Topo

Comunistas ex-PMDB criam novo partido, mas terão que disputar eleição em legendas "emprestadas"

Guilherme Balza

Do UOL Notícias <BR> Em São Paulo

23/07/2010 13h00

Após três décadas dentro do PMDB, os comunistas do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) decidiram se desligar do partido e fundar, em 21 de abril do ano passado, junto com militantes que saíram de outros siglas, uma legenda própria: o Partido Pátria Livre (PPL).

  • Reprodução

    Logo do PPL, criado em 21 de abril de 2009 por militantes do MR-8 (ex-PMDB) e de outros partidos

O MR-8 ganhou notoriedade no final da década de 60 ao combater a ditadura militar pela via armada. Com militantes como Fernando Gabeira, Carlos Lamarca, Franklin Martins e César Benjamin, o movimento defendia a revolução para derrubar o governo e instalar no Brasil um Estado socialista.

Em setembro de 1969, o grupo sequestrou o embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick para exigir a libertação de 15 prisioneiros que estavam em poder dos militares, num dos episódios mais marcantes dos anos de chumbo (veja no box abaixo a história do MR-8).

História do MR-8

O Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8) surgiu na década de 60 como uma das principais organizações de combate armado à Ditadura Militar. O nome faz referência à data em que Che Guevara foi preso na Bolívia, em 1967.

Inspirado na experiência cubana, o MR-8 defendia a revolução para derrubar o governo e instalar no Brasil um Estado socialista. Promovia assaltos a bancos, invasões a presídios e explosões de prédios estratégicos sob o argumento de "luta contra os ditadores e a burguesia".

Em setembro de 1969, o grupo protagonizou um dos episódios mais marcantes dos chamados anos de chumbo: o sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, realizado em conjunto com Ação Libertadora Nacional (ALN), de Carlos Marighella.

Os guerrilheiros urbanos raptaram o diplomata para exigir a libertação de 15 prisioneiros que estavam em poder dos militares --entre eles o ex-ministro José Dirceu-- e a publicação na imprensa de uma carta contra o regime e com críticas ao imperialismo norte-americano.

Os militares atenderam às exigências dos guerrilheiros, mas, posteriormente, iniciaram uma caçada implacável aos opositores do regime, que resultou na morte das principais lideranças dos grupos de esquerda. Duramente perseguido, o MR-8 perdeu força e quase desapareceu.

O ressurgimento veio no final da década de 1970, quando a organização decidiu ingressar no MDB (atual PMDB) com o respaldo de Orestes Quércia, principal aliado de peso do grupo dentro da sigla. Em 2009, o MR-8 decidiu sair do PMDB e fundar, em 21 de abril de 2009, junto com outros militantes não-organizados, uma nova sigla: o Partido Pátria Livre (PPL).

Diferentemente do MR-8, a principal bandeira do PPL não é a revolução socialista, e sim a independência do Brasil perante o imperialismo estrangeiro. O nome do partido foi inspirado na letra do Hino da Independência do Brasil. A data de fundação --morte de Tiradentes-- também não foi escolhida por acaso.

O programa político do PPL diz: “é necessário concentrar todas as energias para completar a grande obra da independência nacional (...) A maior parte dessa construção, que começou com Tiradentes, passou por Getúlio (Vargas) e chegou a Lula, já foi realizada. Mas a que falta deixa o país e o povo vulneráveis à espoliação externa que tolhe o nosso desenvolvimento econômico, político, social e cultural.”

O objetivo dos “patrióticos” era recolher 500 mil assinaturas, necessárias para regularizar o novo partido na Justiça Eleitoral, em tempo hábil para participar das eleições desse ano. Como a meta não foi alcançada, agora cerca de 70 militantes do PPL tentarão cargos para deputado federal e estadual utilizando siglas “emprestadas” de PT, PDT, PPS e PMDB.

Segundo Miguel Manso, presidente do PPL em São Paulo, o partido fez a chamada “coligação branca” (não-oficial) com siglas aliadas. “Escolhemos alguns companheiros nossos para nos representar em outras legendas e fizemos acordos nacionais, subordinados à vontade dos partidos, para viabilizar uma ‘coligação branca’”, diz. “Não iremos esconder isso do eleitor. Nossa marca, inclusive, estará nos materiais de campanha dos candidatos”, afirma Manso.

De acordo com ele, em São Paulo foi o PDT quem emprestou a legenda aos candidatos do PPL; no Rio de Janeiro, PDT e PMDB; no Rio Grande do Sul, o PPS; e no Distrito Federal e Ceará, o PT. Além das candidaturas legislativas, há integrantes do PPL na coordenação das campanhas de Sérgio Cabral (PMDB), Aloizio Mercadante e Tarso Genro (ambos do PT), respectivamente candidatos aos governos de SP, RJ e RS.

Questionado sobre se o partido terá outros aliados nas eleições, Manso diz que é mais fácil dizer com quem o PPL não fará aliança. “A princípio vamos procurar fazer uma política ampla (de alianças). Só não temos aliança com o PSDB e o DEM. Com os demais partidos, vamos conversar”, afirma o presidente, endossando o programa do partido, que qualifica tucanos e democratas de “viúvas do neoliberalismo”.

Manso estima que até o final do ano o partido consiga as assinaturas necessárias e a regularização na Justiça Eleitoral para disputar as eleições municipais de 2012 com uma legenda própria.

“Amizade indestrutível” com Quércia
Aliado histórico do MR-8 dentro do PMDB, o atual candidato ao Senado por SP Orestes Quércia, apelidado pelo movimento de “O Grande Timoneiro”, diz que a saída do MR-8 do partido e a consequente fundação do PPL foi motivada pela aproximação do PMDB paulista aos tucanos e a oposição ao governo federal.

“Eles (o MR-8) não tiveram alternativa. Sempre foram ligados ao Lula. Com a nossa posição em São Paulo, que foi bem firme contra o governo Lula, optaram por sair do partido. Até pensei que fossem se incorporar a outro partido”, afirmou Quércia, em entrevista ao UOL Notícias.

Miguel Manso, que ingressou no MR-8 em 1974, nega que o estopim da saída do PMDB tenha sido a aproximação do partido e de Quércia com os tucanos. “O MR-8 já havia tomado essa decisão antes de o PMDB de SP definir o apoio aos tucanos”, diz. “Não achamos que o apoio ao PSDB tenha sido a melhor opção para o PMDB, nem para o Quércia, mas temos uma amizade indestrutível com ele”, afirma.

Durante os 30 anos que permaneceram no PMDB, os militantes do MR-8 construíram um partido ao lado de tendências com projetos políticos diametralmente opostos ao que o movimento sempre pregou. Manso afirma que a escolha dessa trajetória se deu porque o MR8 via no partido um potencial para aglutinar setores progressistas.

“O PMDB tinha um leque de figuras de peso, capaz de unir outros partidos. Em 1998, o partido estava praticamente cooptado pelo PSDB. Nós (o MR-8) ajudamos a acabar com isso e construímos essa coalizão com o PT, tão importante para o Brasil. Cumprimos essa etapa. Esse processo se esgotou, e agora partimos para uma nova organização”, diz o presidente estadual.

  • Agência O Globo

    Em 1970, guerrilheiros do MR-8 e outros exilados da ditadura aguardavam o embarque para a Argélia

Benjamin e Gabeira: MR-8 dos anos 60 não existe mais
Para o cientista político César Benjamin, o MR-8 que fundou o PPL não possui ligações ideológicas com o movimento da década de 60, do qual ele fez parte. “Há uma enorme descontinuidade na história do MR-8. Houve várias situações em que a memória foi ‘zerada’”, afirma.

Benjamin, que em 2006 foi vice-candidato à Presidência na chapa encabeçada por Heloísa Helena (PSOL), diz que o MR-8 em que militou estava praticamente acabado dois anos após o sequestro do embaixador. “Em 1971, a maioria dos quadros já estava exilada no Chile. Não há uma linha de continuidade do grupo antigo com esse que atuou nas décadas de 80, 90 e agora. Não dá nem para falar que o MR-8 tenha abandonado suas bandeiras, pois trata-se de outro movimento que só tem o mesmo nome.”

  • Nytimes.com

    O então militante do MR-8 Fernando Gabeira em 1969, detido após o sequestro do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Elbrick

Fernando Gabeira, que participou do sequestro de Elbrick e depois narrou a história no livro “O que é isso, companheiro?”, vai além. “O MR-8 que eu militei acabou. O atual não conheço”, disse ao UOL Notícias.

O presidente estadual do PPL diz que uma das principais diferenças entre o movimento da década de 60 e o que formou o partido está na construção do socialismo. “O MR-8 defendia o socialismo imediato. O PPL quer lutar pela independência nacional e depois caminhar ao socialismo. Não é algo para já”, afirma.

“O PPL é o MR-8 registrado? Não. São programas diferentes, com muitas semelhanças e muita identidade, mas procuramos trabalhar com quem tem outras experiências políticas”, diz.