Relatório da ONU diz que Maduro e Guaidó usam o sofrimento humano como arma política na Venezuela
Ao detalhar uma situação cada vez mais desesperada na Venezuela, a ONU (Organização das Nações Unidas) fez um apelo confidencial ontem para que o ditador Nicolás Maduro e o presidente autoproclamado Juan Guaidó encerrem a batalha política sobre a ajuda humanitária que bloqueou as remessas de alimentos e remédios.
Uma cópia de um relatório entregue a representantes dos dois lados, obtida pelo "The New York Times", não culpa ninguém especificamente por agravar a crise na Venezuela que, segundo estimativas, mergulhou na pobreza quase toda a população de 32 milhões.
Mas sugere que as medidas tomadas pelo governo do presidente Nicolás Maduro, como bloquear as fronteiras do país e impor restrições às organizações de ajuda, tornaram a crise mais aguda, assim como as sanções implementadas pelos Estados Unidos e outros países.
O relatório também sugere que o adversário de Maduro, Juan Guaidó, líder da oposição, também se apoderou de entregas de ajuda para tentar obter o controle, exacerbando as tensões ao forçar um confronto em fevereiro em que Maduro repeliu uma tentativa de furar o bloqueio.
Essa utilização do sofrimento humano como arma política por ambos os lados é o maior empecilho à melhora das condições para os venezuelanos, segundo o relatório.
A politização da ajuda humanitária no contexto da crise dificulta a entrega de assistência de acordo com os princípios de neutralidade, imparcialidade e independência
relatório da ONU
O documento da ONU parece um apelo a um país à beira da ruína.
Até 94% da população estão vivendo na pobreza, segundo o relatório, e até 7 milhões de pessoas, ou um quarto da população hoje, precisam de ajuda humanitária na Venezuela, país que já foi um dos mais ricos do mundo.
Milhões de pessoas estão sem acesso regular a água, alimentos e medicamentos. Quase 4 milhões sofrem desnutrição. O crime e as doenças estão florescendo. Para muitos, a solução é fugir do país.
É o tipo de colapso raramente visto fora de zonas de guerra, segundo uma autoridade da ONU, que falou sob condição de anonimato para fazer uma avaliação franca das conclusões do relatório.
O impasse de três meses entre Maduro e Guaidó sobre quem vai liderar a Venezuela é mais intratável que nunca, e cada dia mais se parece com os conflitos intermediários da Guerra Fria.
Maduro, que preside a Venezuela desde 2013, continua agarrado ao poder depois de sua muito contestada reeleição no ano passado, reforçado pelo apoio firme da Rússia, que no último fim de semana enviou dois aviões militares a Caracas com suprimentos e assessores técnicos.
Guaidó foi reconhecido como presidente legítimo da Venezuela por aproximadamente 50 países, incluindo muitos da América Latina, assim como os Estados Unidos, que impuseram sanções punitivas na tentativa de derrubar Maduro.
A população venezuelana foi apanhada no meio.
Doenças evitáveis como tuberculose, difteria, sarampo, malária e hepatite A estão aumentando, alimentadas pela falta de remédios, assim como de médicos para administrá-los. Cerca de 22 mil médicos deixaram o país, ou um terço do total estimado, segundo o relatório da ONU.
Pessoas com doenças crônicas são as mais vulneráveis. Quatro milhões de pessoas com diabetes e hipertensão carecem de insulina ou remédios cardíacos, e 80 mil não receberam tratamento antirretroviral desde 2017, uma sentença de morte para a maioria.
Mulheres e idosos, populações indígenas e pessoas em áreas rurais correm maior risco. As crianças também sofrem. Até 22% das crianças com menos de 5 anos enfrentam desnutrição crônica, diz o relatório, citando uma pesquisa de 2017.
Cerca de 1 milhão de crianças em idade escolar não estão recebendo educação em consequência da crise, e até 48% dos matriculados em escolas correm o risco de sair por causa da frequência irregular, segundo o documento.
Os índices de criminalidade em alta também se tornaram uma preocupação séria, com alguns indícios de que a Venezuela se tornou o país mais violento da América Latina, diz o relatório.
"A violência aumentou nas famílias, escolas, instituições e comunidades, especialmente em algumas áreas de fronteira e urbanas onde há presença de grupos armados e organizações criminosas comuns", afirma o relatório.
A solução para muitos venezuelanos é escapar. Cerca de 3,4 milhões de pessoas já fugiram do país, e 1,9 milhão deverão sair neste ano, segundo o documento.
O relatório de 45 páginas foi compilado por um consórcio de agências dos Estados Unidos e organizações não governamentais locais. A crise política limitou a capacidade da ONU e seus parceiros de conduzir uma avaliação abrangente das necessidades dos venezuelanos, segundo ele.
Áreas rurais são especialmente difíceis de alcançar, por causa de más estradas e serviço aéreo irregular. Desde 2015, a maioria das instituições públicas parou de publicar informações socioeconômicas.
O relatório afirma que só a ONU, com seus parceiros, pode ser um árbitro neutro na crise. O financiamento, porém, é um problema. Em novembro, a ONU fez um pedido de doações aos países membros, buscando US$ 109 milhões para reforçar os programas de ajuda humanitária na Venezuela.
Era uma soma modesta, diante das necessidades. Mas só US$ 50 milhões foram doados até agora.
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