Descobri como salvar peixes holandeses com um clique (e fiquei obcecada)
Vê um peixe? Pressione a campainha!
E foi assim, com um clique enquanto monitorava a tela do computador, a quase 10 mil quilômetros de distância, que eu ajudei um peixe a atravessar uma eclusa na cidade de Utrecht, na Holanda, rumo à reprodução.
Por lá, é durante a primavera que dezenas de peixes migram rio acima em busca de locais para se reproduzir.
Um mecanismo chamado visdeurbel (campainha de peixe, na tradução) é essencial para que o ciclo se complete —e já conta, inesperadamente, com a ajuda de pessoas do mundo todo, que "trabalham" de forma remota para apertar a campainha.
A campainha de peixes é gerida pelo município de Utrecht, o conselho central de água da Holanda e uma outra autoridade holandesa do setor. Juntas, elas são responsáveis pela gestão e qualidade da água dos canais da cidade.
Por que uma campainha?
Uma questão ambiental impede que a barragem do rio Vecht, a 40 quilômetros de Amsterdã, fique aberta durante a estação: o nível de água do rio cai em, pelo menos, um metro.
Antes de a campainha ser criada, em 2021, os peixes poderiam ter de esperar por semanas até a abertura da eclusa, correndo o risco de serem comidos por predadores, como outros peixes maiores ou pássaros.
Isso prejudicava a fauna local, já que os peixes são essenciais para a qualidade dos rios e canais da cidade por desempenharem um papel importante na manutenção da água saudável e limpa.
Como a campainha funciona?
Primeiro, é preciso entrar em um site hospedado na Holanda (https://visdeurbel.nl/en/the-fish-doorbell/). Esse site abre uma transmissão ao vivo do fundo do rio —câmeras foram instaladas debaixo da água para captar a movimentação dos peixes.
A tela mostra a data e o horário em tempo real escritos no canto superior direito. Ao lado, está um botão para clicar —essa é a campainha.
Até 950 pessoas podem acompanhar a transmissão da câmera subaquática simultaneamente. Se o número de espectadores passar disso, você é direcionado para uma live do YouTube para ser apenas um observador, sem a opção de apertar o botão.
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Quero receberA regra é uma só: avistou um peixe, pressione a campainha. O comando tira uma foto e emite um sinal a um funcionário que fica no canal. Ele verifica se a presença de peixes indicada pelos "apertadores da campainha" é real e, manualmente, gira o volante que abre a eclusa e possibilita a passagem. O processo demora 30 minutos.
Os voluntários "guardiões" de peixes, como eu, não ganham nada por isso —a não ser a satisfação de ajudar no projeto e um pouco de emoção para contornar o tédio do dia a dia.
Fluxo de peixes
Eu descobri a visdeurbel rolando o TikTok durante as minhas férias. Por mais de uma semana, visitei o site pelo menos uma vez ao dia —mesmo que por poucos minutos. No começo, fiquei decepcionada porque os peixes não apareciam.
Se a transmissão era durante o dia, apenas via uma tela amarela ou esverdeada, às vezes laranja, quase estática. Se a transmissão era durante a noite, um pouco mais de emoção: o movimento é maior. Não são exatamente os peixes, mas outros objetos —ou até as bolhas da água— que já chamam a atenção.
Apesar da minha frustração, a "ausência" dos peixes faz sentido: se o fluxo fosse grande, não justificaria a eclusa ficar fechada. Ainda assim, de acordo com os responsáveis, cerca de 50 peixes passam todos os dias pela barragem.
"Diferentes espécies de peixes migram em épocas diferentes, mas todas na primavera. Abril é o mês mais movimentado", afirmou a ecologista Anne Nijs, ao UOL. Ainda segundo ela, quando a temperatura da água aumenta, o fluxo cresce.
Finalmente, ajudei um peixe
No dia 5 de abril, já desanimada de acompanhar a live, consegui avistar um peixe às 20h49 (horário da Holanda). No vídeo, dava para perceber que era claramente o animal —na captura de tela, pareceu mais um borrão. Mas, sim, eu apertei a campainha.
O período noturno é o favorito dos bichos. Como a Holanda está cinco horas à frente do Brasil no fuso, as águas começam a registrar maior movimento a partir das 15 horas daqui —o sol se põe na cidade por volta das 20h30 nessa época do ano.
Mas, se nessa aventura, você espera dar de cara com animais estranhos do fundo das águas, como em Procurando Nemo, pode fechar a janela. A câmera está em um rio que atravessa um centro urbano, a cerca de dois metros de profundidade. Não são as profundezas do oceano.
Cheguei a ver outras movimentações no fim de semana, mas nenhuma nítida. O mais interessante foi que, no final das contas, incentivei muitas pessoas a acompanharem a transmissão, e até os mais céticos acharam graça da possibilidade de ajudar os peixes holandeses.
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