Tesouro da era viking viajou 'meio mundo' até chegar à Escócia há mil anos
Um pote de prata da era viking teria dado meia volta ao mundo há mais de mil anos, viajando do oeste da Ásia até a Escócia, em uma jornada espetacular para os padrões da época. A conclusão é de pesquisadores em arqueologia da Universidade de Oxford e do Museu Nacional da Escócia (NMS, na sigla em inglês).
Viagem da relíquia
A relíquia é parte do Galloway Hoard, a maior coleção de objetos vikings já encontrado no Reino Unido e na Irlanda. Estima-se que os tesouros tenham sido enterrados no ano 900 e lá permanecido por mais de um milênio até que foram descobertos em um campo próximo à região de Dumfries e Galloway, na Escócia, em 2014.
Como o pote estava enrolado em tecidos antigos ao ser encontrado, o processo de restauração de sua superfície teve de ser cuidadoso. Para visualizar como era o objeto original, os estudiosos observaram sua estrutura inicialmente apenas através de raio-X. A remoção cuidadosa dos tecidos, que foram preservados, e a limpeza da corrosão esverdeada com auxílio de laser —além de análises científicas— revelaram uma interessante história.
O artefato é extremamente caro, coberto por incríveis designs de corvos, altares de fogos e criaturas como leopardos e tigres. Um estudo da iconografia aponta que a simbologia pertence ao Zoroastrismo, a religião do Império Sassânida (que durou por quatro séculos entre 224 d.C. e 651 d.C.) —o último império persa antes da conquista islâmica de 632.
A análise científica também confirmou: a prata veio de uma mina no que hoje é o território do Irã. Portanto, em algum momento no primeiro milênio depois de Cristo, o pote de prata cruzou o Oriente Médio e veio parar em uma Escócia tomada por vikings no início do reino formado no século 9. Desde 2014, ele "descansa" no Museu Nacional da Escócia, mas no fim do mês irá entrar em exibição temporária no Museu Britânico em Londres como um empréstimo para a mostra "Silk Roads" sobre a rota da seda. Depois de sua temporada no Museu Britânico, parte do Galloway Hoard entrará no acervo permanente em exibição no Museu Nacional da Escócia em Edimburgo, com outra parte destinada às Galerias Kirkcudbright.
O achado
O Galloway Hoard foi encontrado em 2014 depois que um "entusiasta de detector de metais", segundo o jornal britânico The Guardian, resolveu ver o que encontraria em terras da Igreja da Escócia em Balmaghie, em Kirkcudbrightshire. Bingo: ali havia mais de cinco quilos de prata e outros materiais, como uma cruz peitoral cristã e broches que teriam pertencido aos guerreiros viking que dominaram a região enquanto o Cristianismo ainda se espalhava por ali.
Suspeitávamos pelos raios-X do pote que ele pudesse ter como origem algum ponto do centro ou do oeste da Ásia, mas foi apenas agora que conservamos cuidadosamente e analisamos a peça que podemos dizer que definitivamente é este o caso. É mais uma evidência da composição cosmopolita do tesouro de Galloway. Nós sabemos que a prata da era viking que compõe a maior parte do tesouro foi derretida de moedas e outros metais da Inglaterra do início da Idade Média. Alguns objetos, como este pote, se destacaram do resto e a análise científica agora confirma [o porquê]. É incrível imaginar como este artefato fez sua jornada por metade do mundo conhecido, do Irã até este ponto distante do sudoeste escocês.
Martin Goldberg, do Museu Nacional da Escócia, em comunicado à imprensa.
A origem foi determinada após colher amostras tanto do nielo —os contornos da peça— quanto do "corpo" do pote, explicou Jane Kershaw, especialista em prata da era viking da Universidade de Oxford.
A análise do elemento usando fluorescência de raio-X portátil revelou que o pote era de uma liga de prata e relativamente puro cobre, o que é típico da prata sassânida, mas não [está presente] na prata europeia contemporânea. Além disso, os isótopos de chumbo dentro da praia e do nielo correspondem a minérios do Irã. Podemos até dizer que o nielo deriva da famosa mina de Nakhlak, na região central do país. É fantástico ter confirmação científica das origens distantes deste objeto impressionante.
Jane Kershaw, especialista da Universidade de Oxford
Esteticamente, ele é ainda mais rico: o ícone central que hoje pode ser visto no pote de prata teria sido um altar de fogo — que também aparecia nas moedas do Império Sassânida e era uma parte central dos rituais da religião deles. No entanto, Goldberg aponta que a coroa emergindo das chamas na superfície sinalizaria que o objeto teria sido criado ou usado pela realeza, que o encheria de lembrancinhas ou peças preciosas para a família.
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Quero receberÉ muito difícil pensar o que um cristão vivendo na área poderia ter feito com este objeto a não ser que soubessem como chegou ali, quem o comprou. Eles poderiam ter tido suas próprias lendas sobre o artefato. Sabemos que as pessoas estavam, com certeza, fazendo peregrinações à Terra Santa a esta altura. Uma vez que você tenha viajado toda essa distância, você não está realmente tão longe das origens deste pote.
Martin Goldberg, ao jornal britânico The Guardian
Até o momento, os estudiosos envolvidos no projeto do Museu Nacional da Escócia não determinaram quem poderia ter enterrado o tesouro, que combina itens vikings, cruzes e outros objetos cristãos, além destes achados do Oriente Médio. No entanto, a instituição acredita que, seja lá o que aconteceu ao conjunto, "vai além do estereótipo comum dos saqueadores vikings" e pode oferecer pistas no futuro de como conviviam os invasores, os escoceses de então e quais eram suas conexões com o mundo conhecido.
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