Dívida bilionária e fazendas ocupadas ameaçam império de deputado mais rico do Brasil
Símbolo maior do poder político e econômico dos usineiros em Alagoas, o grupo João Lyra deixou de lado a liderança agroindustrial no Estado e enfrenta uma crise sem precedentes. Com falência já decretada, mas questionada judicialmente, o grupo tem dívida bilionária, terras invadidas e enfrenta o protesto constante de funcionários com salários atrasados.
Era uma situação tão tranquila, que o grupo obteve todos os empréstimos que quis e de que necessitou junto à rede bancária nacional e internacional
Dono de cinco usinas em Alagoas e Minas Gerais, o usineiro e presidente do grupo que leva seu nome, João Lyra (PSD), foi eleito deputado federal pelos alagoanos em 2010 e chegou à Câmara, onde cumpre mandato até 2014, com o status de parlamentar mais rico do país --seu patrimônio declarado é de R$ 240 milhões.
Mas ao longo desse período, o deputado deixou o posto de líder político para encarar problemas em seu grupo. Eleito sempre com o discurso "gestor exemplar", Lyra começou a dar sinais de que o império começava a ruir em janeiro de 2010, quando o grupo conseguiu na Justiça um despacho para "recuperação judicial".
De lá para cá a situação piorou. Segundo o Tribunal de Justiça, o grupo deve pouco mais de R$ 1,2 bilhão (cinco vezes o patrimônio declarado de seu presidente) e teve falência das usinas e empresas associadas decretada, a pedido de credores, em setembro de 2012.
Ausente no Congresso
O deputado João Lyra deixou a fama de mais rico para ser conhecido como o mais faltoso da Câmara. Em 2012, compareceu a apenas 29 (32%) das 91 sessões destinadas a votação, segundo levantamento do site Congresso em Foco. Nenhum projeto foi apresentado pelo parlamentar. Sua assessoria informou que problemas no ouvido o impediram de viajar a Brasília. Lyra também enfrenta uma ação por suposto trabalho escravo em suas empresas. Ele é acusado pelo MPF (Ministério Público Federal) de "submeter à condição análoga à de escravo 56 dos 3.300 trabalhadores de uma empresa de sua propriedade que trabalhavam em lavoura de cana-de-açúcar em União dos Palmares"
A maioria das dívidas é com grandes fornecedores, que cobram pagamento judicialmente. A decisão de falência foi revertida liminarmente pelo Tribunal de Justiça, que deve julgar o caso, com seu pleno, na próxima semana, quando uma posição definitiva será tomada.
A situação recente do grupo surpreende pela posição confortável que tinha até cerca de cinco anos atrás. Seus investimentos corriam dentro de uma aparente normalidade. “Era uma situação tão tranquila, que o grupo obteve todos os empréstimos que quis e de necessitou junto à rede bancária nacional e internacional", afirmou o economista Cícero Péricles.
Para o economista, de 2009 até agora foram várias as tentativas de renegociação da dívida do grupo com credores, mas todas teriam fracassado. "As constantes renegociações e a presença desse grupo no noticiário econômico, sempre em posição desconfortável, parecem indicar que, caso não ocorra uma novidade de caráter muito surpreendente, ele terá o mesmo destino de alguns grupos do Sudeste, que sofreram processos de reestruturação, de divisão ou que fecharam definitivamente."
Débitos com funcionários
As dívidas com credores não param de crescer, novos débitos se acumulam com os cerca de 26 mil trabalhadores que atuam para o grupo. Segundo a Fetag (Federação dos Trabalhadores da Agricultura em Alagoas), a maioria absoluta dos funcionários do grupo estava, até a última terça-feira (9), sem receber salários de fevereiro.
"Os trabalhadores têm fechado rodovias e feito greve. Foram dadas férias coletivas, e alguns ajuizaram ação na Justiça. Mas sempre orientamos que não adianta, porque não há como bloquear mais nada: está tudo bloqueado. Os próprios procuradores e juízes estão superlotados com isso, e a gente está sugerindo acordo com o grupo", disse Antônio Torres Guedes, secretário da Fetag.
Quase semanalmente, funcionários de alguma das três usinas fecham uma rodovia em protesto contra salários atrasados em Alagoas. Para Torres, apesar da crise, há esperança de dias melhores. "A gente tem esperança de que melhore. Eles disseram à gente que estão vendendo uma empresa e procurando um sócio para que tudo volte à normalidade", afirmou.
Outro problema trabalhista está no complexo de comunicação que o grupo detinha em Alagoas até o final do ano passado, quando anunciou o fechamento de "O Jornal", segundo maior impresso do Estado.
Desde do fechamento, os funcionários cobram o pagamento dos salários e demais direitos trabalhistas. Sem conseguir resultado das negociações, o Sindicato dos Jornalistas de Alagoas ingressou, na semana passada, com ações na Justiça pedindo providências.
"Mesmo tendo a compreensão dos trabalhadores e facilidades para saldar o compromisso, o deputado, o grupo e sua representante não cumpriram a palavra", disse a presidente do Sindicato dos Jornalistas, Valdice Gomes, citando ainda que o grupo não repassou as contribuições sindicais, nem os descontos do Imposto de Renda à Receita Federal.
Ocupações de terra
Outro problema é de ordem fundiária. Quatro movimentos sociais (Movimento Via do Trabalho, Movimento de Luta pela Terra, Movimento Unido pela Terra e Terra Livre) invadiram nove fazendas do deputado, numa série de ocupações iniciadas no final do mês passado.
Os grupos alegam que, com a paralisação da produção de boa parte do grupo, as terras nos municípios de União dos Palmares e Branquinha estão improdutivas e devem ser desapropriadas.
Se você percorrer as terras da usina Guaxuma, 90% estão improdutivas
Segundo o representante dos movimentos, Marcos Antonio da Silva, a decisão de ocupar as fazendas veio por conta das notícias da falência do grupo. "Se você percorrer as terras da usina Guaxuma, 90% estão improdutivas. A safra desse ano deu 1/3 da do ano passado. Tendo em vista isso, os quatro movimentos, juntos, ocuparam essas fazendas improdutivas", disse.
O líder sem-terra informa que a ideia é pressionar o governo para fazer a reforma agrária nas fazendas do deputado. "Exigimos a montagem de uma força-tarefa entre governos estadual e federal para fazer um levantamento nas terras do deputado", disse Silva, citando que 500 famílias ocuparam cerca de 4.000 hectares (cada hectare equivale a 10.000 m². O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e o governo do Estado ainda não se pronunciaram sobre a questão.
Resposta
O UOL pediu, no início da semana, uma entrevista com o deputado ou mesmo resposta aos questionamentos feitos por e-mail, mas não obteve sucesso. Em uma nota curta, a assessoria do grupo João Lyra disse à reportagem que "o setor jurídico do Grupo João Lyra está buscando os meios legais para reaver as terras invadidas, já que as três unidades são produtivas." "Sobre os demais assuntos, não iremos nos pronunciar", finalizou a nota.
Segundo o site do grupo, as empresas do deputado produziam por 6,5 milhões de sacas de açúcar e 300 mil metros cúbicos de álcool (cada metro cúbico corresponde a mil litros). "O Grupo João Lyra, um dos mais tradicionais e sólidos do Norte e Nordeste do país, mantém entre suas empresas uma atuação inter-relacional amparada por modernas políticas de gestão e pelo constante investimento em avanços tecnológicos", diz o texto de apresentação do site.
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