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Sobrevivente da Operação Condor relata um mês de cárcere e choques na PF brasileira

Flávio Ilha

Do UOL, em Porto Alegre

10/12/2012 21h04

O engenheiro argentino Carlos Alfredo Claret relatou no último domingo (9) que foi preso em 1978 pelo Exército brasileiro e mantido de forma clandestina durante 30 dias nas dependências da Polícia Federal (PF) em Porto Alegre. Claret só foi libertado graças à intervenção do Alto Comissariado para Refugiados das Nações Unidas (Acnur), que obteve asilo político para o engenheiro e sua família na Suécia.

Claret, 64, esteve em Porto Alegre como parte das comemorações do Dia Mundial dos Direitos Humanos. Segundo o Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Estado (MJDH), a ação de sequestro e prisão do então integrante da Juventude Peronista fez parte da Operação Condor, que previa a colaboração entre as forças de repressão dos países do Cone Sul.

Dois meses depois do episódio, os uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Diaz também foram sequestrados por policiais civis brasileiros em Porto Alegre.

O engenheiro e professor, que vive até hoje na Suécia, contou que foi sequestrado em Passo Fundo, cidade no norte gaúcho a 328 quilômetros de Porto Alegre, no dia 12 de setembro de 1978 depois de ter trabalhado durante um ano e três meses na indústria de máquinas agrícolas Menegaz. Levado para o 3º Esquadrão do V Regimento de Cavalaria Mecanizada da cidade, na madrugada seguinte foi transferido para a sede da Polícia Federal na capital gaúcha.

Segundo Claret, ele foi submetido a três interrogatórios e, em pelo menos uma oportunidade, a sessões de choques elétricos. Sem acusação formal, os policiais queriam constantemente saber quem eram seus contatos no Brasil e quem estava por trás de sua permanência ilegal no país – ele se manteve no Rio Grande do Sul com visto de turista, que não permite atividades profissionais.

Saiba o que foi

A Operação Condor foi uma associação entre os governos ditatoriais de países da América do Sul como Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai e Bolívia para facilitar e coordenar ações de repressão contra militantes que discordassem dos regimes militares que comandavam esses países.

A aliança político-militar vigorou entre meados da década de 1970 --o início oficial da cooperação é marcado por uma reunião realizada em novembro de 1975 em Santiago, no Chile--, até meados da década de 1980.

Com o estabelecimento da operação, seus coordenadores podiam trocar informações e monitorar suspeitos, independentemente das suas nacionalidades.

Era negado aos suspeitos, denunciados e acusados o direito de defesa, segundo os padrões atuais de direitos humanos e políticos.

Apesar de não haver estatísticas precisas sobre a quantidade de opositores dos regimes que foram perseguidos, presos, torturados e mortos, a Operação Condor é alvo de investigação por comissões da verdade e resgate da memória em muitos dos países em que vigorou.

Com informações da Agência Brasil e de agências internacionais

“Fui transportado para Porto Alegre deitado no banco traseiro de um Fusca. Durante os interrogatórios, havia muita pressão psicológica, mas quase nenhuma violência”, relatou. Os policiais, segundo ele, o obrigaram a escrever várias vezes sua trajetória no Brasil, iniciada em outubro de 1976 após o assassinato de um professor que era seu colega na Universidade de Rio Cuarto.

Durante os interrogatórios, que chegavam a durar dois dias seguidos, Claret não podia dormir e nem levantar da cadeira onde estava. Ele relatou que os policiais acionavam uma campainha toda vez que percebiam seu cansaço, além de lançaram fachos de luz para seu rosto quando caía no sono.

Em um dos interrogatórios também havia um grupo “de seis ou sete” argentinos que se dirigiram a Claret através dos agentes brasileiros. O refugiado não soube precisar se se tratavam de policiais ou militares. “Estavam em roupas civis e, pelo forte físico, acredito que fosse do Exército”, disse Claret. 

Militante diz que prisão de Claret no Brasil comprova ação entre governos no Cone Sul
Além do sequestro ter sido feito por militares brasileiros e monitorado pela PF, a colaboração entre os governos repressivos do Cone Sul, segundo o presidente do MJDH, Jair Krischke, ficou evidenciada pela forma como ele foi localizado no Brasil: Claret tentou obter um certificado de bons antecedentes no Consulado Argentino em Porto Alegre poucos dias antes de ser preso pelo exército para legalizar sua condição de imigrante no país.

“As informações dos aparatos de repressão fluíam com muita naturalidade nesse período. E no Brasil foi mais grave porque as autoridades policiais, mais experientes, deixavam poucos rastros”, avaliou Krischke. Mas, segundo ele, essa ação específica foi “espalhafatosa”, o que pode ter contribuído para o desfecho favorável.

Claret escapou de ser deportado para a Argentina, onde provavelmente entraria para as estatísticas de mortos ou desaparecidos do regime militar (1976-1993), graças à intervenção da ONU. “Foi uma combinação de fatores. A empresa onde eu trabalhava auxiliou imediatamente a minha esposa, que iniciou uma busca em Porto Alegre passa saber onde eu estava. Ao mesmo tempo, a informação de minha prisão foi denunciada pela CNBB (Comissão Nacional dos Bispos do Brasil) e motivou a intervenção internacional”, lembra.

A intervenção do Acnur se deu cerca 12 dias após o sequestro. A partir de então, o tratamento mudou e Claret não foi mais interrogado. Um documento de 28 de setembro informa à superintendência da PF no Rio Grande do Sul que um representante da Acnur “iria manter contato a respeito do cidadão argentino Carlos Alfredo Claret que poderá receber status de refugiado”. Segundo o documento, Claret estava preso para fins de “deportação”.

No dia 11 de outubro de 1978, outro documento confidencial do SNI (Serviço Nacional de Informações) reconhecia oficialmente a prisão do argentino na sede da PF em Porto Alegre. No dia 12, Claret embarcou com a família com destino ao Rio de Janeiro e, dali, para a Suécia, que aceitou seu status de refugiado.

Desde o ano passado tramita na Justiça brasileira um pedido de reparação para Claret na Comissão de Anistia do Brasil. O refugiado quer indenização pelo período que ficou sem poder trabalhar, devido ao asilo político, e pela pressão que ele e sua família sofreram de agentes militares e policiais brasileiros.

“Minha mulher e meus filhos foram expulsos do Brasil e nunca mais puderam voltar. Além disso, agentes da PF estiveram na minha casa para pressionar a que não buscassem informações sobre meu paradeiro”, justificou. O pedido ainda não foi analisado pela comissão.