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A comunicação de Dilma na ONU

Reinaldo Polito

Colunista do UOL

21/09/2011 18h19

Falar na ONU é, provavelmente, o momento mais estimulante e ao mesmo tempo difícil e delicado na vida de um orador. A presidente Dilma Rousseff disse um dia antes da sua apresentação que estava com frio na barriga só de pensar em discursar nesse evento.

Só para dar ideia de como Dilma aprimorou sua comunicação ao longo do tempo, nas primeiras avaliações técnicas que fiz sobre suas apresentações, com muito boa vontade de zero a dez mereceu dois e meio. No final da campanha já havia evoluído para um sete e meio. Em certos momentos chegou a superar o Serra, mesmo seu adversário tendo a experiência que tem.

Só para justificar o fato de eu dar nota, esse talvez seja um vício muito arraigado. Avalio com notas cerca de 200 apresentações por semana. Ou seja, 800 por mês. Quase dez mil por ano. Se multiplicarmos pelos 35 anos em que faço esse trabalho dar notas para apresentações é quase automático.

O treino da campanha e os meses em que está à frente do governo deram à presidente um bom traquejo de tribuna. Convenhamos, entretanto, que falar num evento da magnitude da Assembleia Geral da ONU é um desafio que ela ainda não havia experimentado. Por isso, fiquei de olho não apenas no que ela disse, mas também em como se expressou.

Já vou adiantar minha nota e depois explicar as razões. Para o conteúdo dei nove. Foi um discurso quase perfeito na estrutura organizacional e nos pontos abordados na mensagem. Para o seu desempenho dei sete. No conjunto, portanto, o Brasil sai desse evento com oito. Ou seja, muito bem aprovado.

Dilma chegou à tribuna visivelmente tensa --o que era de se esperar. Contornou bem o nervosismo inicial na forma como fez o vocativo. Cumprimentou sem pressa as autoridades. E como devia ter treinado bem esse momento, pronunciou com firmeza o nome de todos e teve tempo para respirar.

Poucos oradores têm a felicidade de fazer uma introdução tão apropriada quanto a feita pela presidente. Logo nas primeiras frases conseguiu arrancar aplausos entusiasmados da plateia.  Ela se aproveitou do fato de ser a primeira mulher a falar na inauguração do evento e louvou as mulheres:

“Pela primeira vez na história das Nações Unidas uma voz feminina inaugura o debate geral”. Os aplausos foram tão intensos que até ela pareceu se surpreender com a reação do público. E o melhor da história foi que em vários momentos do discurso ela voltou a falar da mulher.

Não foi, portanto, apenas um comentário vazio, a introdução guardou perfeita interdependência com o conteúdo apresentado. E como veremos mais a frente, fechou a apresentação de maneira magistral, falando mais uma vez da mulher. Dessa vez defendendo com veemência e autoridade as mulheres mais oprimidas.

Durante as gravações dos programas políticos na campanha eleitoral Dilma deu um show de comunicação fazendo uso perfeito do teleprompter. O semblante arejado, o contato visual eficiente, as pausas devidamente aproveitadas. Entre outros motivos esse seu desempenho deve ter ajudado muito a conquistar a vitória.

Nesse discurso na ONU não foi tão feliz. Demonstrou de maneira clara que estava se valendo do aparelho para fazer a leitura. No início tentou disfarçar alternando a leitura do texto impresso no papel e no texto projetado no teleprompter.

Depois das primeiras tentativas, como não se sentiu à vontade, desistiu e só olhou para o teleprompter, perdendo totalmente o contato visual com o público. Como ficou preocupada em não perder a linha da leitura manteve o semblante carregado praticamente o tempo todo. Apenas três vezes conseguiu olhar rapidamente para o público.

Dei sete no desempenho porque comparei a presidente com ela mesma. Ela pode produzir muito mais do que produziu. Sem dúvida. Já demonstrou essa competência em outras oportunidades. Se, entretanto, fosse compará-la com Barak Obama, um dos mais competentes oradores da história, poderia melhorar bem a nota da presidente.

O presidente americano também se valeu do teleprompter. Embora tenha disfarçado um pouco melhor alternando o uso do aparelho com a leitura do texto no papel, seu desempenho também não foi dos melhores. Ele conseguiu resultado infinitamente mais eficiente quando esteve discursando no Brasil.

Ora, se ele que é tão craque para falar em público não foi tão bem, até que a nota de Dilma poderia ser mais alta. Bem, aí a média geral do conteúdo e do desempenho da nossa presidente melhoraria muito. Como nota também é questão de critério pessoal, cada um pode fazer sua própria avaliação, e, provavelmente, discordar dessa que estou fazendo.

A conclusão do discurso foi o momento mais elevado da apresentação da presidente. Fechou com chave-de-ouro. Tenho certeza de que o final do seu discurso será reproduzido em todos os cantos do mundo. Uma obra prima. Mais uma vez falando da mulher, Dilma se valeu de uma figura de linguagem muito apropriada, a anáfora.

Fez uma sequência de frases iniciando sempre com a mesma palavra (aquela). E a cada repetição elevando o volume da voz. O resultado não poderia ser outro que não o aplauso caloroso e prolongado do público. Ela se incluiu na mensagem, dando mais respaldo e autoridade às suas palavras:

“Além do meu querido Brasil, sinto-me, aqui, representando todas as mulheres do mundo. As mulheres anônimas, aquelas que passam fome e não podem dar de comer aos seus filhos; aquelas que padecem de doenças e não podem se tratar; aquelas que sofrem violência e são discriminadas no emprego, na sociedade e na vida familiar; aquelas cujo trabalho no lar cria as gerações futuras.”

“Junto minha voz às vozes das mulheres que ousaram lutar, que ousaram participar da vida política e da vida profissional, e conquistaram o espaço de poder que me permite estar aqui hoje.

Como mulher que sofreu tortura no cárcere, sei como são importantes os valores da democracia, da justiça, dos direitos humanos e da liberdade”.

*Reinaldo Polito é mestre em Ciências da Comunicação, palestrante e professor de oratória no curso de pós-graduação em Marketing Político na ECA-USP

Site: www.reinaldopolito.com.br
e-mail: polito@uol.com.br