Brasil protege apenas 1,5% do seu litoral, mostra pesquisa da USP
Estima-se que 41% dos mares e oceanos do planeta se encontrem fortemente impactados pela ação humana, segundo estudos. Trata-se de um problema grave que não tem recebido a merecida atenção. Um exemplo está no ritmo de implementação da diretriz relativa à proteção marinha definida pela CDB (Convenção sobre Diversidade Biológica), da ONU (Organização das Nações Unidas).
Aprovada por 193 países mais a União Europeia durante a 10ª Conferência das Partes da CDB, realizada em Nagoya, no Japão, em outubro de 2010, essa diretriz estabeleceu que até 2020 pelo menos 10% das áreas costeiras e marinhas, especialmente aquelas importantes por sua biodiversidade, deveriam estar protegidas.
Decorrido quase um terço do prazo, porém, as chamadas Áreas de Proteção Marinha (APMs) não cobrem mais do que 1,17% da superfície dos mares e oceanos do planeta. Dos 151 países com linha de costa, apenas 12 excederam os 10%. E a maior potência do mundo, os Estados Unidos, dotada de extensos litorais tanto no Atlântico como no Pacífico, não aderiu ao protocolo.
As informações, que configuram um alerta urgente, estão em artigo assinado pelo brasileiro Antonio Carlos Marques, professor do Instituto de Biociências da USP (Universidade de São Paulo), e pelo uruguaio Alvar Carranza, pesquisador do Museu Nacional de História Natural, do Uruguai. Enviado ao Marine Pollution Bulletin, o texto em inglês foi aceito e será publicado como editorial da revista - ele está disponível online.
O artigo também destaca que, com uma das mais extensas costas do mundo - de 9.200 quilômetros, se forem consideradas as saliências e reentrâncias -, o Brasil possui apenas 1,5% de seu litoral protegido por APMs. Além disso, 9% das áreas consideradas prioritárias para conservação já foram concedidas a companhias petroleiras para exploração. As costas altamente povoadas dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro concentram a maioria das reservas de petróleo do país.
Os dados publicados são de dois projetos coordenados por Marques: um que apoia a Rede Nacional de Pesquisa em Biodiversidade Marinha (Sisbiota Mar) e outro para pesquisar fatores que geram e regulam a evolução e diversidade marinhas.
"Como um expediente para cumprir a meta, alguns governos têm criado Áreas de Proteção Marinha gigantescas, mas em torno de ilhas ou arquipélagos praticamente desabitados, muito distantes do próprio país", disse Marques.
"A maior APM do mundo, situada no arquipélago de Chagos, tem mais de meio milhão de quilômetros quadrados. É uma área enorme, que cumpre, com sobra, a meta do Reino Unido", disse sobre o arquipélago faz parte do Território Britânico do oceano Índico. "Porém a população se resume ao contingente rotativo de uma base britânica. Além disso, as características da área, situada no meio do oceano Índico, em nada correspondem à biodiversidade do Reino Unido", prosseguiu.
Embora reconheça o valor de uma APM como essa, Marques argumenta que sua criação não é necessariamente efetiva em termos de preservação ambiental. Segundo ele, cumpre-se o aspecto quantitativo, mas não o qualitativo, ou seja, não oferece proteção efetiva ao litoral do país onde está a maior parte de sua população.
"Verificamos que a população média das 10 maiores APMs do mundo, computada em raios de 10 quilômetros, é de apenas 5.038 pessoas", informou Marques. E essa média é puxada para cima por apenas duas APMs, a Reserva Marinha de Galápagos, no Equador, e o Parque Nacional da Grande Barreira de Corais, na Austrália, que têm pouco mais de 25 mil habitantes. A população total das demais APMs não chega a 4.000 indivíduos, sendo nula em três delas.
O pesquisador ressalta que essas áreas remotas são úteis, como nas APMs de Galápagos e da Barreira de Corais, pela especialidade dos ecossistemas protegidos. Mas as APMs não seriam representativas da gama de ambientes dos países.
Fracassos e sucessos
"Nossa principal intenção ao escrever o artigo foi destacar que existe uma necessidade de proteção, que pode ser parcialmente atendida pela meta de 10%, mas essa proteção tem que respeitar os ambientes reais dos países. Não basta alcançar o número sem que haja uma correspondência entre quantidade e qualidade", explica.
O pesquisador conta que um de seus objetivos com o artigo foi estabelecer contato com o editor do periódico, Charles Sheppard, da Universidade de Warwick, no Reino Unido, que é considerado uma das maiores autoridades em conservação marinha do mundo e foi um dos mentores da APM britânica do arquipélago de Chagos.
De acordo com Marques, os dados básicos e as análises gerados pelos cientistas são vitais para o melhor uso dos recursos, ao estabelecer áreas de preservação.
"É necessário entender se a área é a ideal para ser protegida do ponto de vista evolutivo, genético, biogeográfico, ecológico etc. Há exemplos de sucesso em que isso foi observado e exemplos de fracassos em que foi ignorado. O melhor cenário possível é aquele em que cientistas, técnicos e políticos participam francamente do processo", disse.
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