As mudanças climáticas estão encolhendo os animais?
A situação deles é emblemática para entender os efeitos das mudanças climáticas: as últimas décadas foram bastante difíceis para os ursos polares da Baía de Hudson Ocidental, no Canadá.
A diminuição do gelo do mar Ártico, que é crucial para os ursos caçarem, contribuiu para um declínio acentuado da população da espécie na região.
Stephanie Penk, bióloga da ONG Polar Bear International, disse à BBC News que o número de ursos caiu de 1.200 indivíduos para 800 desde os anos 1980.
Mas Penk e outros pesquisadores também observaram que a população de ursos não é a única coisa que está diminuindo: os próprios ursos também estão menores.
As fêmeas ficaram mais magras e menores, perdendo em média 65 kg de peso e 5 centímetros de comprimento entre as décadas de 1980 e 2010. E isso provavelmente está reduzindo sua capacidade de criar filhotes.
"Vimos fêmeas com menos filhotes do que antes, e esses filhotes também são menores porque a mãe não tem tanta energia para dar a eles (na forma de leite)", explica Penk.
"As taxas de reprodução já são baixas em populações saudáveis —de ursos polares, então mesmo uma pequena queda nas taxas já é algo importante."
Mas os ursos polares não são os únicos animais que estão encolhendo. Cientistas acreditam que o aumento das temperaturas no planeta está fazendo com que animais em todo o mundo diminuam de tamanho.
O fenômeno foi observado nas últimas décadas em centenas de espécies, de peixes a répteis, anfíbios, mamíferos e até insetos.
E a lista de espécies afetadas tem crescido.
Os especialistas temem que essas mudanças possam ter um impacto profundo nos ecossistemas e também afetar a humanidade.
Por que o tamanho é importante
Em suma, o tamanho do corpo é um fator chave na fertilidade, expectativa de vida e capacidade de sobreviver a eventos como a escassez de alimentos ou secas.
Os animais sempre se adaptaram às mudanças em seu ambiente, aumentando ou diminuindo de tamanho, algo que pode ser facilmente observado em fósseis, por exemplo.
Mas essas mudanças agora estão acontecendo muito rapidamente, segundo pesquisadores. Publicado em 2020, um estudo sobre uma espécie de salamandra que vive na Califórnia comprovou uma queda de 20% em sua condição corporal - uma relação de peso e comprimento - em apenas oito anos.
Esse ritmo de mudança pode afetar a capacidade dos animais de se alimentar ou se reproduzir e pode criar um efeito cascata em toda a cadeia alimentar mais ampla, especialmente se algumas criaturas forem mais afetadas do que outras.
Quais animais estão encolhendo?
Estudos científicos sobre o impacto das mudanças climáticas na vida selvagem observaram que elas podem afetar aspectos que vão desde onde certas espécies vivem até mudanças em momentos importantes na vida dos animais, como migração e nascimento.
Na última década, foram produzidas amplas pesquisas sobre o tamanho do corpo dos animais e sua possível ligação com o aumento da temperatura do planeta.
Uma revisão de vários trabalhos acadêmicos sobre o tema, publicada em 2020, analisou mais de 50 estudos sobre o assunto.
Um dos estudos mais conhecidos é a análise de mais de 70 mil pássaros mortos em colisões com janelas de vidro de Chicago, que fazem parte da coleção do Field Museum da cidade americana.
Os pesquisadores descobriram que, entre 1978 e 2016, o tamanho total de 52 espécies de pássaros diminuiu - o comprimento do osso da perna das aves, que é uma medida comum do tamanho do corpo, encolheu 2,4%.
Essa mudança coincidiu com um período de aumento das temperaturas não apenas na América, mas na Terra como um todo. A Administração Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA) afirma que a temperatura do nosso planeta aumentou 0,08º C por década desde 1880 e 0,18ºC por década desde 1981.
"Descobrimos que quase todas as espécies estavam diminuindo", disse Brian Weeks, professor-assistente na escola de meio ambiente e sustentabilidade da Universidade de Michigan e principal autor do estudo sobre as aves.
"As espécies eram bastante diversas, mas estão respondendo (ao aquecimento) de forma semelhante. Descobrir desses dados foi chocante", disse ele à BBC News.
Uma ampla gama de espécies
Evidências mais amplas de "redução" do tamanho dos animais foram fornecidas em 2012 por cientistas britânicos.
Uma equipe de pesquisadores da University of Liverpool e da Queen Mary University of London publicou uma análise de experimentos com 169 espécies de animais que vivem em terra ou na água.
A pesquisa descobriu que 90% deles atingiram a maturidade em tamanhos corporais menores quando as temperaturas eram mais altas.
"É um fenômeno generalizado", explica David Atkinson, professor de ecologia integrativa da Universidade de Liverpool e um dos co-autores do estudo.
Outra análise de oito espécies de peixes no Mar do Norte mostrou que animais de seis delas experimentaram redução de tamanho no espaço de 39 anos, conforme a temperatura da água subiu desde a década de 1970.
Peixes e outros organismos aquáticos são uma importante fonte de alimento para bilhões de pessoas em todo o mundo, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
Mas essas mudanças no tamanho do corpo em meio ao aumento das temperaturas globais poderia ser uma simples coincidência?
O professor Atkinson explica que o declínio do tamanho do corpo é o que os cientistas chamam de "terceira resposta universal" ao aquecimento global, ao lado da mudança de eventos da vida da espécie e da extensão geográfica.
"Certamente mais pesquisas precisam ser feitas para analisar os efeitos da temperatura na natureza, mas o que vimos são sinais preocupantes", disse o professor.
"Mudanças no tamanho do corpo podem afetar a sobrevivência individual e o sucesso reprodutivo, o que pode resultar em um impacto na estrutura e funcionamento dos ecossistemas."
Como nem todos os animais estão ficando menores na mesma velocidade, a mudança poderia levar a um cenário em que os predadores precisam comer mais presas para satisfazer a fome, uma situação que seria exacerbada se a taxa de fertilidade dos animais que estão diminuindo de tamanho também caísse.
Temperatura e tamanhos dos animais
As diferenças no tamanho dos animais da mesma espécie têm sido observadas há muito tempo na natureza.
No século 19, o biólogo alemão Carl Bergmann descobriu que espécies de animais de sangue quente - principalmente pássaros e mamíferos, que são capazes de produzir calor dentro do corpo - tendem a ser maiores em tamanho nas regiões mais frias do que em lugares mais quentes.
Esse padrão, embora não seja universal, é conhecido na Zoologia como regra de Bergmann. Em termos simples, indivíduos maiores são melhores em reter calor do que os menores.
Um efeito semelhante, conhecido como regra de temperatura e tamanho, foi observado em animais de sangue frio, como peixes, anfíbios e répteis.
Há outros fatores a serem levados em consideração, é claro - o tamanho do corpo de alguns animais parece ser mais sensível à vegetação e à qualidade dos alimentos do que à temperatura.
É claro que há exceções à regra geral: uma análise de 2011 de dezenas de espécies, feita por cientistas da Universidade de Cingapura e publicada na revista científica Nature Climate Change, detectou que alguns animais realmente cresceram em ambientes com temperaturas mais altas, mas quatro das cinco espécies analisadas registrou uma diminuição no tamanho.
"Muitos estudos estão corroborando essa tendência geral. À medida que mais pesquisas são publicadas dizendo a mesma coisa, precisamos entender por que essa tendência está acontecendo e o que significará para a sociedade", escreveram os autores do estudo, os professores David Bickford e Janet Sheridan.
'Encolhimento' pré-histórico
Também há boas evidências de que a temperatura influenciou o tamanho dos animais por milhões de anos.
Cerca de 56 milhões de anos atrás, as temperaturas da Terra aumentaram até 8ºC no espaço de 10 mil anos, de acordo com dados paleoclimatológicos.
Fósseis de animais como o Sifrhippus, um antigo cavalo que vivia no que hoje é a região centro-oeste dos Estados Unidos, mostram que a espécie primeiro sofreu uma redução de 30% no tamanho do corpo e depois se recuperou, crescendo 76%. Os cientistas observaram o mesmo fenômeno em outras criaturas, como crustáceos.
Resultados semelhantes foram encontrados em estudos de animais terrestres que viveram no Reino Unido nos últimos 750 mil anos, realizados pelo Museu de História Nacional do Reino Unido. Os cientistas detectaram flutuação no tamanho dos ossos do veado-vermelho.
Esse "encolhimento" foi reversível em alguns casos. Pesquisadores da Universidade do Novo México, nos Estados Unidos, estudaram pelotas fecais fossilizadas de uma espécie de roedor, o rato de cauda espessa, e encontraram um "efeito sanfona".
O tamanho do corpo dos ratos aumentou e diminuiu ao longo de 25 mil anos, em linha com os aumentos e diminuições da temperatura.
"O tamanho do corpo diminuiu durante os períodos de aquecimento climático, conforme previsto pela regra de Bergmann e pelas respostas fisiológicas ao estresse térmico", concluíram os pesquisadores.
Muitas espécies provaram ser notavelmente resistentes às mudanças climáticas no passado, mas há temores de que, em contraste com eras anteriores, as mudanças climáticas causadas pelo homem estão aquecendo a Terra a uma taxa que significaria que qualquer perda de peso corporal não será facilmente recuperada.
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