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Um hospital do inferno, em uma cidade tomada pelo ebola

Adam Nossiter

Em Makeni (Serra Leoa)

02/10/2014 06h00

"Onde está o cadáver?" gritou o trabalhador da equipe de enterro, abrindo a porta da ala de isolamento do hospital público daqui com um chute. O corpo estava bem diante dele, um homem jovem de corpo robusto que ficou estirado no chão a noite toda, com sua mão direita retorcida em um desajeitado punho cerrado.

Os outros pacientes, normalmente trancados lá dentro, estavam doentes demais para levantar seus olhos enquanto o corpo era carregado. Enfermeiros, alguns não usando luvas e outros em roupas comuns, se amontoavam ao lado da porta, enquanto poças de fluídos corporais dos pacientes se espalhavam até sua beira. Um trabalhador chutou outro homem no chão para ver se ainda estava vivo. O pé do homem se moveu e a equipe seguiu em frente. Eram 13h30.

Na ala seguinte, uma menina de 4 anos estava caída no chão envolta em urina, com a boca sangrando e com os olhos abertos. Um cadáver estava no canto - uma mulher jovem, com as pernas abertas, que morreu na madrugada. Uma criança pequena estava em um colchonete assistindo enquanto a equipe removia o corpo, contornando um menino pequeno que permanecia imóvel ao lado de baldes pretos de vômito. Eles borrifaram cloro no corpo, e na menininha no chão, enquanto partiam.

À medida que a epidemia de ebola se intensifica em partes do oeste da África, países e agências de ajuda estão prometendo responder com maior força. Mas a doença está correndo mais rápido que as promessas, varrendo áreas que vinham sendo em grande parte poupadas da investida e que não estavam nem um pouco preparadas para ela.

As consequências em lugares como Makeni, uma das maiores cidades de Serra Leoa, são devastadoras.

"O país inteiro foi atingido por algo para o qual não estava pronto", disse a médica Amara Jambai, diretora de controle e prevenção do Ministério da Saúde de Serra Leoa.

Bombali, o distrito que inclui a cidade, passou de um caso confirmado em 15 de agosto para mais de 190 neste fim de semana, com mais dezenas de casos suspeitos. Em um sinal de quão rapidamente a doença se espalhou, pelo menos seis dezenas de novos casos foram confirmados no distrito apenas nos últimos dias, disseram autoridades de saúde.

O governo colocou o distrito, a cerca de 190 quilômetros a nordeste da capital, Freetown, sob quarentena no final da semana passada, tornando oficial o que já estava estabelecido em solo. Os doentes de ebola estão morrendo sob árvores em centros de isolamento ou em alas fétidas de hospitais, cercados por poças de dejetos infecciosos, sendo cuidados da melhor forma possível por enfermeiros pouco treinados e minimamente protegidos, alguns vestindo apenas jeans.

"Não há treinamento para o pessoal aqui", disse o médico Mohammed Bah, diretor do hospital público daqui. "O treinamento se resume ao PowerPoint. É muito difícil administrar o ebola aqui."

Nas últimas semanas, o mundo prometeu intensificar sua resposta à epidemia, que já se espalha há mais de seis meses. Os Estados Unidos enviaram uma equipe militar para a vizinha Libéria, com planos para construção de 18 centros de tratamento para escorar o sistema de saúde em colapso. Os britânicos prometeram construir hospitais de campo em quatro áreas urbanas em Serra Leoa, incluindo esta. Os franceses estão montando um centro de tratamento e um laboratório na Guiné. Os chineses enviaram um grande número de pessoal médico para a região e converteram um hospital que construíram fora de Freetown em um centro de isolamento para os doentes de ebola. Os cubanos prometeram enviar mais de 400 médicos para ajudar a combater a doença na região.

Mas pouca dessa ajuda chegou a esta cidade. Os mortos, os gravemente enfermos, aqueles que estão vomitando ou com diarreia, são colocados entre pacientes que ainda não foram confirmados como vítimas de ebola - não há nem mesmo um laboratório aqui para realização de exames. Em um dos três centros de isolamento em Makeni, pacientes de ebola aturdidos permanecem em contato uns com os outros, próximos dos funcionários de saúde e dos soldados que os vigiam. O risco de contágio é elevado e as precauções são mínimas.

"Nós os encorajamos a não terem contato com fluidos corporais", disse a autoridade médica do distrito, o médico Tom Sesay.

Não há centro de tratamento do ebola aqui e os pacientes, alguns deles gravemente doentes, precisam enfrentar oito horas de viagem por estradas de terra ruins até o centro dirigido pela Médicos Sem Fronteiras em Kailahun - isto é, quando há espaço disponível lá. Alguns morrem no caminho. Pelo menos 90 pessoas já morreram no distrito, disseram autoridades de saúde - um número que ultrapassa em muito o relatado pelo governo para Bombali. Mas a Organização Mundial da Saúde e outros ainda utilizam as estatísticas do governo de Serra Leoa, que parecem subestimar seriamente o número de vítimas.

Fora do quartel-general do diretor médico do distrito à beira de Makeni - um centro de mineração em dias melhores - ambulâncias correm constantemente em busca de novos corpos. Relatos de novos casos surgiram ao longo de todo o fim de semana.

"Nós estamos lutando para descobrir como controlar a epidemia", disse Sesay. "Mas não ajuda o fato de não termos para onde levar nossos pacientes."