Texto final do G20 defende cessar-fogo em Gaza e taxação de super-ricos
O documento com a declaração de líderes do G20, publicado nesta segunda (18), destaca a crise humanitária na Faixa de Gaza, a guerra na Ucrânia, reforça os compromissos do Acordo de Paris para enfrentar as mudanças climáticas e também aborda caminhos para a taxação de super-ricos.
O que aconteceu
A declaração final do G20 2024 foi publicada sem ressalvas de nenhum país, nem da Argentina — que deu trabalho para os negociadores nesta edição da cúpula. O colunista do UOL Jamil Chade adiantou que, mesmo com divergências, o presidente argentino Javier Milei sinalizou que o país não vetaria o documento. Em um comunicado publicado à parte, Milei destacou suas divergências.
A divulgação do documento ocorreu um dia antes do encerramento do G20. A declaração final, com 24 páginas, aborda diversos tópicos que foram discutidos e negociados no âmbito da presidência brasileira da cúpula. Como posicionamento sobre os conflitos armados em curso no mundo, a criação da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, o apoio à taxação de super-ricos no nível nacional, objetivos comuns em relação ao combate às mudanças climáticas e reformas nas instituições de decisão conjunta.
Guerras em Gaza e na Ucrânia
Grupo citou o "direito palestino à autodeterminação". E reitera defesa de dois Estados: Israel e Palestina. E que os dois possam viver "lado a lado, em paz, dentro de fronteiras seguras e reconhecidas".
Sobre a Ucrânia, o texto foi menos enfático. "Destacamos o sofrimento humano e os impactos negativos adicionais da guerra no que diz respeito à segurança alimentar e energética global". Não há menção ao papel da Rússia no conflito — assim como Israel.
As guerras eram consideradas o tema mais espinhoso do G20. Diferentes lados das guerras estão representados no grupo, o que dificulta consenso para declarações mais duras. No caso do conflito na Ucrânia, a Rússia é membro do G20. Já no caso da guerra em Gaza, enquanto grande parte dos países defende o território, os Estados Unidos são um tradicional aliado de Israel.
Taxação de super-ricos
Declaração cita envolvimento do grupo para "garantir" que super-ricos "sejam efetivamente tributados". No texto, eles são chamados de "indivíduos de patrimônio líquido ultra-alto". O texto ressalva que há "total respeito à soberania tributária" — ou seja, os países escolhem como fazem suas próprias tributações.
Mas não há ainda a definição de como — e quando — isso seria feito. O texto diz que poderiam ser elaborados "mecanismos antievasão" — o que limitaria a declaração de receitas em outros países, como paraísos fiscais, para evitar a tributação em um local que implementar uma taxa para os ultra-ricos.
É a primeira vez que o tema aparece em uma declaração do G20. A discussão foi pautada no fórum por Fernando Haddad, ministro da Fazenda. Especialistas e diplomatas acreditavam que este tema não entraria na declaração final, pois ainda havia muita divergência. A equipe de Finanças do G20 passou meses debatendo o tema. O mundo tem cerca de 3 mil bilionários, em uma população de oito bilhões de pessoas. A taxação sobre esse grupo poderia arrecadar mais de US$ 200 bilhões por ano.
Com total respeito à soberania tributária, nós procuraremos nos envolver cooperativamente para garantir que indivíduos de patrimônio líquido ultra-alto sejam efetivamente tributados.Trecho da declaração final do G20
Combate à fome
É preciso vontade política para expandir acesso a alimento, diz declaração. "O mundo produz alimentos mais do que suficientes para erradicar a fome", afirmam os países, que citam investimentos em agricultura para que metas de combate a fome sejam eficazes.
O texto está em consonância com o discurso de Lula sobre o aumento da fome no mundo. O grupo diz também que o avanços na redução da pobreza foram impactados negativamente com a pandemia da covid-19 e citam medidas como a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.
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Quero receberNós reconhecemos as restrições enfrentadas por muitos países na implementação de políticas de grande escala, incluindo aquelas para erradicar a fome e reduzir a pobreza. É imperativo que aqueles que mais precisam recebam maior apoio, garantindo que ninguém seja deixado para trás.Trecho da declaração final do G20
Ações para frear mudanças climáticas
Declaração final do G20 foi enfática em reforçar o Acordo de Paris, que estabelece metas para enfrentar as mudanças climáticas. São nove menções no texto. O G20 reafirma a meta de limitar o aumento de temperatura a 2ºC em comparação com níveis pré-industriais; e "empreender esforços" para tentar limitar a 1,5ºC — porém, neste momento, há uma discussão na comunidade científica se esse patamar já teria sido ultrapassado.
Não há oferta de financiamento para mitigar as mudanças climáticas. O texto diz apenas, de forma genérica, que o G20 se compromete a "ampliar o financiamento e investimento climático público e privado para os países em desenvolvimento". Lideranças da COP29, conferência do clima que está sendo realizada ao mesmo momento, no Azerbaijão, vinham fazendo um apelo para que o G20 assumisse compromissos claros de financiamento.
Além do Acordo de Paris, declaração diz que apoia esforços para triplicar a energia renovável até 2030. Também se compromete a intensificar esforços para "eliminar gradualmente e racionalizar, a médio prazo, subsídios ineficientes a combustíveis fósseis". E afirma que são intensificados esforços para atingir neutralidade de emissão de gases — ou seja, tudo que for emitido será compensado.
Nós reafirmamos a meta de temperatura do Acordo de Paris de limitar o aumento da temperatura média global para bem abaixo de 2ºC acima dos níveis pré-industriais e de empreender esforços para limitar o aumento a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, reconhecendo que isso reduziria significativamente os riscos e impactos da mudança do clima.Trecho da declaração final do G20
Discussão sobre inteligência artificial
Uso seguro da inteligência artificial passa por abordar a proteção dos direitos humanos. A declaração reconhece que é preciso promover uma regulação para IA, limitando possíveis riscos, e buscando os benefícios para sociedade.
Evolução das tecnologias deve também combater "divisões digitais". Os países do G20 afirmam que é preciso reduzir pela metade a divisão digital de gênero até 2030 e priorizar a inclusão das pessoas mais vulneráveis no mercado de trabalho. "Nós concordamos em defender e promover a IA responsável para melhorar os resultados da educação e da saúde, bem como o empoderamento das mulheres."
Nós trabalharemos juntos para promover a cooperação internacional e novas discussões sobre governança internacional para IA, reconhecendo a necessidade de incorporar as vozes dos países desenvolvidos e em desenvolvimento.Trecho da declaração final do G20
Reforma das instituições multilaterais
Este era um dos três temas propostos pelo Brasil no G20 deste ano, mas não apresentou nenhuma novidade na declaração. O texto aprovado este ano contempla pontos parecidos com os que já listados no ano passado, quando o G20 foi realizado na Índia — país que também priorizou o tema nas discussões.
Há uma defesa do multilateralismo, particularmente dos órgãos das Nações Unidas. O termo multilateralismo se refere à tomada de decisões em conjunto por diferentes países, em um ambiente de diálogo e cooperação. Políticos populistas de direita, como Donald Trump e Javier Milei, criticam o que chamam de "globalismo" das instituições multilaterais.
No documento, o G20 destaca papel de organizações multilaterais. O documento cita como exemplo a OMS (Organização Mundial da Saúde), FMI (Fundo Monetário Internacional) e Banco Mundial. "Nós incentivamos o FMI e o Banco Mundial a continuar seu trabalho relacionado a opções viáveis que sejam específicas de cada país e de forma voluntária para ajudar aqueles países e relatar aos Ministros de Finanças do G20 no ano que vem."
Contraste entre a defesa do multilateralismo presente no documento e o anúncio de oposição de Javier Milei. O presidente argentino emitiu um comunicado oficial cerca de uma hora e meia antes da divulgação da declaração final, em que dizia discordar de diversos pontos, dentre eles a "vulnerabilização das soberanias [nacionais]" gerada pelas instituições de governança global.
Documento reforça um pedido para a inclusão de mais membros no Conselho de Segurança da ONU. O texto reforça a necessidade da criação de cadeiras para a América Latina e a África (hoje sem membros permanentes) e mais espaço para países da Ásia-Pacífico (hoje a região é representada pela China e pela Rússia, que também faz parte da Europa).
Os desafios que a comunidade global enfrenta atualmente só podem ser superados por meio de soluções multilaterais.Trecho da declaração final do G20
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