STF conclui segunda "fatia" do mensalão com três dirigentes do Banco Rural condenados
Com os votos dos ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ayres Britto nesta quinta-feira (6), o Supremo Tribunal Federal encerrou a análise sobre o crime de gestão fraudulenta de quatro réus ligados ao Banco Rural e concluiu a segunda "fatia" do julgamento do mensalão. O processo é composto por sete partes e será retomado na próxima segunda-feira (10) com a apresentação do voto do relator, Joaquim Barbosa, sobre as acusações de lavagem de dinheiro.
Por maioria de votos, foram condenados Vinícius Samarane, atual vice-presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, ex-presidente da instituição, e José Roberto Salgado, ex-vice-presidente operacional. A quarta acusada, a ex-vice-presidente Ayanna Tenório, foi absolvida pela Corte. A Procuradoria Geral da República acusa os quatro dirigentes por envolvimento no esquema do mensalão.
Kátia Rabello e José Salgado foram condenados por unanimidade (dez votos a zero), e Samarane, por oito votos a dois. Ayanna Tenório foi absolvida por nove votos a um -- somente o ministro-relator do processo, Joaquim Barbosa, votou pela condenação da ré.
Segundo a Procuradoria, o Banco Rural abasteceu o "valerioduto" (esquema pelo qual contas bancárias das empresas de Marcos Valério eram usadas para a distribuição do dinheiro do mensalão) por meio de empréstimos fraudulentos, nos valores de cerca de R$ 3 milhões para o PT e R$ 29 milhões para agências de Marcos Valério. O montante, segundo o procurador-geral, teria sido usado para comprar o apoio de parlamentares aliados no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Os ministros ainda podem mudar seus votos até o final do julgamento completo.
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Voto de Ayres Britto
O presidente do STF, ministro Ayres Britto, rejeitou o argumento da defesa de Kátia Rabello de que ela assumiu a presidência do banco sem ter conhecimento técnico, afirmando que ela teve bastante "desembaraço para se reunir com alto dirigente do Partido dos Trabalhadores" para tratar da liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco. Britto não citou nomes. "Kátia herdou a responsabilidade penal", afirmou Britto.
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Sobre os empréstimos concedidos pelo banco, Britto disse que eles "foram efetivamente concedidos a fundo perdido" e que "os descuidos foram em quantidades enloquecidas".
Voto de Gilmar Mendes
Em seu voto, Gilmar Mendes disse ver "uma sucessão de ações e omissões" e "um extenso rol de irregularidades na rotina do Banco Rural".
"Várias foram as irregularidades encontradas no processo. Os fatos extrapolam a margem de risco aceitável", disse. Entre as irregularidades, Mendes citou concessões temerárias de crédito, renovações e renegociações sucessivas de empréstimo e manobras contábeis e escriturais.
Voto de Marco Aurélio
O voto de Marco Aurélio seguiu o do revisor do processo, Ricardo Lewandowski, pela absolvição de Samarane e Tenório e condenação de Rabello e Salgado. "A situação dos réus se complica. Me valendo do jargão carioca, diria 'haja coração' ante o fatiamento [dos votos]!'", disse Marco Aurélio, no início de sua fala, citando o formato da apresentação dos votos dos ministros.
Sobre Tenório e Samarane, Marco Aurélio disse que a denúncia da Procuradoria não provou os crimes atribuídos a eles. "Não logrou o Ministério Público provar a culpa. Não há crime por presunção", afirmou. Já no caso de Kátia Rabello e José Salgado, Marco Aurélio disse que os dois eram dirigentes do banco à época da formalização dos empréstimos ao PT e, por isso, sabiam dos riscos dos empréstimos, "tomados sem cadastro do financiador ou do avalista". "A meu ver, há (...) a materialidade do crime de gestão fraudulenta."
Voto de Celso de Mello
Seguindo o voto da ministra Rosa Weber, o ministro Celso de Mello condenou Rabello, Salgado e Samarane por gestão fraudulenta e absolveu Tenório. Ele falou em "prática comunitária do crime" durante sua fala.
Segundo Mello, os réus formaram no Banco Rural uma espécie de quadrilha, com divisão do papel de cada um no esquema, mesmo que nem todos tenham cometido os delitos. "Não é necessário que cada um dos réus tenha praticado o ato fraudulento. O crime foi praticado em ação orquestrada, com tarefas típicas de um grupo criminoso."
Sessão de quarta
Na sessão de quarta-feira (4), os ministros Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármen Lúcia seguiram o ministro-relator Joaquim Barbosa e votaram pela condenação dos réus Kátia Rabello e José Roberto Salgado. Nesta quinta tiveram o mesmo entendimento Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ayres Britto.
Vinícius Samarane foi considerado culpado por Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ayres Britto --as exceções foram o ministro-revisor, Ricardo Lewandowski, e Marco Aurélio.
Lewandowski avaliou que, pelo fato de Samarane não ter sido gestor à época dos fatos, “ele não podia ser agente do crime de gestão fraudulenta". O ministro argumentou ainda que faltaram provas para confirmar a participação de Samarane no esquema.
Mais crimes
Os quatro dirigentes do Banco Rural também são acusados dos crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e evasão de divisas --exceto Ayanna Tenório, acusada apenas dos dois primeiros. No entanto, os votos dos ministros sobre estes crimes serão proferidos em outro momento, seguindo a versão “fatiada” do processo, definida pelo ministro-relator.
Pela ordem divulgada por Barbosa, o primeiro item votado foi o 3 (corrupção no Banco do Brasil e na Câmara dos Deputados) e agora os ministros terminaram de votar sobre o item 5 (sobre gestão fraudulenta). Em seguida, serão apreciados os itens 4 (sobre lavagem de dinheiro), 6 (referente à corrupção envolvendo partidos da base aliada do governo Lula), 7 (lavagem de dinheiro por parte do PT), 8 (evasão de divisas) e 2 (formação de quadrilha).
Veja o que disseram as defesas dos réus do Banco Rural
Outro lado
Os réus negam as acusações e afirmam que os empréstimos concedidos eram verdadeiros. A defesa diz ainda que o banco não encontrou indícios de lavagem de dinheiro nos saques efetuados pelas empresas de Marcos Valério.
O advogado de José Roberto Salgado, Márcio Thomaz Bastos, comentou no plenário do STF as condenações. “Respeito [a condenação], é claro: é a Suprema Corte falando, mas há alguns enganos. E, inclusive, ao valor desmedido que se dá à testemunha Carlos Godinho, uma testemunha comprovadamente mentirosa. Uma testemunha que falou por ressentimento”, afirmou Bastos. Godinho era superintendente da área de “compliance” (área responsável, entre outras coisas, por fazer cumprir as diretrizes legais para as atividades e corrigir irregularidades) e é considerado um dos delatores do esquema.
Ao ser questionado sobre a condenação de sua cliente, Kátia Rabello, o advogado José Carlos Dias disse estar “desapontado” com a atuação dos ministros. Segundo o defensor, os magistrados teriam cometido um erro ao imputar dois crimes (gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro) a um só ato (os empréstimos tidos como fictícios).
“Me desapontou. Eu não esperava que fosse praticado um erro judiciário, mas o juízes também erram”, afirmou. “Não é possível a condenação por lavagem de dinheiro já tendo havido por gestão fraudulenta.”
Bastos e Dias afirmaram que entrarão com o recurso de embrago declaratório depois de concluído o julgamento. Os defensores também adiantaram que devem pedir ao Supremo, na próxima semana, que disponibilize a íntegra dos votos para poderem entrar com os embargos.
A defesa de Vinícius Samarane disse ao UOL que não iria se pronunciar nesta quinta (6). Procurado por telefone pela reportagem, o advogado de Ayanna Tenório ainda não retornou o contato.
Outros réus condenados
A Suprema Corte já condenou o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva e peculato (uso de cargo público para prática de desvios).
Também foram condenados os publicitários Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz (ambos ex-sócios de Valério) e Henrique Pizzolato (ex-diretor de marketing do Banco do Brasil) por peculato e corrupção (passiva para Pizzolato e ativa para os publicitários). O ex-diretor do BB também foi condenado por lavagem de dinheiro.
As condenações estão relacionadas com os contratos das empresas de Valério com o Banco do Brasil e com a Câmara dos Deputados. A única absolvição, até o momento, foi a do ex-secretário de Comunicações do governo Lula, Luiz Gushiken, por falta de provas.
Apenas ao final do julgamento dos itens do processo os ministros irão discutir e definir as penas que deverão ser aplicadas aos réus condenados.
Entenda o dia a dia do julgamento
Entenda o mensalão
O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O processo tem 38 réus --um deles, contudo, foi excluído do julgamento no STF, o que fez o número cair para 37-- e entre eles há membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil). No total, são acusados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.
O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo federal e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.
O tribunal analisa acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.
*Com colaboração de Fabrício Calado e Guilherme Balza, em São Paulo
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