Famílias de reféns israelenses vivem com incerteza: 'Uma pedra no coração'
Um ano após o ataque terrorista que deixou mais de 1.200 pessoas mortas em Israel, reféns continuam sob posse do Hamas na Faixa de Gaza. A situação, que abala a confiança de israelenses no governo de Benjamin Netanyahu, causa protestos em todo o país e continua a angustiar quem não sabe se seus parentes estão vivos.
Crise dos reféns em números:
251 reféns foram levados de Israel no dia 7 de outubro.
117 voltaram para casa após entregas voluntárias, operações militares e acordos.
37 corpos de reféns foram recuperados.
97 continuam em Gaza, mas nem todos estão vivos. Segundo a inteligência de Israel, 34 corpos seguem sob posse do Hamas. Dos 63 que continuariam vivos, 51 são homens, 10 são mulheres e dois são crianças.
4 pessoas sequestradas antes do ataque terrorista também estão sob posse do Hamas, o que eleva o número total de reféns ainda na região a 101.
"Estamos presos no 7 de outubro", diz irmã de refém
Um dos rostos do movimento de familiares de reféns em Gaza é o de Ofri Bibas, que teve o irmão, a cunhada e os dois sobrinhos sequestrados do Kibutz Nir Oz na manhã de 7 de outubro. O último contato com o irmão mais novo, Yarden, 34, foi por mensagem de texto.
Eles estão invadindo a nossa casa. Parece que é o fim. Não estou brincando. Estou com medo. Estou com uma arma, mas eles têm fuzis. Eles estão entrando. Amo você.
Mensagem enviada por Yarden Bibas à irmã, Ofri Bibas, segundo o Fórum de Famílias de Reféns e Desaparecidos de Israel
Yarden fez aniversário três dias após a invasão. Ofri lembra que naquela manhã de 10 de outubro, a família recebeu um vídeo do sequestro dele. Nas imagens, é possível ver o homem em uma moto, sendo imobilizado por um dos extremistas. Em seguida, ele aparece com o rosto e as mãos ensanguentadas.
"Ainda estamos presos no dia sete de outubro. Estamos começando um ano novo, mas, para mim, o ano passado ainda está acontecendo. Nada acabou, nada foi feito", afirmou Ofri em entrevista a jornalistas em 30 de setembro.
A esposa de Yarden, Shiri Bibas, 33, e seus filhos, Ariel, 5, e Kfir, que tinha 10 meses quando foi sequestrado, estavam na lista de reféns que seriam trocados por prisioneiros durante o cessar-fogo entre Israel e Hamas - o que não aconteceu, e levantou suspeita sobre se eles estavam vivos ou não.
O Hamas afirmou que o trio morreu durante um bombardeio israelense à Faixa de Gaza, mas a informação não foi confirmada pelo serviço de inteligência de Israel. Atualmente, os sobrinhos de Ofri são considerados as duas únicas crianças que seguem em cativeiro.
Por um ano inteiro eu tenho uma pedra no meu coração. Não consigo respirar adequadamente, não consigo viver minha rotina. Minha mente e meu coração estão sempre com eles, pensando no que eu posso fazer para trazê-los de volta.
Ofri Bibas, irmã de Yarden Bibas, sequestrado com esposa e filhos pelo Hamas
Ofri, que descobriu que estava grávida pouco tempo após o sequestro do irmão, tem uma filha de quatro meses. Apesar do pensamento constante sobre o bem estar dos familiares sequestrados, ela conta que está em alerta constante para receber a pior das notícias. "Quando estou em casa e escuto um carro passando pela estrada meu coração salta um pouco. Porque eu tenho certeza que é um carro com oficiais vindo dizer que a minha família está morta", contou.
O kibutz de onde a família foi sequestrada fica a pouco mais de dois quilômetros da divisa com a Faixa de Gaza. A estimativa do governo israelense é de que 20 dos 400 habitantes tenham sido assassinados no local ainda no dia 7 de outubro. Os pais de Shiri estão entre os mortos.
A prima de Shiri, Yifat Zailer, afirmou que não teve tempo de viver o luto pelos tios enquanto se tornava uma voz ativa no fórum de familiares de reféns. No aniversário de um ano do ataque, uma cerimônia com os enlutados será realizada no kibutz, que foi incendiado e destruído pelos extremistas durante o ataque.
Precisarei me despir de todas as dores e encarar essa perda, que realmente não processei. Ainda não estive de luto pelos meus tios porque estamos tão focados em trazer a minha prima, o marido e os filhos deles para casa. Não acredito que já faz um ano. Não acredito que já alcançamos essa marca.
Yifat Zailer, prima de Shiri
Maior parte dos reféns foi resgatada em cessar-fogo de uma semana
Israel divide o resgate de reféns nacionais e estrangeiros da Faixa de Gaza em três frentes diferentes. Segundo o governo, quatro pessoas foram liberadas de forma voluntária pelo Hamas; 105 foram resgatadas em um acordo de troca por prisioneiros e oito foram recuperadas em operações das forças de defesa em Gaza.
Brasileiro está entre reféns cujos corpos foram recuperados por Israel
Entre os 37 corpos recuperados da Faixa de Gaza estão três homens mortos acidentalmente pelas Forças de Defesa de Israel. Yotam Haim, Alon Shamriz e Samer Talalka foram "identificados erroneamente como uma ameaça" e executados em dezembro de 2023, informou o governo.
Outra das vítimas que teve os restos mortais repatriados foi o brasileiro Michel Nisenbaum, 59, encontrado em maio. Natural de Niterói, ele morava em Israel havia 40 anos. Pai de duas filhas, ele tinha cinco netos e foi sequestrado quando estava a caminho de buscar um deles. O corpo de Michel foi encontrado em operação do exército com serviços de inteligência de Israel em Jabalia. Além dele, dois israelenses com dupla nacionalidade também foram resgatados na operação: Hanan Yablonka, com nacionalidade francesa, e Orion Hernandez, de nacionalidade francesa e mexicana.
Falhamos com você. Todos nós falhamos. Você não teria falhado. Você teria trabalhado para que a sua morte, a morte de todos os soldados e de tantos civis inocentes não tivesse sido em vão. Seu ponto de partida seria o pedido para que todos os reféns voltassem para casa. Talvez a sua morte seja o combustível necessário para trazer para casa os 101 reféns restantes.
Jon Polin, pai de Hersh Goldberg-Polin, em 2 de setembro de 2024
Situação dos reféns causa protestos contra governo
Um dos sentimentos que atormenta Ofri Bibas após um ano sem notícias do irmão é o da incerteza sobre a capacidade de Israel de proteger seus cidadãos. "Estou sentindo que perdi a confiança em todas as certezas que tinha na minha vida. Sobre meu país ser capaz de me proteger, sobre meu país fazer tudo o possível para me salvar, se algo acontecer comigo", afirmou.
A sensação é compartilhada pelo Fórum das Famílias de Reféns e Desaparecidos, que acusou o governo israelense de "atrasos" e "sabotagens" na negociação para libertação dos reféns. Após anúncio sobre as seis últimas mortes, protestos foram convocados em todo o país. "Vocês os abandonaram. O sangue deles está nas suas mãos. Vocês poderiam ter salvado eles. Eles estavam vivos", afirmou o fórum em publicação nas redes sociais.
Houve confronto com a polícia e ao menos 29 pessoas foram detidas. "Não haverá perdão pela quebra do acordo", afirmava uma das placas de protesto. "O sangue dos reféns está na mão dos governantes", diz outro. Em pronunciamento, Netanyahu pediu perdão por não trazer os reféns vivos e disse que "estiveram perto" de fazê-lo. "Quem mata reféns não quer um acordo", complementou, se referindo ao Hamas.
O presidente dos Estados Unidos também mostrou insatisfação em relação à crise de reféns. Ao ser questionado sobre se Netanyahu "está fazendo o suficiente" para liberação dos reféns, Biden respondeu, somente, que "não".
Em meio à escalada de violência na região, com ataques ao Líbano e novos bombardeios em Israel, os eventos que marcam um ano do ataque terrorista não serão realizados em Tel Aviv nem em Jerusalém. Duas grandes manifestações foram convocadas pela organização dos familiares para as cidades de Sha'ar HaNegev e Qiryat Gat. Além desses eventos, mais de 27 protestos menores estão marcados para áreas atingidas pelos extremistas, como o kibutz no qual a família Bibas foi sequestrada.