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Renúncia aproxima May do que ela mais temia: um Brexit sem acordo

Primeira-ministra do Reino Unido, May anuncia renúncia - Tolga AKMEN / AFP
Primeira-ministra do Reino Unido, May anuncia renúncia Imagem: Tolga AKMEN / AFP

Ellen Barry

Em Londres (Inglaterra)

25/05/2019 04h01

Uma imagem icônica de Theresa May apareceu nesta semana, enquanto o Reino Unido se preparava para a notícia de sua renúncia.

Ela a exibia no banco de trás de seu carro, com o rosto pálido e com as gotas de suor brilhando, com olhos com rímel marejados. A imagem repercutiu por ser quase idêntica a uma de Margaret Thatcher em novembro de 1990, enquanto um carro a levava após sua renúncia. "Lágrimas no Assento Traseiro", dizia a manchete no jornal "Daily Mirror" em ambas as ocasiões.

As lágrimas foram notáveis por serem incomuns. Em seus dois anos e 10 meses como primeira-ministra, May transformou a dureza em marca pessoal, seguindo em frente com esforço mesmo enquanto suas esperanças de concluir o Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia) desapareciam. Isso se transformou em um dos principais mistérios da política britânica: o que exatamente seria necessário para fazer May desistir?

Na sexta-feira (24), nós descobrimos. Ela disse que deixaria a posição de líder do Partido Conservador em 7 de junho, mas que permaneceria como primeira-ministra até a escolha de um sucessor.

Contemplando uma quarta derrota humilhante no Parlamento, abandonada pelo último de seus aliados, May finalmente concluiu que tinha esgotado todos os caminhos possíveis para o sucesso. Sua estratégia para o Brexit deixou o país em apuros: sua população está venenosamente dividida, seus dois partidos veneráveis estão gravemente despedaçados e seus prováveis sucessores estão buscando a fantasia linha-dura de uma saída sem acordo.

Até o momento ela serviu 1.044 dias no cargo, um dos mandatos mais curtos de qualquer primeiro-ministro no pós-guerra, e seu governo aprovou menos projetos de lei que qualquer outro nas últimas três décadas.

May renuncia em uma clara derrota, algo que se deve em grande parte a ela ter sido lenta em se ajustar às realidades políticas do Brexit. Apesar de ela ter deixado claro que não estava disposta a liderar o país a uma saída sem acordo, ela o fez apenas recentemente, ao final do processo. Apesar de finalmente ter buscado apoio fora de seu partido, na esperança de formar uma coalizão com os trabalhistas centristas, ela o fez de forma hesitante, tarde demais.

"Ela perdeu a oportunidade", disse Rosa Prince, autora de uma biografia de May. "Ela não teve a flexibilidade ou a perspicácia para uma mudança de curso. Ela é como um petroleiro que leva uma eternidade para mudar de direção, e depois não consegue reajustar quando fica claro que o novo curso é fatal."

Não era assim que a história de May deveria terminar.

Logo após o referendo de 2016, ela teve apelo para muitos como uma mão segura, uma funcionária pública zelosa capaz de conduzir o país na direção de um acordo. Filha de um vigário de cidade pequena, May parecia proveniente de uma Inglaterra mais simples, à moda antiga. Uma solitária política, ela não pertencia a nenhum dos campos políticos de Westminster, de modo que dificilmente seria atraída para as conspirações e brigas nos bastidores.

Mas nos anos que se seguiram, essas virtudes provaram ser a razão de sua queda.

Desde o início da negociação, ela aceitou as garantias dos principais defensores do Brexit de que as negociações seriam fáceis e, como ferramenta de negociação, declarou estar preparada para sair sem um acordo, disse Chris Wilkins, que trabalhou para ela como redator de discursos e estrategista-chefe no primeiro ano dela no cargo.

"Toda a retórica dos defensores do Brexit e da campanha pela Saída, se você se recordar, era de como tudo seria fácil", disse Wilkins. "Foi dito a ela que não seria complicado."

Foi nessa época que ela estabeleceu uma série de "linhas vermelhas" visando tranquilizar os conservadores pró-Brexit de que estava do lado deles, algo que restringiria de forma fatal seu espaço de manobra.

Em um grande discurso político em janeiro de 2017, ela prometeu a libertação das estruturas econômicas rígidas da União Europeia e a saída do Tribunal Europeu de Justiça, assim como prometeu que, se necessário, estaria pronta para a saída em 29 de março de 2019 sem um acordo. Essa promessa, de que "nenhum acordo para o Reino Unido é melhor do que um acordo ruim para o Reino Unido", foi uma vitória para os linhas-duras pró-Brexit, transformando o pensamento deles no pensamento principal dos conservadores.

"Foi muito importante e não foi apenas um discurso. Ela repetiu isso de forma consistente", disse John Redwood, uma voz anti-Europa no Parlamento por décadas.

A fala dura de May, nos primeiros estágios da negociação, a deixou na posição de cair em desgraça junto aos defensores do Brexit dentro de seu próprio partido. No alto da retórica do referendo, eles fizeram vista grossa para um sério problema: a saída da união aduaneira europeia, que eliminou as barreiras tarifárias sobre bens, significaria a criação de uma barreira física entre a Irlanda do Norte e a Irlanda, um país membro da União Europeia.

Passaram-se quase dois anos até May tornar pública sua solução para o dilema da fronteira. A manutenção da Irlanda do Norte dentro da união aduaneira, sujeita a regulações adicionais da União Europeia, até que uma solução melhor fosse encontrada, mais provavelmente nova tecnologia ou outra forma de arranjo comercial.

Essa concessão foi atacada tanto pelos defensores do Brexit quanto por seus adversários como o pior dos dois mundos, um Reino Unido que não estaria nem totalmente dentro, nem totalmente fora, da União Europeia. Os defensores do Brexit, em particular, sentiram que May tinha abandonado seus compromissos originais e temiam que o Reino Unido ficaria preso nessa situação por anos, o obrigado a cumprir as regras europeias, mas incapaz de fechar seus próprios acordos comerciais.

May fez um apelo para que ambos os lados da disputa abandonassem suas crenças apaixonadas, polarizadas, dizendo ao Parlamento no final do ano passado que "essa discussão já se estendeu por tempo demais".

"Isso é corrosivo para nossa política", ela disse. "E a vida depende de concessões."

Mas suas reservas de confiança no Parlamento se esgotaram, e sua estratégia de pressionar os legisladores ao permitir que o tempo se esgotasse fracassou espetacularmente. O acordo de May foi derrotado por margens históricas, primeiro por 230 votos em janeiro, depois por 149 votos em meados de março, depois por 58 votos duas semanas depois.

Foi nesse estágio final, à medida que a aprovação de um acordo no Parlamento diminuía, que May passou a cortejar os votos trabalhistas considerando um Brexit mais suave.

"Já era tarde demais quando ela o fez", disse Ayesha Hazarika, que foi assessora do ex-líder trabalhista Ed Miliband. "Se deseja fazer concessões, é melhor fazê-lo cedo, quando ainda há boa vontade. Perto do fim, era mais como se ela estivesse tentando se salvar. Todos podiam ver que o poder dela estava acabando."

Ela também deixou claro, para seu partido e seu país, que não estava pronta para guiar o Reino Unido a uma saída sem acordo.

Isso ocorreu em resultado de uma série de briefings apresentados a ela, cerca de seis meses atrás, pelo secretário de Gabinete, Mark Sedwill, expondo as consequências políticas e econômicas, inclusive para o Partido Conservador, de uma saída repentina.

"Desde então, tudo passou a se concentrar na exclusão da opção da saída sem acordo", disse Wilkins. "Ela se tornou desesperada a evitá-la. Pelo bem do país, ela agora pensa que é errado fazê-lo."

Mas enquanto May lutava para aprovar seu acordo, a opinião entre os ativistas conservadores mudou silenciosamente, de ver uma saída sem acordo como uma tática de negociação a passar a vê-la como o resultado preferido, a expressão mais pura do resultado do referendo de 2016.

Boris Johnson, o favorito de muitos para suceder a May, declarou em janeiro que uma saída sem acordo "é o mais próximo do que as pessoas de fato votaram a favor". Nigel Farage, no comando do crescente partido do Brexit, lançou o slogan "Sem acordo, sem problema".

A saída dela, em consequência, empurra o país para o resultado que ela teme.

"Acho que ela mudou de ideia" sobre se poderia, em sã consciência, aceitar uma saída sem acordo, disse Bale. Mas era tarde demais.

"Acho que uma das tragédias é que ao cunhar esse slogan para estimular o entusiasmo entre suas fileiras, e para fingir para a UE que ela de fato o faria, ela tornou essa opção mais provável", ele disse. "Ao não conseguir obter o Brexit que ela queria, ela o tornou mais provável."