Com voto de Ayres Britto, STF condena Cunha também por lavagem de dinheiro
Com o voto do ministro Ayres Britto nesta quinta-feira (30), presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) foi condenado pela Corte no julgamento do mensalão por lavagem de dinheiro -- ele já havia sido condenado ontem, por maioria, também por corrupção passiva e peculato (uso de cargo público para prática de desvios).
Por nove votos a dois, o réu foi condenado por corrupção passiva e peculato. Por seis votos a quatro, os ministros condenaram o deputado por lavagem de dinheiro --a ministra Rosa Weber ainda não se manifestou sobre esta acusação. Cunha, entretanto, foi absolvido da acusação de um segundo peculato, por seis votos a cinco. Por conta da condenação, o deputado desistiu da sua candidatura à Prefeitura de Osasco (Grande São Paulo).
Britto seguiu o voto do relator e também condenou os publicitários Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz (ambos ex-sócios de Valério) e Henrique Pizzolato (ex-diretor do Banco do Brasil) por peculato e corrupção (passiva para Pizzolato e ativa para os publicitiários). As condenações estão relacionadas com os contratos das empresas de Valério com o Banco do Brasil e com a Câmara dos Deputados.
João Paulo Cunha perderá o mandato de deputado? Entenda
“O conjunto probatório deste processo confirma a trama descrita na denúncia (...) como um rematado esquema de desvio de dinheiro público”, afirmou Ayres Britto. O magistrado elogiou a atuação da Procuradoria Geral da República --autora da denúncia--, que segundo ele, “conseguiu desempenhar a contento o seu ônus de provar” as acusações.
Além de Britto, votaram pela condenação de Cunha por corrupção passiva e peculato o relator Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello. Os ministros Ricardo Lewandowski (revisor) e Dias Toffoli votaram pela absolvição do deputado em todos os crimes.
Com relação à lavagem de dinheiro, Barbosa, Fux, Lúcia, Mendes, Celso de Mello e Britto votaram pela condenação.
A condenação por corrupção passiva e peculato diz respeito a desvios que teriam sido cometidos na época em que Cunha era presidente da Câmara dos Deputados, entre 2003 e 2005, durante o suposto esquema do mensalão.
“As posições funcionais de João Paulo Cunha e Henrique Pizzolato, na Câmara dos Deputados e do Banco do Brasil, foram decididamente utilizadas para beneficiar ilicitamente as empresas de Marcos Valério”, afirmou Britto.
Cunha atualmente é deputado federal e era o único dos réus candidato nas eleições deste ano.
Acusações contra Cunha
Cunha é acusado de ter recebido R$ 50 mil do grupo do publicitário Marcos Valério em troca de favorecimento à agência SMP&B em uma licitação para contratos com a Câmara.
O deputado é acusado ainda de peculato por conta da subcontratação nos contratos da empresa de Valério com a Câmara. Segundo a Procuradoria Geral da República, a agência SMP&B subcontratou (terceirizou) 99,9% dos serviços.
Cunha também é acusado de lavagem de dinheiro por ter tentado esconder o recebimento de R$ 50 mil.
A segunda acusação de peculato diz respeito à contratação da empresa IFT, do jornalista Luís Costa Pinto, para a realização de serviços de comunicação à Câmara dos Deputados. Segundo a Procuradoria, o jornalista prestava assessoria pessoal ao presidente da Câmara. Por esta acusação, Cunha foi absolvido no julgamento.
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Fala dos ministros
Durante seu voto, Cezar Peluso afirmou:"a pergunta que fica e que é o cerne desta acusação é: ‘a que se destinava este pagamento [os R$ 50 mil]?’. João Paulo alega que era por parte do PT para pesquisas eleitorais em Osasco. A alegação é absolutamente inverossímil e as razões são várias. O réu mentiu no relatório final do Conselho de Ética e não tinha por que fazê-lo se era dinheiro do seu partido".
"Por que não receber o dinheiro em uma agência na própria Câmara [a mulher de Cunha retirou o dinheiro em uma agência do Banco Rural, em Brasília]? Por que não mandou um assessor? Por que mandou a mulher?", questionou Peluso.
Já Marco Aurélio disse: "houve um pagamento que não teria uma justificativa plausível". Em seu voto, Gilmar Mendes afirmou que as provas dos autos mostram "evidência inequivocamente que o valor mencionado não teve origem no PT".
O ministro Celso de Mello, por sua vez, afirmou que "quem tem o poder e a força do Estado em suas mãos não tem o direito de exercer, em seu próprio benefício, a autoridade que lhe é conferida pelas leis da República."
Ficha Limpa e mandato
Mesmo condenado, Cunha não deve ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa neste ano, segundo entendimento do jurista Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral. Rollo afirma que o deputado está livre da Ficha Limpa nas eleições de outubro deste ano porque homologou sua candidatura em 5 de julho último, quando nenhuma condenação pesava sobre o parlamentar.
“A lei não incide nesse caso porque quando houve o registro da candidatura não havia condenação contra ele”, afirma.
A questão, no entanto, é controversa: segundo ministros do TSE (Tribunal Superior de Justiça), há interpretações jurídicas da Ficha Limpa que podem resultar na cassação da candidatura.
Se for eleito prefeito e condenado pelo Supremo, Cunha pode ter que deixar o cargo quando o processo contra ele transitar em julgado --quando não houver possibilidade de recursos. Isso porque a condenação implica a suspensão de direitos políticos. Mesmo condenado pelo mais alto tribunal do país, a defesa do deputado ainda pode recorrer apresentando embargos de declaração ou embargos infringentes.
Wálter Maierovitch, jurista e ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), afirma que, além de não ser enquadrado na Ficha Limpa, Cunha também não irá perder sua vaga na Câmara no caso de condenação no julgamento do mensalão --em seu voto, Peluso condenou Cunha a perda dos direitos políticos, entre eles o cargo na Câmara.
Embora a condenação na Justiça implique na suspensão de direitos políticos, para a perda do mandato parlamentar é necessário que os próprios deputados instaurem um processo na Câmara e decidam pela cassação, por maioria absoluta de votos, afirma Maierovitch.
“Ainda que ele venha a ser condenado, não perde o mandato. A Constituição é clara ao dizer que só se perde o mandato de deputado por decisões dos próprios deputados, por maioria absoluta, em votação secreta”, disse.
O dia a dia do julgamento
Entenda o mensalão
O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O processo tem 38 réus --um deles, contudo, foi excluído do julgamento no STF, o que fez o número cair para 37—e, entre eles, há membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil).
No total, foram denunciados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.
O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula.
O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo federal e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.
O tribunal analisa acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.
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