o que as mantinha afastadas de sua família", disse Sarah Miller, autora do livro "Milagre e a Tragédia das Quíntuplas Dione".
Todo o dinheiro que entrava era colocado em um fundo fiduciário destinado às meninas. Mas a quantia era regularmente usada para outras despesas: pagava, por exemplo, todos os aspectos do hospital das Dionnes, até a conta de água; a construção de banheiros públicos para turistas e os jantares em hotéis que os psicólogos visitantes faziam.
Foram nove anos vivendo no hospital com poucas saídas. No máximo para alguns compromissos comerciais ou para visitar o rei e a rainha do Canadá. "Não sabíamos naquela época que toda a forma de vida na qual fomos criadas não era boa para nós", disse Yvonne depois de mais velha.
Briga na Justiça
Oliva e Elzire nunca desistiram de brigar na Justiça para ter os filhos todos sob o mesmo teto. Em 1943, eles conseguiram e foram morar juntos em uma mansão de 19 quartos, tudo pago com os rendimentos das quíntuplas.
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Quero receberMas o clima era ruim. Elas relataram que Elzire gritava com elas e também batia nas meninas. Três ainda disseram ter sido abusadas sexualmente por Oliva, mas os outros filhos negam esse relato.
O interesse em cima delas foi diminuindo com o tempo, mas, por exemplo, o jornal Toronto Star publicava até os pesos das garotas com 14 anos.
Problemas de saúde
Émilie começou a ter convulsões, mas devido ao estigma da época contra a epilepsia, a família manteve segredo, mesmo quando suas convulsões se tornaram mais frequentes e graves.
Aos 20 anos, depois ir morar em um convento, ela morreu, provavelmente devido a complicações de seu distúrbio convulsivo. As irmãs, mesmo com a perda de Émilie, tiveram de posar para fotos ao lado do caixão.
A tragédia acabou sendo uma "libertação" para as irmãs que passaram a viver suas vidas sem tanto holofote em cima.
Morte da segunda
Em fevereiro de 1970, o corpo de Marie foi encontrado em sua cama ao lado de várias garrafas de medicamentos. Ela havia se separado recentemente do marido e colocado seus filhos em lares adotivos, enquanto lutava contra a depressão. A causa da morte nunca pôde ser determinada.
E o dinheiro?
Quando ficaram adultas, Yvonne, Annette e Cécile estavam lutando para pagar suas modestas contas. Todo o dinheiro que foi guardado com a exploração de suas imagens tinha sumido.
Bertrand Langlois, filho de Cécile, começou a investigar e descobriu como a conta havia sido saqueada. Assim, começou uma campanha de relações públicas para envergonhar o governo canadense e, desta forma, obrigá-lo a destinar uma parte dos lucros do Estado às irmãs, que sentiam ter esse direito. Um acordo de US$ 4 milhões (R$ 20 milhões) foi firmado após a reivindicação.
Agora, com 95 anos, duas irmãs ainda estão vivas, Cécile e Annette. Mas o filho que as ajudou a ganhar o acordo desapareceu com a parte do dinheiro de Cécile, então, em uma terrível ironia, ela novamente é uma tutelada do Estado e vive em um asilo estatal.
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