Topo

Com intimidações, pressão e humilhação, Trump enfrenta guerra contra investigações na Justiça

5.fev.2019 - O presidente Donald Trump chega para o discurso do Estado da União, no Capitólio, em Washington. A guerra pública de Trump contra as investigações que o cercam durou tempo suficiente para que não seja mais chocante - Doug Mills/The New York Times
5.fev.2019 - O presidente Donald Trump chega para o discurso do Estado da União, no Capitólio, em Washington. A guerra pública de Trump contra as investigações que o cercam durou tempo suficiente para que não seja mais chocante Imagem: Doug Mills/The New York Times

Mark Mazzetti, Maggie Haberman, Nicholas Fandos e Michael S. Schmidt

Em Washington (EUA)

21/02/2019 04h00

Enquanto promotores federais em Manhattan reuniam evidências no final do ano passado sobre o papel do presidente americano, Donald Trump, em calar mulheres com pagamentos durante a campanha de 2016, Trump telefonou para Matthew Whitaker, seu recém-instalado secretário de Justiça em exercício, com uma pergunta. Queria saber se Geoffrey Berman, o procurador federal para o Distrito Sul de Nova York, um aliado do presidente, poderia ser encarregado de conduzir a ampla investigação, segundo várias autoridades com conhecimento direto do telefonema.

Whitaker, que antes havia dito a aliados que parte de seu papel no Departamento de Justiça era "saltar sobre uma granada" pelo presidente, sabia que não poderia pôr Berman no cargo porque este mesmo já tinha se afastado da investigação. O presidente logo azedou com Whitaker, como costuma fazer com seus assessores, queixando-se de sua incapacidade de apertar botões no Departamento de Justiça que poderiam fazer desaparecer muitos dos problemas legais do presidente.

Tentar instalar alguém considerado fiel no topo de um inquérito em ampliação é uma tática conhecida de Trump, que vem lutando para superar as investigações que têm consumido sua Presidência. Seus esforços o expuseram a acusações de obstrução da Justiça enquanto o procurador especial Robert Mueller termina sua investigação sobre a interferência russa na eleição de 2016.

A guerra pública de Trump contra o inquérito já dura tanto tempo que não parece mais chocante. Trump vocifera quase diariamente para seus 58 milhões de seguidores no Twitter que Mueller está numa "caça às bruxas" e adotou a linguagem dos chefões da máfia, chamando de "ratos" os que cooperam com o procurador especial.

Seu advogado fala abertamente sobre uma estratégia para difamar e desacreditar a investigação. Os aliados do presidente no Congresso e a mídia conservadora advertem sobre uma trama insidiosa no Departamento de Justiça e no FBI para subverter um presidente eleito democraticamente.

Ex-advogado de Trump é condenado a três anos de prisão

Band Notí­cias

Uma análise de "The New York Times" revela a extensão de um ataque ainda mais constante e secreto de Trump à máquina da Justiça federal. Entrevistas com dezenas de autoridades atuais e passadas do governo e outros próximos de Trump, assim como uma revisão de documentos confidenciais da Casa Branca, revelam numerosos episódios não divulgados em um drama de dois anos.

Adversários da Casa Branca escreveram um memorando confidencial manifestando preocupação sobre a equipe do presidente espalhar desinformação sobre a demissão de Michael Flynn, o primeiro assessor de segurança nacional do governo Trump.

O presidente teve conversas privadas com legisladores republicanos sobre uma campanha para atacar a investigação de Mueller. E houve o episódio em que ele pediu ao secretário de Justiça em exercício para colocar Berman no comando da investigação em Manhattan.

Whitaker, que neste mês disse a uma comissão do Congresso que Trump nunca o pressionou sobre as várias investigações, agora está sob o escrutínio dos democratas da Câmara por possível perjúrio.

Na terça-feira (19), depois que esta reportagem foi publicada online, Trump negou que tivesse pedido a Whitaker para colocar Berman no comando da investigação.

"Não, eu não sei quem lhe disse isso; são mais 'fake news'", disse Trump. "Há muitas notícias falsas por aí. Não, eu não disse isso."

8.fev.2019 - Matthew Whitaker, secretário de Justiça em exercício, testemunha perante o Comitê Judiciário da Câmara, no Capitólio, em Washington - Tom Brenner/The New York Times - Tom Brenner/The New York Times
8.fev.2019 - Matthew Whitaker, secretário de Justiça em exercício, testemunha perante o Comitê Judiciário da Câmara, no Capitólio, em Washington
Imagem: Tom Brenner/The New York Times

Uma porta-voz do Departamento de Justiça disse na terça-feira que a Casa Branca não pediu que Whitaker interferisse nas investigações. "Sob juramento à Comissão de Justiça da Câmara, o então secretário em exercício Whitaker declarou que 'em nenhum momento a Casa Branca pediu, ou eu apresentei qualquer promessa ou compromisso referente à investigação do procurador especial ou qualquer outra investigação'", disse a porta-voz Kerri Kupec. "O senhor Whitaker mantém seu depoimento."

A história das tentativas de Trump de enfraquecer as investigações foi coberta extensamente pela mídia, a tal ponto que muitos americanos perderam a noção do quanto seu comportamento é incomum.

Mas misturando as narrativas revela-se uma história extraordinária de um presidente que atacou o aparelho judicial de seu próprio governo como nenhum outro na história, e que transformou esse esforço em uma obsessão.

Trump fez isso com a mesma tática que usou certa vez em seu império empresarial: exigindo total lealdade de seus empregados, aplicando táticas de pressão para manter as pessoas na linha e protegendo a marca, ou seja, ele mesmo, a todo custo.

É uma estratégia de relações públicas tanto quanto jurídica, uma campanha para criar uma narrativa de um presidente perseguido pelos inimigos do "Estado profundo".

A nova maioria democrata na Câmara, e a perspectiva de uma onda de investigações no Capitólio neste ano, testarão se a estratégia mantém o apoio político a Trump ou coloca sua Presidência em maior risco.

O presidente passou muito tempo declarando publicamente que "não houve conspiração" com a Rússia antes da eleição de 2016, o que desviou a atenção de um corpo de evidências crescente de que ele tentou impedir várias investigações.

Julie O'Sullivan, professora de direito criminal na Universidade Georgetown, disse acreditar que há amplas evidências públicas de que Trump teve a "intenção corrupta" de atrapalhar a investigação de Mueller, o padrão legal para um caso de obstrução de justiça.

Mas isso está longe de uma investigação criminal rotineira, disse ela, e Mueller terá de avaliar as consequências para o país de abrir um processo criminal contra o presidente. Os deputados democratas disseram que vão esperar Mueller terminar seu trabalho antes de tomar uma decisão sobre se o comportamento do presidente é motivo para um impeachment.

Além da investigação de Mueller, há pelo menos dois outros inquéritos federais que afetam o presidente e seus assessores: a investigação em Manhattan concentrada nos pagamentos a mulheres feitos pelo advogado de Trump, Michael Cohen, e um inquérito que examina o fluxo de dinheiro estrangeiro para o comitê da posse de Trump.

Os defensores do presidente afirmam que a maioria dos atos que são examinados recai sob sua autoridade como chefe do Executivo. Eles dizem que a Constituição dá ao presidente amplos poderes para contratar e demitir, iniciar e cancelar procedimentos policiais e conceder perdão presidencial a amigos e aliados. Um presidente americano em exercício não pode ser indiciado, segundo a política atual do Departamento de Justiça.

Os advogados de Trump acrescentam essa nova resposta: o presidente declarou publicamente seu desdém pela investigação de Mueller e outros inquéritos federais, portanto dificilmente está envolvido numa conspiração. Ele demitiu um diretor do FBI e considerou demitir seu substituto. Ele humilhou seu primeiro secretário de Justiça por ser incapaz de "controlar" a investigação da Rússia e instalou um substituto, Whitaker, que disse a pessoas que acreditava que seu trabalho era proteger o presidente. Mas isso, segundo eles, é Donald Trump sendo Donald Trump.

Em outras palavras, o comportamento público insolente do presidente pode ser sua melhor defesa.

Trump avançou para um novo secretário de Justiça, William Barr, que nomeou para o cargo em parte por causa de um memorando que Barr escreveu no último verão (no hemisfério norte) defendendo a tese de que um presidente americano no cargo não pode ser acusado de obstrução de Justiça por atos em seu poder, como demitir um diretor do FBI.

Um presidente não pode ser acusado de infringir a lei, argumentou Barr, se ele estava exercendo seus poderes executivos para demitir subordinados ou usando sua "total autoridade para iniciar ou cancelar um procedimento judicial".

O memorando pode ter posto Barr nas graças de seu futuro patrão, mas Barr também é respeitado entre os funcionários do Departamento de Justiça. Muitas autoridades lá esperam que ele tente mudar o tom combativo do governo Trump em relação ao departamento, assim como ao FBI.

Se é tarde demais é outra questão. A linguagem de Trump e as alegações de excessos no "Estado profundo" já estão inseridas no discurso político, usadas como arma pelos apoiadores do presidente.

Em dezembro passado, dias antes de Flynn ser condenado por mentir ao FBI, seus advogados escreveram um memorando ao juiz sugerindo que agentes federais tinham enganado o ex-assessor de segurança nacional para que mentisse. O juiz recusou redondamente o argumento, e no dia da sentença escorchou Flynn por seus crimes.

O argumento sobre trapaça do FBI, porém, parece ter agradado ao único homem que tem grande poder sobre o futuro de Flynn, o poder constitucional do perdão.

"Boa sorte hoje no tribunal ao general Michael Flynn", tuitou Trump alegremente na manhã da proclamação da sentença judicial.

Rússia pode ter confundido eleitores negros dos EUA

Band Notí­cias