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De geleiras derretendo a tempestades, o aquecimento global já deixa marcas

Seth Borestein e Nicky Forster

Da AP

20/06/2018 04h01

Nós fomos avisados.

Em 23 de junho de 1988, em um dia abafado em Washington, James Hansen disse ao Congresso e ao mundo que o aquecimento global não estava chegando, mas já havia chegado. O testemunho do principal cientista da Nasa, disse o historiador Douglas Brinkley, da Rice University, foi “o início da era da mudança climática”.

Trinta anos depois, fica claro que Hansen e outros pessimistas estavam certos. A mudança foi tão ampla que é fácil perder de vista os efeitos grandes e pequenos, alguns óbvios, outros menos evidentes.

A Terra está visivelmente mais quente, com mais tempestades e clima mais extremo. As regiões polares perderam bilhões de toneladas de gelo; os níveis do mar aumentaram em trilhões de galões de água. Há muito mais incêndios violentos.

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Em 30 anos, o período de tempo que os cientistas do clima costumam usar em seus estudos para minimizar as variações naturais do clima, a temperatura anual do mundo aqueceu quase 0,54 grau Celsius, segundo a National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA, na sigla em inglês). E a temperatura nos Estados Unidos subiu ainda mais, quase 0,35 grau.

A mudança climática está aqui, agora e está nos atingindo de todos os lados."

Kathie Dello, cientista climática da Oregon State University

Os cientistas do clima indicam o Ártico como local em que a mudança é mais perceptível, com a dramática perda de gelo do mar, o derretimento da camada de gelo da Groenlândia, o recuo das geleiras e o derretimento do permafrost. O Ártico aqueceu duas vezes mais rápido do que o resto do mundo.

O Alasca aqueceu 1,3 grau por ano desde 1988, e 3 graus no inverno. Desde 1988, Utqiagvik, no Alasca, aqueceu mais de 3,3 graus anuais e mais de 5 graus no inverno.

“A mudança de temperatura é perceptível. Nosso terreno está descongelando”, disse Mike Aamodt, 73, ex-prefeito da cidade. Ele teve de mover suas próprias barracas pelo menos quatro vezes por causa da erosão costeira e do degelo. "Nós vivemos a mudança climática."

5.jan.10 - Fissuras em geleiras da Antártida - Ian Joughin/University of Washington/AFP - Ian Joughin/University of Washington/AFP
5.jan.10 - Fissuras em geleiras da Antártida
Imagem: Ian Joughin/University of Washington/AFP

O gelo está desaparecendo 50 anos mais rápido do que os cientistas previram, disse Michael Mann, cientista climático da Universidade Estadual da Pensilvânia.

A grande maioria das geleiras ao redor do mundo encolheu. Um satélite da Nasa calculou que as geleiras da Terra perderam 279 bilhões de toneladas de gelo, quase 67 trilhões de galões de água, de 2002 a 2017. 

Os lençóis de gelo da Groenlândia e da Antártida Ocidental também murcharam, derretendo cerca de 455 bilhões de toneladas de gelo na água, segundo o satélite da Nasa. Isso é água suficiente para cobrir o estado da Geórgia com quase 6 metros de profundidade.

E é o suficiente, juntamente com todo o restante de gelo derretido, para elevar o nível dos mares. No geral, os satélites da Nasa mostraram 75 milímetros de aumento do nível do mar nos últimos 25 anos.

Com mais de 70% da Terra coberta por oceanos, um aumento de 75 milímetros significa cerca de 7.150 km cúbicos de água extra. Isso é suficiente para cobrir os Estados Unidos com água a cerca de 9 metros de profundidade.

É uma metáfora apropriada para a mudança climática, dizem os cientistas: estamos mergulhados e aprofundando.

Nos Estados Unidos

O aquecimento não tem sido apenas global, tem sido bem local também, sentido fortemente em diversas cidades dos EUA. Em Atlantic City, no Estado de Nova Jersey, a temperatura média anual subiu cerca de 1,6 grau nos últimos 30 anos; em Yakima, Washington, o termômetro subiu um pouco mais. No meio, Des Moines, Iowa, aqueceu cerca de 1,8 grau desde 1988.

No centro-sul do Colorado, o departamento de clima da periferia de Salida reportou aquecimento de, em média, 1,27 grau desde 1988, o que torna a localidade entre as mais quentes dos Estados Unidos continental.

Quando era uma garotinha há 30 anos, a chefe de marketing Jessica Shook saia de casa de esqui, em Salida, no inverno. Fazia bastante frio e havia muita neve. Agora, ela tem de dirigir cerca de 80 quilômetros para encontrar neve que não está no topo da montanha, ela disse.

"Em janeiro, ainda dá para andar de camiseta, algo que nunca costumava acontecer quando eu era criança", disse Shook.

E também existem os incêndios florestais. O bombeiro Mike Sugaski, já veterano em Salida, considerava como grande um incêndio de 10 mil hectares. Agora, ele luta contra incêndios 10 vezes maiores.

"Você meio que fica dizendo: 'Como os incêndios podem piorar mais?' Mas eles pioram", disse Sugaski, enquanto andava de bicicleta em uma pista que servia para esqui em janeiro.

De fato, os incêndios florestais nos Estados Unidos agora consomem mais que o dobro da área cultivada há 30 anos.

As estatísticas das mudanças climáticas desde 1988 são impressionantes. A América do Norte e a Europa aqueceram cerca de 1 grau mais do que qualquer outro continente. O hemisfério norte aqueceu mais do que o sul, e a terra mais rápido que o oceano. Nos Estados Unidos, os aumentos de temperatura foram mais evidentes à noite, no verão e no outono. O calor subiu a uma taxa mais alta no norte do que no sul.

Desde 1988, os recordes diários de calor foram quebrados mais de 2,3 milhões de vezes em estações meteorológicas em todos os Estados Unidos, meio milhão de vezes a mais do que as ocasiões em que os registros frios foram quebrados.

Os incêndios florestais no Colorado, EUA, são agora dez vezes maiores - Jerry McBride/The Durango Herald/AP - Jerry McBride/The Durango Herald/AP
Os incêndios florestais no Colorado, EUA, são agora dez vezes maiores
Imagem: Jerry McBride/The Durango Herald/AP

Fugindo do frio, Doreen Pollack trocou Chicago por Phoenix há mais de duas décadas, mas nos últimos 30 anos o calor do verão aumentou quase 1,8 grau lá. Quando a energia acaba, ela conta, a situação se torna insuportável. Ela brinca: "Cuidado com o que você pede."

A AP entrevistou mais de 50 cientistas que confirmaram a profundidade e a propagação do aquecimento.

Clara Deser, chefe de análise climática do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica, disse que é imprudente dizer que todo o aquecimento é causado pelo homem, se analisados períodos de 30 anos em regiões menores do que os continentes. Seus estudos mostram que, em alguns lugares da América do Norte, a variabilidade climática natural poderia ser responsável por até a metade do aquecimento.

Mas quando se olha para o globo como um todo, especialmente desde 1970, quase todo o aquecimento é causado pelo homem".

Zeke Hausfather, do grupo independente de ciência Berkeley Earth.

Sem o dióxido de carbono extra e outros gases do efeito estufa, ele disse, a Terra estaria ligeiramente resfriando como efeito de um sol enfraquecido. Numerosos estudos científicos e relatórios do governo calculam que os gases de efeito estufa representam mais de 90% do aquecimento pós-industrial da Terra.

"Levaria séculos ou até um milênio para que esse tipo de mudança ocorresse por causas naturais. O que ocorre, nesse contexto, é um ritmo vertiginoso”, disse Kim Cobb, cientista do clima da Georgia Tech, em Atlanta.

Situações extremas de clima nos EUA, como chuvas torrenciais, secas prolongadas, ondas de calor, frio e neve, dobraram em 30 anos.

A precipitação extrema do Nordeste americano mais do que duplicou. Brockton, em Massachusetts, teve apenas um dia com pelo menos 101 milímetros de chuva de 1957 a 1988, mas uma dúzia deles nos 30 anos seguintes, de acordo com registros da NOAA. Ellicott City, em Maryland, teve sua segunda inundação em mil anos há pouco menos de dois anos.

E as chamadas tempestades de verão do Atlântico? Em média, a primeira acontece, um mês antes do que ocorria em 1988, segundo Brian McNoldy, pesquisador de furacão da Universidade de Miami.

Os 14 furacões mais caros da história americana, ajustados pela inflação, ocorreram desde 1988, refletindo tanto o crescimento do desenvolvimento costeiro quanto um período que incluiu as mais intensas tempestades do Atlântico já registradas.

“Os danos coletivos causados pelos furacões do Atlântico em 2017 foram bem mais da metade de todo o orçamento do nosso Departamento de Defesa”, disse Kerry Emanuel, do MIT.