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Após 2 anos da aprovação, ministérios não acordam sobre Código Florestal

Adriano Lira

Do UOL, em São Paulo

19/03/2014 06h00

Em maio de 2012, a presidente Dilma Rousseff sancionou o novo Código Florestal Brasileiro, uma revisão à legislação anterior, de 1965. Mas se engana quem pensa que a assinatura de Dilma colocou fim à discussão que se arrastou por anos no Congresso e no Senado: o Código saiu do gabinete da presidente dizendo o que deveria mudar, mas não como isso deveria ocorrer. Hoje, quase dois anos após a sanção, a Casa Civil está regulamentando o Código. O problema é que, na hora de detalhar melhor a nova lei, mais discussão surgiu, e dentro do próprio governo. Enquanto representantes do governo afirmam que não há divergência, mas a "construção de um entendimento", organizações não-governamentais (ONGs) dizem que a discussão é uma medida protelatória, para adiar ao máximo a efetivação real da lei.

Na regulamentação do Código Florestal, a Casa Civil abriu espaço para que os Ministérios da Agricultura e Meio Ambiente, congressistas e ONGs opinassem sobre o detalhamento da lei. Nesse processo, participou em peso a bancada ruralista, frente parlamentar que atua em defesa dos interesses dos proprietários rurais. Os pontos com maior divergência são os critérios para o registro de propriedades no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a conversão de multas para desmatadores.
O CAR é um registro obrigatório para todos os imóveis rurais e tem o objetivo de integrar as informações das propriedades e compor uma base de dados para controle, monitoramento e combate ao desmatamento. O que está em pauta é se as propriedades devem ser registradas como um todo ou por matrícula. Uma área rural pode ser composta por mais de uma matrícula, pois um proprietário pode ter expandido seu imóvel após comprar terras de outra pessoa ou receber uma herança – nos dois casos, as novas áreas teriam uma matrícula diferente da propriedade original.
De acordo com o Ministério da Agricultura e com a bancada ruralista, o ideal é que o cadastro seja feito por matrícula. "Propriedades anexas adquiridas posteriormente têm históricos diferentes. Não tem como colocar tudo junto", afirma João Cruz, chefe da assessoria de gestão estratégica do Ministério da Agricultura. Para Alber Bourscheit, especialista em políticas públicas da organização WWF, o ideal é que a propriedade inteira tenha um único registro.
Para Bourscheit, se houver o cadastro de várias matrículas, os donos de grandes imóveis rurais terão benefícios garantidos pelo novo Código apenas aos pequenos proprietários. A lei prevê que os imóveis rurais tenham a chamada reserva legal, uma área de vegetação florestal. A reserva deve corresponder a 80% do imóvel na Amazônia, 35% no cerrado e 20% nos demais biomas do país. Se o percentual de reserva da propriedade for menor que o estipulado, a floresta deve ser recomposta.
Mas propriedades com área de até quatro módulos fiscais (uma medida expressa em hectares e que varia de acordo com cada município), e que desmataram antes de 22 de julho de 2008, não precisam recompor a reserva legal. De acordo com a legislação, essa data é o "marco zero" da preservação ambiental brasileira – o Código prevê um tratamento mais leve a quem cometeu infrações antes disso. "Com o registro de várias matrículas, o grande proprietário rural mascara o desmatamento que realizou. É inaceitável", diz o especialista do WWF.
O outro ponto ainda em discussão é o programa de conversão de multas, voltado para quem desmatou em áreas em que o corte não era proibido, mas que o fizeram sem autorização ou licença, antes de julho de 2008. O Ministério da Agricultura quer que as multas sejam transformadas em serviços de recuperação ambiental das propriedades e, em alguns casos, em uma advertência.
De acordo com Luiz Antônio Carvalho, assessor especial da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, não é possível concordar com a política de advertências. "Vamos supor que um proprietário rural prejudicou uma área de mangue. Uma simples notificação é pouco para ele", afirma.

Governo x ONGs

Para João Cruz, não é certo nem falar que há divergências entre Agricultura, Meio Ambiente, bancada ruralista e sociedade civil. "Todo mundo está trabalhando para regulamentar o Código da melhor maneira possível. Estamos, juntos, construindo um entendimento." O porta-voz do Ministério do Meio Ambiente também minimiza as discussões e defende até a bancada ruralista. "A grande maioria dos parlamentares quer acelerar a regulamentação e colocar o Código para funcionar", afirma Carvalho.
No entanto, para André Lima, consultor em políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), as discussões servem apenas para adiar a efetivação do Código. Ele justifica sua afirmação falando da participação do Ipam e de outras ONGs no processo de regulamentação. "São quase dois anos e nada foi discutido. Levou todo esse tempo para alguém sugerir advertências e cadastros por matrículas. Foram mais de 20 anos adiando a discussão do novo Código. Agora, parece que eles estão conseguindo mais uma vez."