Zona rural pode salvar o verde, mas prefeitura precisa atuar, diz vereador
O novo Plano Diretor de São Paulo, aprovado no dia 30 de junho pela Câmara Municipal, restabelece a existência de uma zona rural na cidade após 12 anos. A lei, que cria um conjunto de regras para orientar o crescimento da cidade, agora determina diretrizes para a região de preservação ambiental, onde também há plantações.
A zona rural compreende 1/4 da área total do município, com sua maior parte localizada no extremo sul da capital paulista. Para proteger a área, o novo plano estabelece regras mais restritivas de parcelamento do solo, além de criar diretrizes para que ela se desenvolva de forma sustentável, conciliando apoio à economia local e preservação do meio ambiente.
O relator do Plano Diretor na Câmara, vereador Nabil Bonduki, diz que para a zona rural sair do papel, é preciso de empenho da prefeitura. Ele diz que se o que está na lei se concretizar, São Paulo poderá reverter uma tendência das cidades brasileiras, em que o crescimento urbano avança sobre área rural, destruindo áreas importantes que servem como fonte de água e produção de alimentos. O UOL conversou com o vereador por telefone. Confira os principais trechos da entrevista.
UOL: Por que a cidade volta a ter uma zona rural, como está previsto no novo Plano Diretor?
Nabil Bonduki: Ela volta a ter uma zona rural porque ela tem hoje uma área que é de produção agrícola. É uma área também de preservação ambiental e de mananciais. Ela volta a existir porque a cidade precisa conter seu crescimento em direção à zona sul, em direção às áreas de proteção. E além disso, dentro de uma perspectiva de sustentabilidade, é importante que você possa ter zonas de produção agrícola próximas dos consumidores. Nós estamos tentando não só manter certas atividades que já existem, como a de agricultores da região. Queremos dar uma vocação para aquela região que seja compatível com a sustentabilidade.
A reportagem do UOL visitou alguns produtores rurais em Parelheiros, na zona sul de Sã Paulo. Foi observada uma carência de infraestrutura, como falta energia elétrica e maquinário. Como o Plano Diretor pode melhorar essa situação?
Essa é outra razão importante para a criação da zona rural. Em sendo zona rural, os agricultores vão poder se beneficiar dos programas federais voltados para agricultura, em especial a agricultura familiar, como o crédito rural, o apoio técnico. Mas não vai adiantar a criação da zona rural se não for houver criado também uma outra coisa que está prevista no Plano Diretor, que é o Polo de Desenvolvimento Econômico Rural Sustentável. Ele cria o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Solidário e Sustentável, cria o Plano de Desenvolvimento Rural Sustentável, estabelece um conjunto de diretrizes e ações que devem ser feitas.
Fortalecer a assistência técnica, apoiar a certificação de produtos orgânicos, estabelecer convênio com o Incra, o governo federal, implantar a Escola Técnica de Agroecologia, um entreposto de comercialização, introdução de alimentos orgânicos na alimentação escolar, o polo de turismo, além de oferta de equipamentos e serviços públicos e infraestrutura. Isso tudo é fundamental para que possa acontecer essa zona rural.
Os agricultores de Parelheiros dizem que já existem alguns mecanismos de apoio ao agricultor, mas que eles não estão funcionando a contento. Há uma ausência de atenção para este setor?
É um problema de gestão. Tenho que dizer o seguinte, se não tiver uma boa gestão, nós não vamos garantir que isso aconteça [o desenvolvimento da zona rural]. Se a prefeitura não se empenhar, o Plano Diretor vai até onde ele pode ir. É uma lei, estabelece diretrizes, cria órgãos. O Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural é uma coisa importante, pode ser um instrumento de participação da sociedade e de interlocução com o setor público. Mas não podemos esperar que o Estado ou a União serão articulados [das políticas]. A zona rural do município vai acontecer se o município articular. Aí depois os outros entes vão entrar nisso.
Qual a importância da zona rural no todo do Plano Diretor? Seria importante como é o transporte, por exemplo?
Ela é um aspecto importante da estratégia do Plano Diretor. Agora, é claro que até pelo papel que tem a questão do transporte na cidade, ele está, vamos dizer assim, em um nível de prioridade maior. Mas eu vejo o Plano Diretor como uma estratégia global, que envolve todas as áreas. Se a gente contaminar a água na cidade, se o Guarapiranga não fornecer mais a água, vamos causar problemas para todo mundo. E temos que pensar na sustentabilidade como uma ideia forte dentro do município.
Qual é a importância da produção orgânica?
Hoje, de uma maneira geral, há um movimento de alguns setores da sociedade, não dá para falar que é generalizado, em direção a uma alimentação mais saudável. E o orgânico está dentro disso. E acho que o município precisa estimular, porque uma alimentação saudável reduz os riscos de doença, e a doença é uma coisa ruim para o município. Desse ponto de vista, é muito importante que se crie condições para a agricultura orgânica prosperar.
Agora, o produto orgânico ainda é mais caro que o convencional, o que faz com que ainda seja consumida por uma camada limitada da sociedade. A produção também é muito baixa. Você não nem hoje produção orgânica suficiente para alimentar todo mundo. A certificação não é uma coisa simples de ser obtida. Mas isso não quer dizer que ela não possa gradativamente ser estimulada e incluída como uma alternativa significativa na cidade.
A produção orgânica é uma possibilidade real para a região rural da cidade. Pelo fato de os produtos serem mais caros, e por existir um mercado consumidor grande na cidade, o orgânico pode dar um retorno maior para o agricultor.E tem uma outra questão: trata-se de uma área de proteção. Obrigatoriamente precisa haver uma conversão para o orgânico, não ter agrotóxico ali é fundamental para a preservação.
Com a zona rural prevista no Plano Diretor, com incentivo ao turismo ecológico, a valorização do orgânico, São Paulo se destacaria entre outras cidades do mundo?
Não sei se em nível internacional, mas em nível nacional, com certeza se destacaria. A atividade rural é desvalorizada. As cidades se expandem sobre a zona rural. Isso gera um processo especulativo, que tem sido a história das cidades brasileiras. É como se a terra rural não valesse nada. Perdemos todo o cinturão verde em torno de São Paulo.
Cada vez mais a noção de sustentabilidade, pelo menos na Europa, coloca a questão da proximidade entre o local de produção de alimentos e a cidade. Para evitar que o alimento tenha que percorrer distâncias enormes, às vezes até atravessando continentes, para chegar no mercado consumidor.
Em geral o que tem acontecido é sempre o urbano comer o rural. São Paulo, espero, vai conseguir fazer o contrário. O rural já está na lei. Agora ele tem que virar fato. Se é um ponto forte do Plano Diretor, é um ponto forte que poderá pegar ou não pegar. Acho que aí está o nó da questão hoje. A zona rural é importante para a cidade se reconhecer. Muitas nem sabem que existem esses produtores rurais.
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