Relator diz que revisor "ignora completamente" artigo do Código Penal ao absolver réus de lavagem de dinheiro
O relator do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, afirmou na sessão do STF (Supremo Tribunal Federal) desta quinta-feira (27) que o revisor do processo, Ricardo Lewandowski, "ignora completamente" um artigo do Código Penal ao absolver da acusação de lavagem de dinheiro varios réus condenados por corrupção passiva.
"Sua excelência ignora completamente o artigo 70 do Código Penal", disse o ministro, ao fazer uma réplica ao voto do revisor.
O artigo citado por Barbosa diz que "quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos".
Lewandowski condenou por corrupção passiva a maioria dos réus ligados a partidos da base aliada que receberam dinheiro do valerioduto --esquema ilegal de arrecadação e distribuição de dinheiro chefiado pelo publicitário Marcos Valério.
O revisor, entretanto, absolveu a maioria deles da acusação de lavagem, por considerar que o recebimento de vantagem (dinheiro) é uma consequência inerente à própria corrupção passiva, não configurando um crime autônomo de lavagem de dinheiro.
Em sua réplica apresentada hoje, Barbosa questionou o entendimento de Lewandowski, argumentando que "a lavagem de dinheiro se caracterizou no caso, (...) [por conta] dos mecanismos de lavagem disponibilizados pelo Banco Rural e o réu Marcos Valério".
Para o relator, o fato de Valério apontar como beneficiários das quantias sacadas as suas próprias empresas, dizendo que o dinheiro seria usado para pagar prestadores de serviço, caracteriza lavagem.
"O que importa é a engrenagem para tornar oculta (..), a existência de um grande esquema de corrupção", continuou o ministro. "É impossível sustentar que eles [os réus] não soubessem (...), a não ser que acreditaram piamente que Marcos Valério e o Banco Rural haviam se transformado em Papai Noel e decidido distribuir dinheiro nas praças de Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília", completou Barbosa.
Em seguida, Barbosa questionou o voto do revisor acerca do deputado federal Pedro Henry (PP-MT). Enquanto o relator o condenou por corrupção passiva, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, Lewandowski o absolveu de todos os crimes.
"É equivocada a proposta de absolver Pedro Henry por não haver prova de que ele recebeu dinheiro. (...) Ele era líder do partido e, nesta condição, fez tratativas para receber dinheiro em troca de apoio político", afirmou Barbosa.
O relator também replicou o voto de Lewandowski sobre Emerson Palmieri, ex-tesoureiro do PTB, que foi absolvido pelo revisor dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro e condenado por Barbosa pelos dois crimes.
Discussões
As divergências entre Barbosa e Lewandowski têm gerado acaloradas discussões no plenário. Ontem, em uma das sessões mais tensas até agora, a absolvição de Emerson Palmieri, ex-tesoureiro do PTB, gerou um bate-boca entre os ministros, que já haviam discutido antes do intervalo da sessão.
A última discussão durou quase dez minutos e envolveu outros ministros, como Marco Aurélio e Ayres Britto. Em ambos os casos, Barbosa iniciou o bate-boca rebatendo argumentos de Lewandowski. “Se vossa excelência não admite a controvérsia (...) deveria pedir que abolisse a figura do revisor”, rebateu Lewandowski na ocasião.
Votos dos ministros
Após o fim do voto do relator Joaquim Barbosa e do revisor Ricardo Lewandowski sobre este subitem da denúncia, que diz respeito à compra de votos da base aliada para apoiar o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006), os demais ministros da Corte começaram a votar.
Análise
- Josias de Souza: Barbosa e Lewandowski se encontram no cruzamento do espantoso com o impensável
- Janio de Freitas: Código para a impunidade
- Advogado explica diferença entre suspeita, indício e prova
- Revisor do mensalão não vê lavagem de dinheiro; entenda
- Oscar Vilhena: Processo de escolha dos ministros deve ser aperfeiçoado
O destino do delator do mensalão e atual presidente do PTB, o ex-deputado federal Roberto Jefferson, e de outros 12 réus pode ser conhecido nesta quinta.
Os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski votaram pela condenação de Jefferson em relação à acusação de corrupção passiva, mas divergiram quanto ao crime de lavagem de dinheiro: Barbosa o condenou e Lewandowski o absolveu.
Se mais quatro dos oito ministros restantes votarem pela condenação, já haveria maioria para condenar o ex-parlamentar. Os ministros não têm limite de tempo para votar.
São acusados de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha: o ex-deputado Pedro Corrêa (PP), o deputado Pedro Henry (PP), o ex-assessor João Cláudio Genú (PP), o deputado Valdemar Costa Neto (PL), e o ex-tesoureiro Jacinto Lamas (PL). Antônio Lamas, irmão de Jacinto, que responde por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, foi absolvido tanto pelo relator quanto pelo revisor do processo no STF.
Os ex-sócios da corretora Bônus-Banval (usada como intermediária no repasse do dinheiro), Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg, são acusados de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.
O delator do mensalão, Roberto Jefferson (PTB), o ex-deputado Romeu Queiroz (PTB) e Emerson Palmieri, apontado pela acusação como o tesoureiro informal do PTB, respondem por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, assim como o ex-deputado José Borba (então no PMDB) e o ex-deputado Carlos Alberto Rodrigues Pinto, que era conhecido como Bispo Rodrigues (PL).
Os ministros votarão em ordem inversa de antiguidade, da ministra Rosa Weber, a mais nova na Corte, até o ministro decano, Celso de Mello. O último a votar será o presidente do STF, ministro Ayres Britto.
Depois de concluída esta parte do julgamento, o ministro-relator dará início a outra “fatia” do item 6 da denúncia, referente aos réus acusados de corrupção ativa, que inclui os chamados núcleos político e publicitário.
No núcleo político, estão os integrantes da cúpula petista --o ex-ministro José Dirceu, o ex-deputado José Genoino (então presidente do PT) e o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares. E, do núcleo publicitário, serão julgados o publicitário Marcos Valério, seus ex-sócios, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, o advogado Rogério Tolentino, e as funcionárias da agência SMP&B, Simone Vasconcelos e Geiza Dias.
O item 6 do processo é o quarto a ser analisado pelo Supremo. Antes foram votados o item 3 (contratos das agências de Marcos Valério com o Banco do Brasil e a Câmara dos Deputados), item 5 (gestão fraudulenta do Banco Rural) e item 4 (sobre lavagem de dinheiro). Ainda devem ser analisados os itens 7 (lavagem de dinheiro por parte do PT), 8 (evasão de divisas) e 2 (formação de quadrilha).
*Com colaboração de Fernanda Calgaro, em Brasília, e Guilherme Balza, em São Paulo
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