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Marçal mostra a Bolsonaro que vingança é prato que se come frio

Jair Bolsonaro e Pablo Marçal chegaram a um momento da campanha semelhante a uma conhecida cena do filme "Cães de Aluguel", de Quentin Tarantino.

É quando os antípodas vestindo o mesmo uniforme apontam as armas uns contra os outros. Em vez de a atitude produzir afastamento seguro, a carnificina é questão de tempo.

O flerte mal correspondido entre ambos parece ter azedado de vez no sábado (7), quando o candidato do PRTB à Prefeitura de São Paulo tentou pegar carona no carro de som de onde o ex-presidente proferia impropérios contra o STF, o ministro Alexandre de Moraes, Lula, o PT, a esquerda e tudo o que vem no bolo.

Pablo Marçal sabia que seria barrado e mesmo assim o fez.

Não tinha a intenção de engrossar o coro bolsonarista, mas sim de obter para as redes o recorte de um líder vitimado pelo ego de organizadores avessos ao compartilhamento dos holofotes.

Irritado, Bolsonaro disse que o ex-futuro-aliado queria fazer palanque às custas dele. E, sem poder atirar, delegou os ataques mais pesados a Silas Malafaia.

"Mentiroso" e "manipulador" foram as expressões mais leves usadas pelo pastor contra o empresário.

Marçal retrucou. Nas redes, ele atribuiu o pontapé ao pastor e disse que teria sido melhor ficar mais uns dias em El Salvador, onde tentou lacrar sobre a questão da segurança e ganhou, em vez disso, um chá de cadeira de Nayib Bukele, a versão salvadorenha de Simão Bacamarte que já encarcerou 2% da própria população —e com viés de alta.

"Eu aprendi muito lá a lidar com os criminosos", postou Marçal no Instagram.

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Mas, fora dos stories, o candidato não anda nada bem.

A resposta a Malafaia vem disfarçada de trégua a Bolsonaro. Não é. "O Davi precisa ter paciência para o reinado de Saul chegar ao fim. Enquanto ele tiver chances, eu vou apoiá-lo, porque sei que foi Deus que o levantou", disse ele ao justificar a distensão com as armas em punho.

Nas entrelinhas, o que se lê é algo como "Bolsonaro, pode esperar, a sua hora vai chegar, e eu só não digo isso com todas as letras porque ainda preciso dos votos da sua turma".

Quem explica é o teólogo e jornalista Ranieri Costa, autor do livro "Teologia Coaching": "Na Bíblia, Davi, embora tenha sido escolhido como rei de Israel, esperou com paciência o tempo de Deus para que o reinado de Saul, seu antecessor, chegasse ao fim."

Para bom entendedor, meia passagem bíblica basta.

A mensagem, direcionada a uma ala evangélica e conservadora, segundo Ranieri, até reconhece o papel de Bolsonaro, mas de forma indireta indica uma possibilidade de transição no futuro.

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A estratégia de Marçal grifo meu, tem um tanto de cálculo e outro tanto de bile.

O candidato é descrito por pessoas próximas como um bolsonarista-raiz e fã declarado de um ex-presidente que não perde a chance de gritar "sai daqui, seu doido" (quase) toda vez que se aproxima. (A exceção foi quando ganhou a medalha de imbrochável em Brasília, pouco antes da campanha).

A primeira decepção foi em 2021, quando o então presidente rechaçou um plano do estrategista digital para mudar a imagem dele na pandemia. Marçal, na época, colocou à frente do projeto o então CEO de suas empresas, Marcos Vilela, e criou um grupo de WhatsApp em que reunia, além da sua equipe, pessoas da Secretaria de Comunicação e da empresa contratada para fazer a comunicação do governo.

O plano, hoje impensável, era que Bolsonaro fosse filmado tomando a vacina em um posto de saúde, respeitando a fila de vacinação —"para dar o exemplo", segundo Villela.

Ele conta que Marçal queria ver Bolsonaro usando hashtags como #aVacinaChegou.

Sim: o candidato que admite agir como idiota para chamar a sua atenção na campanha, em algum momento da vida, já serviu como consultor de bom senso a um presidente negacionista.

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Bolsonaro não acatou a sugestão e Marçal, claro, lidou mal com a desfeita —atribuída por ele ao vereador Carlos Bolsonaro. (Contei detalhes desta história em uma coluna recente).

Mesmo assim, ele engoliu a mágoa, doou dinheiro e fez campanha para Bolsonaro em 2022. "Eles vão sentir saudades de nós", escreveu o ex-coach em uma postagem do ídolo no início da campanha de 2024. "Nós?", respondeu o ex-presidente, mostrando as solas da chuteira da gratidão.

"Nada pior do que um namoro não correspondido", ouvi dizer, no mesmo dia, uma pessoa próxima a Marçal.

A desfeita do 7 de setembro encerra uma tríade de desfeitas que agora Marçal tenta marinar no prato frio da vingança. Como?

Poupando Bolsonaro de ataques diretos enquanto se posiciona como futuro do bolsonarismo, dragando apoiadores para seu barco, como um jogo de peças.

O chilique de Malafaia é só um dos muitos ensaios de reação de quem teme dormir como Davi e acordar como Saul.

Opinião

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