Jamil Chade

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Reportagem

França alega 'temor sanitário' e anuncia rejeição ao acordo com Mercosul

Em meio à polêmica sobre a compra de carnes por parte do Carrefour, o governo da França anuncia que não irá aceitar o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. Em audiência no Parlamento em Paris nesta terça-feira (26), o governo de Emmanuel Macron anunciou que o país irá bloquear qualquer tentativa de se fechar um entendimento e cita a questão sanitária como um dos argumentos, além da questão ambiental.

O controle de doenças e de pesticidas usados no Brasil foi amplamente criticado por diversos grupos políticos franceses. Durante o debate em Paris, deputados fizeram duros ataques contra o acordo, chamando o tratado de "funesto", "tóxico para os consumidores europeus" e inclusive fazendo referências ao "lixo" que seriam os produtos exportados pelo Mercosul.

Para negociadores do Mercosul, o que a França faz é usar esses elementos como justificativa para barreiras comerciais e um protecionismo histórico aos agricultores do país. Para membros do governo brasileiro, a postura de Paris é "cínica", já que a França é hoje o sexto maior exportador agrícola do mundo e depende da abertura de mercados.

Ainda assim, o Parlamento votará uma moção contra o tratado e deve acolher o apoio de diferentes partidos políticos. Na Polônia, outra votação no mesmo sentido foi registrada hoje.

A declaração de força do governo francês é feita no dia em que diplomatas da União Europeia e Mercosul iniciam, em Brasília, o que pode ser a rodada final de tratativas para tentar fechar um acordo comercial sem precedentes entre dois blocos.

As reuniões, segundo fontes europeias, ocorrerão em Brasília até o dia 29, ainda que membros do governo Lula tenham tentando manter sigilo. O Itamaraty se limitou a dizer que o encontro ocorre na capital federal, sem dar detalhes de datas.

Na audiência no Parlamento, Annie Genevard, ministra da Agricultura, criticou os "parceiros comerciais" que pressionam por um acordo.

"O risco é real. Da forma que está sendo negociado, o acordo não é aceitável. Vamos nos opor de forma plena", disse.

Segundo ela, a questão "não é dogmática", mas uma preocupação "sanitária". A ministra insistiu que as existência de "falhas sistêmicas" na produção agrícola do Mercosul.

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Ela citou, por exemplo, a permissão para uso de 145 pesticidas na agricultura do Mercosul que são banidos na Europa. Outra acusação seria o uso de antibiótico para a produção de carnes, principalmente no setor de aves.

Direita francesa acusa Mercosul de exportar "lixo" aos pratos dos franceses

O que o debate no Parlamento francês mostrou é a rara união entre esquerda, ecologista, extrema-direita e direita no combate ao Mercosul. "A oposição ao Mercosul tem um consenso aqui", constatou o deputado Paul Molac. "E isso não é frequente aqui", disse.

Vincent Trebuchet, do partido de direita UDR, também exigiu uma postura mais dura por parte de Macron, que estaria abrindo "mão da soberania" da França. O deputado foi outro que citou a questão sanitária. "Nossos pratos não são lixos", disse.

Segundo ele, a Comissão Europeia publicou uma auditoria em que revelaria que o Brasil seria "incapaz de garantir as normas sanitárias". O mesmo informe, segundo ele, aponta que apenas o Uruguai tem como garantir a rastreabilidade da exportação de origem da carne.

A deputada socialista Melanie Thomin alertou que o acordo é "mortífero" e que seria "tóxico para a saúde dos consumidores". "Enquanto isso, hormônios são impunemente usados no Mercosul", disse.

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A deputada Marie Pochon, do grupo ecologista, chamou a iniciativa de um "acordo dinossauro", numa alusão ao fato de que ele foi pensado há 25 anos. Para ela, se aceitar o tratado, a França estaria aceitando normas sanitárias incompletas e um desmatamento maior. A deputada ainda alertou que o acordo permitiria a entrada de "comida ruim cheia de pesticidas".

Já o deputado Antoine Vermorel acusou o Mercosul de "usar produtos cancerígenas" em suas carnes exportadas para a Europa. "Não ao Mercosul", insistiu.

A deputada Helene Laporte, do grupo de extrema direita Rassemblement National, também criticou a exportação de carne bovina do Brasil e chamou o acordo de "funesto". Segundo ela, a competitiva do país ocorreria por conta do "uso massivo de antibiótico, algo que UE proíbe desde 2006". "Na ausência de rastreabilidade, isso seria uma injúria ao nosso produtor", disse. "A forma de produção do Brasil é o modelo? Não", completou.

No debate, o deputado de extrema direita Eddy Casterman alertou que o "Mercosul pode se tornar uma triste realidade no prato dos franceses".

Citando a falta de controle sanitário e a ameaça ambiental no Brasil, Arnaud Le Gall, do movimento de esquerda La France Insoumise, alertou: "não existe um acordo bom com o Mercosul". "Não há como aceitar esse acordo", disse.

O deputado Dominique Potier, do grupo socialista, também criticou o acordo. "Todos os estudos feitos sobre os pesticidas mostram que nada é respeitado (no Mercosul)", disse. "Vamos dizer não ao Mercosul e sim à Europa", insistiu.

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O deputado Loic Kervran atacou o "laxismo" da produção brasileira e chegou a falar da "honestidade" dos pecuaristas franceses. "Esse acordo é indigno", afirmou, descrevendo a produção brasileira. "Eu prefiro o nosso modelo de produção", disse.

André Chassaigne, líder da Esquerda Democrata, usou a audiência para denunciar a Comissão Europeia de estar negociando acordos "desatualizados" e que não respeitam os "desafios do século 21". O deputado fala em "interesses egoístas" e cobra o governo Macron a vetar o tratado.

Acordo de Paris como exigência

Sophie Primas, ministra de Comércio Exterior do governo Macron, também citou a questão ambiental e alertou que seria "contraditório" e "incoerente" fechar um acordo dessa natureza com o Mercosul.

Ela condicionou um acordo às normas que estabeleçam que o Acordo Climático de Paris seja um elemento central no tratado.

A proposta da França é de que, se um país não cumprir o Acordo de Paris sobre emissões, o pacto comercial seria suspenso.

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A ministra francesa ainda questiona o que ocorreria se um desses países optassem sair do Acordo de Paris. Entre diplomatas, um dos temores é de que governos de extrema direita, como o da Argentina, possam seguir esse caminho.

Reunião decisiva em Brasília

Fontes da União Europeia confirmaram ao UOL que os encontros em Brasília a partir de hoje estão sendo tratados como "decisivos", principalmente diante de chegada da presidência de Donald Trump nos EUA em 2025. Para alguns negociadores brasileiros, o processo está "muito próximo" de uma conclusão. Entre diplomatas espanhóis, o tratado é dado como "iminente".

Quem negocia em nome da UE é a Comissão Europeia, mas uma aprovação final depende dos governos nacionais. Para os europeus, um dos possíveis cenários seria fechar o acordo até sexta-feira (29), no âmbito técnico, e permitir que um acordo seja oficialmente anunciado entre os dias 5 e 6 de dezembro, na cúpula do Mercosul.

Um abaixo-assinado com 150 mil nomes ainda será entregue pelo Greenpeace, pedindo que o Parlamento vote uma moção de censura contra a UE.

A declaração do governo ocorre num momento em que as ruas de diversos países europeus são testemunhas de protestos por parte de agricultores, diante da a perspectiva de uma abertura para os produtos agrícolas do Mercosul.

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Se confirmado, o acordo permitiria a entrada de 60 mil toneladas de carnes do Mercosul por ano na UE.

Ainda no ano passado, o presidente da França, Emmanuel Macron, alegou em encontro com Lula que um acordo poderia aprofundar a irritação dos produtores franceses e jogá-los no colo da extrema direita. Ou seja, optariam por um discurso nacionalista nas eleições de 2025. Na França, a extrema-direita tem adotado uma postura contrária ao acordo.

Enquanto isso, a diplomacia da França tenta organizar um bloco dentro da UE para tentar impedir que o acordo, mesmo assinado pela Comissão Europeia, possa ser ratificado.

O governo da Polônia, que enfrentaria a concorrência agrícola do Mercosul, anunciou na sexta-feira (22) que não topa um acordo. O primeiro-ministro francês ainda viajará para a Itália e espera fechar acordo com Giorgia Meloni no dia 5 de dezembro para criar um front contra o acordo.

Ciente de seus interesses exportadores na América do Sul, a Itália hesita entre uma postura protecionista e a ambição por não perder mercados para a China para suas máquinas, equipamentos e carros.

Alemanha, Espanha, os países escandinavos e Portugal são os principais aliados do Brasil na busca por um acordo.

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O que quer o Brasil

Nos últimos meses, o governo brasileiro obteve concessões importantes por parte dos europeus, retirando do compromisso de abertura do Mercosul setores como saúde. Isso teria um impacto em compras governamentais e forçaria o Brasil a abrir as licitações do SUS para fornecedores estrangeiros de remédios.

Mas o Brasil exige que as medidas ambientais criadas pelos europeus e que puniriam com tarifas quem desmatar sejam adiadas. O temor do Mercosul é que, após negociar um acesso a 60 mil toneladas de carnes para o mercado da UE, os europeus adotem novas tarifas em 2025, justificando o protecionismo com base em medidas de proteção ambiental.

O Brasil, portanto, quer um mecanismo que permita regular esse aumento de tarifas e compensar com elevações de barreiras também para carros e outros produtos exportados pelos europeus.

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