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Comissão da Verdade vai investigar 'morte' de Paiva entre 20 de janeiro e 4 de fevereiro de 1971

O ex-deputado Rubens Paiva foi cassado logo após o golpe de 1964 e visto pela última vez ao ser preso em janeiro de 1971, no Rio de Janeiro - Arquivo Pessoal
O ex-deputado Rubens Paiva foi cassado logo após o golpe de 1964 e visto pela última vez ao ser preso em janeiro de 1971, no Rio de Janeiro Imagem: Arquivo Pessoal

Flávio Ilha

Do UOL, em Porto Alegre

27/11/2012 16h13

A Comissão Nacional da Verdade (CNV), que recebeu nesta terça-feira (27) os documentos do Doi-Codi que estavam sob guarda do coronel reformado Julio Miguel Molina Dias, deverá aprofundar as investigações sobre o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva entre os dias 20 de janeiro e 4 de fevereiro de 1971.

Os documentos indicam que o desfecho do caso pode ter se dado duas semanas após Paiva ter dado entrada oficialmente no centro de detenção do órgão, no Rio de Janeiro.

No dia 4 de fevereiro, de acordo com um ofício escrito a mão e assinado por um militar, os documentos do carro do ex-deputado saíram da sede do Doi-Codi e foram supostamente entregues à família de Paiva.

O engenheiro, que havia sido cassado em 1964, foi depor no órgão dirigindo seu próprio carro. Nem o automóvel nem Paiva jamais foram encontrados.

O documento, que mostra a suposta devolução do carro, é um indício de que o caso foi dado por encerrado nessa data. "É claro que é um indício importante, mas é cedo afirmar que ele pode ter sido morto entre os dias 20 de janeiro e 4 de fevereiro daquele ano. Estamos apenas iniciando a investigação com mais esse fio condutor", disse o coordenador da CNV, Cláudio Fontelles.

Objetos pessoais

O comprovante de devolução dos documentos do carro faz parte do conjunto de dados encontrados na casa de Molina, ex-diretor do Doi-Codi e que foi assassinado em 1º de novembro último em Porto Alegre.

Uma pasta contendo os ofícios foi entregue oficialmente à Comissão Estadual da Verdade. A CNV recebeu uma cópia xerografada de cada um dos cerca de 200 itens.

Entre os documentos encontrados na casa do coronel reformado estava um ofício registrando a entrada de Paiva no Doi-Codi, com uma série de objetos pessoais listados.

Não há, entre os dados, nenhum ofício que comprove a devolução dos objetos à família de Paiva. A filha do ex-deputado, Maria Beatriz Paiva Keller, que estava presente à cerimônia de entrega dos documentos no palácio Piratini, sede do governo gaúcho, disse que os filhos nunca receberam nada que fizesse referência ao pai desaparecido.

Fontelles disse que o arquivo de Molinas pode incentivar a que familiares de antigos agentes da repressão entreguem à CNV eventuais documentos sobre o período que estejam guardados privadamente.

"Não precisa dar nome, nem identificar de quem eram. Basta doar. Será de uma valia enorme para elucidar a verdade", disse. Fontelles informou que a CNV pretende digitalizar e tornar públicos os documentos de Molina, mas pediu tempo para isso. Antes, segundo ele, é preciso investigar mais para não "queimar" pistas.

Sem previsão

Por enquanto, a pasta com os documentos originais do coronel Molina ficarão no cofre da Casa Civil do governo gaúcho. Na quinta-feira (29), os integrantes da Comissão Estadual da Verdade vão começar a analisar os dados para classificar as informações.

Não há previsão de quando esses documentos serão disponibilizados para consulta pública. "Esperamos que esse acontecimento trágico [o assassinato do coronel Molina] incentive outras famílias a doar acervos desse período", disse Aramis Nassif, coordenador interino da comissão gaúcha.

Na cerimônia, o governador Tarso Genro (PT) elogiou a "postura republicana" da Polícia gaúcha ao preservar os documentos e disse que o documento comprova a entrada de Paiva nas dependências do Doi-Codi.]

Doações

"A partir dali pode ser aberta uma linha de investigação por dentro das demais documentação que existem e que podem aparecer", afirmou. Segundo ele, o arquivo é "taxativo" em "desmascarar as farsas que foram montadas sobre Paiva".

O governador afirmou também que os documentos podem ajudar a elucidar a forma de funcionamento e organização do Doi-Codi em todo o país. Tarso relatou que os arquivos de Molina mostram que o órgão recebia doações de bens materiais para executar sua tarefa, especialmente automóveis utilizados nas ações de repressão.

Tarso reforçou a hipótese de que Paiva tenha sido morto entre 20 de janeiro e 4 de fevereiro. "'É provável que durante esse período tenha mesmo acontecido alguma coisa, que ele tenha sido assassinado", disse o governador.