COP26: Há 'descompasso' entre o que Brasil promete ao mundo e o que faz em casa, diz WWF
Uma das maiores e mais reconhecidas ONGs ambientais do mundo, a WWF (World Wide Fund for Nature) avalia que os compromissos assumidos pelo Brasil durante a COP26, a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, não são suficientes para convencer o mundo de uma mudança na política ambiental do governo Jair Bolsonaro (sem partido).
Em entrevista à BBC News Brasil, a gerente de Política Global, Clima e Energia da WWF, Fernanda Carvalho, disse que há um "descompasso" entre os acordos firmados pelo governo brasileiro, após negociação comandada pelo Itamaraty, e a política que continua a ser adotada "em casa", no Brasil.
"O que o Brasil mostra aqui realmente é descompassado com o que acontece domesticamente em casa", disse Carvalho, que está acompanhando os detalhes das negociações da COP26, em Glasgow, na Escócia, pelo WWF.
"Para convencer, o governo precisa reverter a tendência de desmatamento, retomar o plano de combate ao desmatamento, prometer desmatamento zero, não só o fim do desmatamento ilegal e reabilitar o Fundo Amazônia", listou.
Itamaraty x Ministério do Meio Ambiente
Na primeira semana de negociações da cúpula do clima, o Brasil aderiu a um acordo sobre proteção florestal que prevê o fim do desmatamento até 2030. Além disso, assinou um compromisso para reduzir em 30% as emissões de metano — meta que atinge a pecuária brasileira, já que boa parte desse gás do efeito estufa é emitida pela fermentação gástrica dos bois.
Em entrevista à BBC News Brasil, o negociador-chefe do Brasil na COP26, embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, admitiu que houve mais desmatamento e emissões nos dois primeiros anos de governo Bolsonaro, e disse que a intenção era "corrigir isso".
Mas até agora nenhum integrante do governo Bolsonaro reconheceu publicamente a disparada no desmatamento nem disse que haveria uma guinada na política ambiental.
Em nota de avaliação sobre o papel brasileiro na cúpula do clima, o WWF afirmou que o Itamaraty está "tentando" limpar a imagem do Brasil, mas projetos de lei que promoveriam desmatamento continuam sendo apoiados pelo governo no Congresso Nacional.
"O governo Bolsonaro fomentou grande confusão acerca da política climática brasileira na arena doméstica, enquanto o Ministério de Relações Exteriores tenta limpar um pouco a imagem negativa criada pelo atual governo no mundo em relação à sua política ambiental e climática", diz a WWF.
Segundo Fernanda Carvalho, o discurso do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, na própria conferência do clima indica que não há mudança na política ambiental do governo Bolsonaro.
Na quarta-feira (10), em fala no plenário da cúpula do clima, Leite não reconheceu publicamente que o Brasil viveu dois anos de desmatamento recorde, só mencionou que o país tem "desafios". Além disso, declarou que "onde há muita floresta, há muita pobreza".
"O ministro dizer que onde tem floresta tem pobreza, é uma declaração que gera preocupação. É uma declaração que mostra desconhecimento do assunto. O ministro mostrar conhecimento da questão seria um primeiro passo para gerar confiança de uma mudança na política ambiental", disse a gerente de Política Global e Clima da WWF.
Zerar desmatamento x acabar com desmatamento ilegal
Fernanda Carvalho destacou ainda que o acordo florestal assinado pelo Brasil prevê acabar com o desmatamento até 2030, mas o documento oficial de compromissos que o governo apresentou à COP26 só fala em desmatamento ilegal. Para ela, incluir o termo usado no acordo florestal nas políticas nacionais é condição para mostrar que o Brasil pretende cumprir as metas.
"Tem que ter desmatamento zero, não apenas desmatamento ilegal. A gente acha que o Brasil tem condições de gerar uma economia verde, com desmatamento zero. É muito pouco o Brasil se comprometer a simplesmente cumprir o que a lei brasileira já manda", defendeu.
Segundo um estudo da WWF, 70 milhões de hectares estão "disponíveis" hoje no Brasil para desmatamento legal.
Se essas áreas forem destruídas, haverá o lançamento adicional de 5,8 bilhões de toneladas de CO2, o que colocaria em xeque a meta assumida pelo Brasil na cúpula do clima de reduzir em 50% suas emissões de gases do efeito estufa até 2030, na comparação com 2005.
A pesquisa mostra ainda que 3,25 milhões de hectares de florestas, que armazenam 152,8 milhões de toneladas de CO2, estão atualmente sob forte pressão de serem exploradas para agropecuária, por estarem próximas a estruturas de transporte e armazenamento de grãos.
Esses territórios, diz a WFF, muito possivelmente serão desmatados até 2025, se não houver um compromisso de zerar a destruição de florestas.
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