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Após Curió e Ustra, MPF denunciará outros militares por atuação na ditadura

O coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, durante evento organizado em 2007 no Clube Militar, no Rio de Janeiro, para homenageá-lo; Ustra foi denunciado pelo MPF por crimes cometidos durante a ditadura - Ana Carolina Fernandes/Folhapress - 25.jan.2007
O coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, durante evento organizado em 2007 no Clube Militar, no Rio de Janeiro, para homenageá-lo; Ustra foi denunciado pelo MPF por crimes cometidos durante a ditadura Imagem: Ana Carolina Fernandes/Folhapress - 25.jan.2007

Guilherme Balza

Do UOL, em São Paulo

25/04/2012 06h00

Depois de denunciar criminalmente os coronéis reformados Sebastião Curió Rodrigues de Moura, em março, e Carlos Alberto Brilhante Ustra, além do delegado da Polícia Civil de São Paulo Dirceu Gravina, nessa terça-feira (24), o Ministério Público Federal (MPF) pretende oferecer, nos próximos meses, novas denúncias contra militares que teriam participado de sequestros durante a ditadura (1964-85).

Segundo a procuradoria, esse tipo de denúncia não está em desacordo com a Lei da Anistia, cuja validade foi reafirmada em julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) em 2010, uma vez que o sequestro de desaparecidos políticos, no entendimento do MPF, é um crime permanente, diferentemente do crime de homicídio, esse sim, previsto na Lei de Anistia.

Isso quer dizer que, para a procuradoria, os denunciados podem ser condenados pelos crimes, ao contrário do que ocorreria se a denúncia fosse por homicídio ou outro crime prescritivo. Entretanto, no caso de Curió, o único já julgado, a denúncia foi rejeitada pela Justiça Federal de Marabá (PA). O MPF recorreu da decisão e aguarda o julgamento do recurso.

As investigações estão sendo feitas por procuradores do Grupo de Trabalho Justiça de Transição, criado em outubro do ano passado para apurar crimes cometidos na ditadura. Fazem parte do grupo procuradores de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pará e do Distrito Federal.

Só no Estado de São Paulo há 14 processos que podem resultar em denúncias de sequestro. No Rio, os procuradores investigam vários desaparecimentos de presos que passaram pelo DOI-Codi (Destacamento de Operações Internas, órgão de repressão da ditadura militar) da capital e pela Casa de Petrópolis, centro clandestino do Exército localizado na cidade serrana.

No Rio Grande do Sul, as investigações são de desaparecimentos relacionados com a Operação Condor, implantada conjuntamente nos países do Cone Sul. Já no Pará, o MPF apura sequestros contra militantes da Guerrilha do Araguaia. Investigações também ocorrem em Santa Catarina e Sergipe. Os procuradores não sabem precisar quantas dessas investigações resultarão em denúncias.

O que impulsionou as denúncias?

De acordo com o MPF, o grande impulso para as investigações dos sequestros foi a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em dezembro de 2010, na qual o Brasil foi condenado a fazer uma investigação penal da Guerrilha do Araguaia pela “detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas”. Para a Corte, o Brasil não estava cumprindo a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos ao não investigar os crimes.

“O Brasil não pode descumprir a decisão da CIDH porque assinou a convenção e faz parte da Corte”, afirmou o procurador do MPF-SP Andrey Borges de Mendonça.

Em entrevista coletiva nessa terça-feira (24) na sede do MPF em São Paulo, os procuradores mostraram-se otimistas com a possibilidade de as denúncias serem aceitas. “Estamos tranquilos porque sabemos que nossa denúncia irá prosperar”, afirmou Ivan Marx, procurador do Rio Grande do Sul.

A avaliação do grupo é que a condenação de um militar por crime de sequestro é questão de tempo e dependerá do perfil do juiz federal que receber a denúncia. “Não acreditamos que essa decisão de primeira instância em Marabá irá se repetir. O Judiciário também terá que cumprir as determinações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e punir os que cometerem violações de direitos humanos”, disse o procurador Sergio Suiama, do MPF-SP.

STF pode decidir

As três denúncias apresentadas até então se amparam em duas decisões do STF --os julgamentos das Extradições 974 e 1150-- que versam sobre a extradição de militares para a Argentina que cometeram crimes semelhantes ao dos denunciados. Uma das decisões é posterior ao julgamento do STF sobre a Lei da Anistia.

Nos dois casos, o Supremo considerou que “os delitos de sequestro, quando os corpos não são encontrados (...), em que pese o fato do crime ter sido cometido há décadas, na verdade, está-se diante de um delito de caráter permanente, em relação ao qual não há como assentar-se a prescrição”.

O jurista e procurador do Estado de São Paulo Marcio Sotelo diz que as denúncias do MPF “estão juridicamente bem fundamentadas” e acredita que tribunais superiores e o próprio STF podem aceitá-las. “Não há nada que impeça que essa denúncia seja aceita. Ela não contraria a decisão do Supremo sobre a Lei de Anistia, que não citou a questão dos crimes permanentes”, afirma.

Já para o advogado Roberto Dias da Silva, especialista em direito constitucional, o pedido de denúncia “pode até sensibilizar juízes de primeira instância”, mas não deve ocorrer o mesmo com os ministros do STF após o julgamento sobre a Lei da Anistia, em 2010. “O ponto de vista do Supremo é que essas pessoas efetivamente morreram”, afirma. “Isso não significa que não se possa ir atrás da verdade do que aconteceu nesses episódios da ditadura. A Comissão da Verdade deve ser nomeada para esse fim.”

Para os procuradores, o surgimento de denúncias contra militares que atuaram na ditadura tem relação com mobilizações recentes da sociedade em defensa da apuração dos crimes da ditadura. “Só agora a sociedade civil vem se manifestando, inclusive por meio dos escrachos [atos para expor publicamente supostos envolvidos na ditadura]”, afirma Ivan Marx. “Isso tem a ver com o amadurecimento democrático do país”, disse o procurador.