Inadimplência do Rio por conta dos royalties é ação "pirotécnica", diz especialista
A suspensão de todos os pagamentos do governo do Rio de Janeiro, anunciada nesta quinta-feira (7) após a derrubada no Congresso dos vetos presidenciais à lei que redistribui os royalties do petróleo, é uma ação "pirotécnica" e "pouco efetiva", na visão do professor de finanças públicas do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais), Gilberto Braga.
No primeiro dia do ato administrativo em vigor, o governo estadual deixou de pagar R$ 82 milhões. De acordo com a Secretaria de Fazenda, a previsão para o mês de março é de R$ 470 milhões, valor que não incorpora a folha de ativos e inativos (R$ 1,7 bilhão) e as transferências para municípios (R$ 922 milhões), a serem executados normalmente.
"Essa estratégia é mais pirotécnica e pouco efetiva. Depois dessa discussão, se a suspensão for mantida, pode ser que a coisa fique feia. O governo está tentando fazer caixa nesse primeiro momento. Os valores que constam nos contratos com as empresas deixam de ser pagos, mas os funcionários terceirizados [cujos salários não são pagos diretamente pelo governo] continuam recebendo, inicialmente. Se a suspensão for confirmada de forma perene, o Estado vai ter que parar para reavaliar e refazer o seu orçamento", disse Braga.
PARA ONDE VAI O DINHEIRO?
O especialista argumenta que a decisão do governo estadual funciona como um instrumento de pressão política, uma vez que o caso será avaliado em breve pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em breve. O professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas Francisco Vignoli tem a mesma linha de raciocínio:
"Há significado político muito forte, tanto para a população do Rio como para o país. (...) Trata-se de uma forma de pressionar o Supremo para que seja tomada uma decisão rapidamente. Essa decisão é muito mais um instrumento de pressão política, pois quem votou pela derrubada dos vetos estará sendo responsável pela judicialização da política. Os deputados estão mexendo no passado, e isso é um absurdo", afirmou.
O Congresso derrubou na íntegra o veto da presidente Dilma Rousseff, que mantinha a regra de distribuição de royalties do petróleo entre os Estados produtores (Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo) e municípios para os contratos já existentes. Dessa forma, haverá perda de receitas, uma vez que a lei original aprovada no final do ano passado reduz os ganhos com royalties dos Estados e municípios produtores, nas áreas já licitadas, e eleva a fatia dos Estados e municípios não-produtores.
No STF, 26 parlamentares do Rio e do Espírito Santo tentam conseguir uma liminar para anular a sessão que aprovou a derrubada dos vetos. Eles argumentam que o Congresso deveria ter criado uma Comissão Mista para analisar o veto da presidente, que foi republicado no início dessa semana, antes de derrubá-lo. A exigência da comissão, que teria 20 dias para fazer um parecer sobre o assunto, está no regimento do Legislativo.
Na semana que vem, após a publicação da lei no Diário Oficial da União, os governos do Rio, de São Paulo e do Espírito Santo vão protocolar uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) para anular a votação que definiu a aprovação da nova partilha.
Serviços essenciais
Questionada pela reportagem do UOL se a suspensão de pagamentos poderia afetar serviços considerados essenciais (saúde, educação, entre outros), a Secretaria de Fazenda não se manifestou a respeito.
Para Gilberto Braga, embora o governo do Estado não seja responsável por áreas como a distribuição de água e esgoto e o fornecimento de energia elétrica, por exemplo, uma vez que tais áreas são administradas por empresas com autonomia financeira (Cedae e Light, respectivamente), há risco de prejuízo em relação a serviços como coleta de lixo, saúde (no caso de hospitais e unidades terceirizadas), merenda escolar, entre outros.
"Aqueles prestados efetivamente pelo Estado, que não possuem uma fonte de receita propriamente dita a não ser o repasse de verba pública, podem apresentar algum tipo de problema. Serviços que são essenciais para o dia a dia da cidade", disse.
"Se ocorrer uma paralisação sem critério, sim, há risco de que algum serviço seja prejudicado. Por esse motivo, o passo seguinte do governo do Estado [após recorrer ao Supremo Tribunal Federal, na semana que vem] é verificar quais são os serviços essenciais, ou seja, onde não haverá corte. O governo precisa ser inteligente", opinou o deputado estadual Luiz Paulo Correa da Rocha.
Risco para aposentados
A suspensão dos pagamentos fará com que o Rio de Janeiro aumente o seu fluxo de caixa a fim de que os beneficiários da previdência social do Estado não sejam prejudicados no futuro. Atualmente, parcela majoritária dos royalties que o Executivo fluminense deixará de arrecadar com a nova partilha vai para a Rioprevidência (Fundo Único de Previdência Social).
"Vamos segurar o caixa para que gente possa se reprogramar. (...) Já para 2013, a perda será de R$ 1,5 bilhão. Se esse dinheiro deixa de entrar na Rioprevidência, o governo vai ter que alocar tesouro lá. A grande questão é descobrir como não gastar, ou seja, cortar investimentos na máquina pública sem abalar os serviços essenciais, como saúde e educação", afirmou o presidente da Comissão de Trubutação da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), deputado estadual Luiz Paulo Correa da Rocha (PSDB).
Vencimentos
De acordo com a Secretaria de Fazenda, os pagamentos mensais do governo estadual têm vencimentos programados para os dias 7, 17 e 27 --o Executivo não esclareceu quais empresas e/ou setores foram afetados neste momento inicial.
"Os pagamentos que deixaram de ser efetuados ontem de despesas não obrigatórias se referem a todos os órgãos do governo", afirmou a secretaria, em nota divulgada na sexta-feira (8).
Segundo Braga, o calendário financeiro pode ser flexibilizado de forma a evitar uma "paralisia absoluta" da máquina pública em razão da inadimplência. Os prestadores de serviço devem, segundo ele, continuar trabalhando normalmente até que apareçam "dificuldades" em relação a pagamentos de salários.
Já Vignoli diz que as empresas terceirizadas teriam "musculatura financeira" para suportar a suspensão dos pagamentos por cerca de dois meses. Legalmente, os serviços só poderiam ser interrompidos após três meses de inadimplência, segundo o especialista.
"Todos esses contratos têm uma cláusula de força maior. (...) Se for confirmada, de fato, a derrubada do veto, o Estado naturalmente faria um acordo com todo mundo. Mas não está descartada a hipótese de uma enxurrada de ações judiciais, já que as prestadoras de serviço vão analisar cada contrato de maneira mais direta", afirmou Braga, explicando que o não pagamento pelos serviços representa quebra contratual, o que pode fazer com que essas empresas recorram à Justiça. "Nesses casos, há uma tolerância maior por parte das contratadas", completou.
"As empresas sabem que esse é um momento de crise. Uma crise institucional. Há provavelmente recursos para aguentar por um certo tempo. Mas se a coisa se postergar por mais de dois meses, não há como fazer frente à questão do pagamento de salários. É uma aposta que as empresas podem fazer considerando a parceria que eles têm com o poder público", disse Vignoli, que diz não acreditar que, neste primeiro momento, as prestadores de serviço considerem a possibilidade de recorrer à Justiça.
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