Leia a transcrição da entrevista de Guido Mantega ao UOL e à Folha
Guido Mantega, ministro da Fazenda, participou do Poder e Política, programa do UOL e da “Folha” conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. Desta edição, também participou o jornalista Valdo Cruz. A gravação ocorreu em 14.ago.2014 no estúdio do Grupo Folha em Brasília.
Guido Mantega – 14.ago.2014
Narração de abertura [EM OFF]: Guido Mantega tem 65 anos. É ministro da Fazenda desde 2006. Foi nomeado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e mantido no cargo pela presidente Dilma Rousseff.
Mantega nasceu em Gênova, na Itália. Chegou ao Brasil com 3 anos de idade. É graduado em economia e doutor em sociologia pela USP.
Antes de assumir a Fazenda, Guido Mantega foi ministro do Planejamento e presidente do BNDES, também no governo Lula.
Filiado ao PT, o ministro trabalhou como assessor econômico nas campanhas presidenciais de Lula de 1989 a 2002.
Em março de 2014, Guido Mantega completou 8 anos na Fazenda e se tornou o ministro mais longevo da pasta no período democrático.
Folha/UOL: Olá, bem-vindo a mais um Poder e Política - Entrevista. Este programa é uma realização do jornal Folha de S. Paulo e do portal UOL. A gravação é realizada aqui no estúdio do Grupo Folha, em Brasília. Participa hoje também da entrevista o jornalista Valdo Cruz, da Folha de S. Paulo. E o entrevistado desta edição do Poder e Política é o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Folha/UOL: Olá ministro, como vai, tudo bem?
Guido Mantega: Tudo bem, prazer estar aqui no seu programa.
Ministro, o empresário Benjamin Steinbruch acaba de declarar que “só louco investe no Brasil”. Por que o empresariado ficou tão pessimista?
Se nós observarmos o volume de investimento externo que tem sido feito no Brasil, eu acho que ele está um pouco equivocado. Redondamente equivocado. Porque nós tivemos nos últimos quatro anos um alto volume de investimento, em torno de U$ 65 bilhões por ano. Este ano não está sendo diferente. Este ano investimento externo direto, portanto é investimento, não é especulação financeira, nós já chegamos a mais ou menos a U$ 30 bilhões. O fluxo financeiro, o investimento geral, no primeiro semestre [foi de] U$52 bilhões e o Brasil está entre os cinco países que mais recebe investimento. Você tem aí os Estados Unidos, é óbvio, depois você tem a China, depois você tem a Alemanha ou a Rússia, e vem o Brasil. O Brasil oscila entre o terceiro e quinto endereço nos últimos anos, eu não estou falando é este ano, é ano passado, todos os anos. Portanto, não dá para dizer que o Brasil não é interessante. O Brasil é interessante, está difícil no mundo todo hoje você ter bons investimentos porque o mundo ainda vive o final de uma crise e o Brasil é considerado um lugar privilegiado. Portanto, uma coisa é a opinião, outra coisa é a realidade. Eu prefiro olhar os dados concretos e eu vejo que há interesse. A Bolsa brasileira valorizou mais de 10% no primeiro semestre, tá certo. E uma parte disso é investidor externo que vem aqui para o Brasil.
Mas ministro, os dados que o sr. citou sobre investimento externo são reais, agora, mas porque o empresariado nacional está tão pessimista, não é somente o Benjamin Steinbruch que fez isso, outros estão nessa mesma linha, e reduziram de fato os investimentos deles? Por que esse pessimismo do empresariado nacional?
Se nós pegarmos o ano passado, porque nós já temos o dado fechado, o Brasil foi um dos países que mais teve investimento geral, aí não estou falando do externo, estou falando do investimento geral, no ano passado cresceu, se não me engano, 6%, 6%. Então foi o quarto ou quinto maior do mundo o ano passado.
E neste ano?
Então, nós tivemos um PIB de 2,5%. Então, eu diria, no mundo existe pessimismo, é verdade, você pega, por exemplo, eu estava vendo um dado da Alemanha, são sete meses consecutivos que a confiança na Alemanha cai e você não pode me dizer que a Alemanha é um país não confiável. A Alemanha é um país dinâmico, é um país que tem produtividade. No ano passado, principalmente, no final do ano passado, os emergentes, de modo geral, tiveram um pouco de mau humor porque teve aquela retirada dos estímulos do Fed que causou uma turbulência e aí causou fluxos de capitais, então a confiança caiu. Eu converso com os meus colegas, ministros dos países emergentes, e o ano passado foi difícil e tal, e esse ano em janeiro foi o auge dessa turbulência. Não sei se vocês lembram, não lembro se você foram para Davos, mas em Davos estava todo mundo dizendo “eu acho que os países emergentes agora vão ficar para trás, os avançados vão não sei o quê”, mas isto se dissipou a partir de fevereiro/março as nossas Bolsas estão subindo, os fluxos de capitais estão fortes. O real é a segunda moeda que mais se valorizou nos últimos seis meses, significa que ele está sendo cobiçado, que vem moeda para o real, tá certo. Segundo maior valorização em seis meses.
Agora, com essa taxa de juros ministro, todo mundo vem atrás com taxa de juros.
Vem atrás e coisas diferentes, taxa de juros, investimento direto não é taxa de juros, é investimento, é aposta no mercado interno, é aposta no lucro aqui dentro.
Por que nós, aqui em Brasília, sempre ouvimos que o ex-presidente Lula, que é um grande conselheiro da presidente Dilma [Rousseff], vive dizendo que ela precisa sinalizar mais mudanças na condução da economia para recuperar a credibilidade e animar o setor econômico em geral?
Eu acho o seguinte, que na época do presidente Lula, eu tive a honra de estar, de ser o ministro da Fazenda durante muitos anos, nós estávamos num fluxo de crescimento da economia mundial e o Brasil cresceu bem nessa época. Então, se nós pegarmos de 2003 a 2007, nós crescemos em média 4%, o que foi um crescimento muito bom. Se nós pegarmos o último ano do governo Lula, foi um crescimento de 7%, a economia estava bombando. Então, confiança, etc. Agora, quando nós entramos na crise, e principalmente na segunda fase da crise, que começou na segunda metade de 2011, nós tivemos uma mudança de humores. Porque você vai falar com a população da Itália, da França, etc., está todo mundo. Então, caiu um pouco a confiança porque se refere aos negócios e aí você pega, digamos, o dirigente de plantão, o ministro de plantão, paga o pato. Bom, se você tem uma crise internacional, a culpa é do ministro, a culpa é do presidente? Não é. Nós tivemos um desempenho na crise melhor que a maioria dos países de 2000, os dados que eu ia mostrar ontem no seminário que eu suspendi, era o seguinte: de 2008 a 2013, portanto, a crise quando começou e ela está terminando, o Brasil cresceu em média 3,1%. Nós fomos o sexto país que cresceu mais no G20, então não dá para dizer que nós fomos mal. Na crise, nós mantivemos o pleno emprego, o Brasil foi o país que reduziu mais o desemprego durante a crise. Pleno emprego, não têm desemprego, vai ver o que aconteceu nos outros países. Então veja, de fato, tivemos um cenário ruim para todo mundo, nós tivemos uma perda de confiança na maioria dos países, e o Brasil não foi diferente, mesmo que nós tenhamos tido um desempenho razoável.
O sr. acha que é só questão internacional, não tem uma parcela de responsabilidade do governo também? O próprio Lula, até em uma entrevista para blogueiros, como o Fernando Rodrigues disse, ele cita que o governo tem coisas a consertar. Vocês não admitem isso?
Mas é óbvio, nós temos muitas coisas a consertar no Brasil. Só que você tem que olhar o saldo, se nós consertamos uma série de coisas, e muitas coisas têm que ser consertadas.
Tipo o quê?
Por exemplo, a renda da população cresceu bastante nesse período, a renda dos mais pobres cresceu 200% nesse período de 10 anos, é espantoso. Um dos poucos países do mundo em que diminuiu a desigualdade, portanto nós avançamos, agora temos muito que avançar, porque a nossa renda per capita é U$ 11 mil, nós temos que ir para U$ 20 mil, etc. A nossa infraestrutura tem que avançar muito.
Ministro, o sr. faria algum reparo na condução da política econômica nos últimos três anos?
Nos últimos três anos? Olha, diria que pelo cenário de crise que nós vivemos e pela comparação com outros países, fomos bem. É claro que teríamos ido melhor se não tivesse a crise. O que acontece com a crise? Encolhe o mercado internacional, a nossa manufatura não tem para quem exportar. Então, você não consegue exportar, aí o empresariado entra em crise. O Benjamin [Steinbruch] é de um setor de aço. O setor de aço, existe uma capacidade excedente de aço no mundo, porque a China continuou produzindo, que é, acho que são assim, mais que um Brasil inteiro de produção de aço. Então esse setor ele sofre, mas porque sofre, digamos, no mundo todo. A China subsidia fortemente o aço, então eles vendem mais barato, então tem o problema de competição.
Teve outras épocas que teve crise econômica no mundo, até recente com o sr. mesmo, 2009/2010, o mundo caindo e o Brasil cresceu. Nós conseguimos crescer a despeito do mundo.
Pela política que nós fizemos.
E por que isso não se repete agora?
É porque em 2009... Em 2008 nós fizemos várias medidas de estímulo, fizemos uma política anticíclica, mas em 2009 nós tivemos um PIB negativo, foi pequeno, 0,6%, mas foi negativo. Agora, países tiveram PIB negativo de 6%, 7%. Por exemplo, o México teve 5%, 6% negativo e assim por diante. Porém, em 2010 houve uma recuperação da economia mundial. Então nós conseguimos, a maioria dos países, mesmo porque no G20 nós articulamos isso, houve uma recuperação. Então, durou pouco. A gente achava que ali terminava a crise, só que ela teve uma recaída, 2011/2012 teve a crise europeia. A partir daí, todos os países tiveram desaceleração. Todo mundo fala que os Estados Unidos estão muito bem, que é o país mais dinâmico. No ano passado, cresceu menos do que o Brasil, os Estados Unidos cresceram 1,9% ano passado e nós crescemos 2,5%. Aí os Estados Unidos estão indo muito bem. O que aconteceu no primeiro trimestre desse ano? Teve um PIB negativo de 2,2%, o primeiro trimestre, e nós não tivemos. Estamos crescendo abaixo do que gostaríamos, é verdade, e principalmente no primeiro semestre deste ano nós tivemos uma série de problemas que impediram um crescimento mais forte da economia.
A propósito, o PIB no segundo trimestre deve apresentar crescimento ou é esperado um resultado negativo?
É esperado uma estabilidade. Um crescimento pequeno, uma estabilidade.
Pode ser um pouco negativo?
Não sei. As previsões, em geral, erram. Nós vimos que a previsão de inflação...
O sr. já deve ter alguns números preliminares, o que dizem?
Os números em geral falam de X a Y. Ninguém se compromete com um número.
Qual é o X e qual é o Y que o sr. tenha ouvido?
É em torno de um crescimento moderado. Então primeiro semestre não teve um crescimento grande, foi um crescimento muito moderado.
Tem chances de recessão técnica esse ano, em algum momento?
No segundo trimestre nós tivemos a Copa do Mundo que nos tirou vários dias úteis. Ela foi um sucesso do ponto de vista de organização, porém do ponto de vista da produção e do comércio ela prejudicou porque nós tivemos dias úteis, muito poucos dias úteis. Combinou com um período de muito feriado, então a produção caiu, a produção industrial caiu e o comércio cresceu pouco, cresceu, mas cresceu pouco, e os serviços não sabemos porque você teve a Copa, alguns serviços aumentaram e outros diminuíram. Então, de fato, não foi um bom resultado. Agora nós temos dados de julho, eu tenho aqui dados de julho, todos positivos e altamente positivos. Então nós temos assim: produção de automóveis cresceu 10% em julho, fluxo de veículos pesados nas estradas cresceu 3,2%, venda de material de construção cresceu 22%, e assim por diante. A confiança do consumidor, eu quero dizer ao srs., está aumentando. Também nós tivemos uma política apertada, uma política financeira apertada, com pouco crédito por causa do combate a inflação. A inflação ela foi para zero em julho, portanto está controlada. Em função disso, o Banco Central começou a flexibilizar a política monetária e ele já liberou compulsório, então vai melhorar o crédito. Então, dois meses consecutivos que o consumidor aumenta a sua confiança, quer dizer, que ele vai voltar às compras. Então, o primeiro semestre foi de estabilidade, no segundo semestre nós vamos ter um cenário melhor que o primeiro semestre, mais dias úteis, mais crédito, uma inflação mais baixa, não tem a Copa.
Quanto a gente vai crescer no final do ano?
Não sei. Eu não arrisco. Só estou dizendo o seguinte, o que eu posso afirmar é que no segundo semestre vamos ter um crescimento maior que no primeiro semestre. E eu estou dando dados aqui de julho, agosto continua esta trajetória que aqui está. Então, eu diria o seguinte, vai haver uma melhoria, mas será um ano ainda de transição. Nós temos que superar essa crise da economia mundial, não depende do Brasil, depende do Brasil e depende de vários outros países. O que nós estamos fazendo aqui no Brasil é um amplo programa de investimento e infraestrutura, é o PAC mais o programa de concessões, mais na área de petróleo e gás. Então, nós estamos fazendo um grande esforço porque nós temos que aumentar a oferta de infraestrutura, este é um gargalo que nós temos no Brasil. Nos últimos 40/50 anos, se investiu muito pouco em infraestrutura e nós temos que tirar essa diferença, energia elétrica, gás e petróleo, tudo isso já está sendo feito e portanto, por exemplo, nós fizemos os leilões de concessões que nós fizemos, cinco rodovias, vai começar agora o investimento produzido por essas concessões. Estará ocorrendo, estará estimulando a economia.
Vem aí um novo plano de concessões ministro, a segunda fase de planos de concessões?
Nós estaremos, nós ainda temos do plano primeiro concessões a serem feitas. Então tem ferroviárias, tem que terminar ainda a reestruturação do setor de portos, que começou mais ainda não terminou, e lá nós teremos muitos investimentos, os aeroportos nós temos agora a fase regional, então esse é um processo contínuo e que vai numa escalada, quer dizer, nós temos que aumentar as concessões, aumentar os empreendimentos. Por quê? Porque o Brasil tem demanda para isso. Em outros países, por exemplo, a China, não adianta a China aumentar o investimento em infraestrutura. Ela está saturada, ela já tem muita ferrovia, já tem muita rodovia, entende. Nós temos uma desvantagem, mas que se transforma numa vantagem. Nós investimos pouco nos últimos 50 anos, e agora nós temos que produzir para atender a oferta de serviços que está colocada.
Mudando de assunto ministro, a economia está crescendo menos neste ano, a receita está fraca e todo mundo diz que a gente não vai conseguir cumprir a meta de 1,9% do PIB. Qual vai ser a meta deste ano?
A meta que nós estamos perseguindo é 1,9%, é igual aquela do ano passado. No ano passado, se você se lembra, diziam que nós não íamos cumprir a meta e nós cumprimos a meta de 1,9%. Mais para o final do ano teve receita extraordinária, este ano também tem receita extraordinária, tem dois Refis em curso, tem o leilão do 4G que tem que ser feito, tem 2 bilhões que virão daquela partilha da Petrobras, então no final de ano você vai ter uma concentração da arrecadação. Agora, é claro, que como a atividade cresceu menos no primeiro semestre, também a arrecadação cresceu menos, então é mais difícil. Nós estamos fazendo um grande esforço de controlar as despesas, as despesas estão crescendo menos do que elas costumam crescer, despesa de pessoal está sobre controle, despesa da Previdência está absolutamente dentro da projeção. Agora, de fato, é um ano mais difícil, mas nós estaremos nos empenhando totalmente para entregar essa meta de 1.9%.
Então, mas o sr. menciona que este é uma ano que indica ser mais difícil que o ano passado, de fato, no primeiro semestre deste ano o superávit primário não chegou a 30% do compromisso assumido. Comparando esse ano com o ano anterior, esse é mais difícil. O que leva o sr. crer que no final do ano essas reservar extraordinárias, Refis, leilão de 4G, vão compensar? Têm algum dado bem objetivo que nos permita acreditar nisso?
Veja, são projeções. Então você faz um Refis como fizemos no ano passado, nós fizemos um Refis, mas teve um leilão de Libra que dava R$ 15 bilhões, então R$ 15 bilhões era certo, porque era um número já sabido. O Refis você nunca sabe com precisão, a gente trabalha com estimativa.
Tem algum dado recente do Refis?
Então este ano a gente está pensando em receita extraordinária entre R$ 30 e R$ 35 bilhões, mais ou menos é esse o dado, e com uma recuperação da economia no segundo semestre, ou seja, um crescimento maior que trará uma arrecadação maior no segundo semestre do que no primeiro semestre.
Agora dentro da sua equipe a gente já ouve pessoas falando que realmente vai ser praticamente impossível cumprir essa meta visto que a gente está em ano eleitoral e de queda de receita. Não seria melhor para vocês falar para o mercado “este ano está mais difícil e a gente vai ter uma meta menor”?
Bom eu acho que vou contratá-lo para ir lá para ele fazer a estratégia no nosso lugar. E vocês vão perder um bom jornalista. Mas, na verdade, nós temos, mesmo sendo de fato um ano mais difícil, nós temos que trabalhar, nós temos que segurar despesa e nós temos que ir atrás desse resultado. Então, a equipe está empenhada a ir atrás desse resultado.
Inclusive, agora recentemente, saiu uma notícia que a Caixa [Econômica Federal] está tendo que bancar pagamentos do Tesouro Nacional por falta de recurso. Ou seja, o Tesouro não está repassando os recursos para a Caixa fazer pagamento e isso levou a Caixa até à AGU (Advocacia Geral da União) para resolver essa questão. Isso indica um sinal de que está realmente difícil este ano, não é não?
Isso é uma imprecisão. Na verdade, você tem repasses todo dia, na verdade, que são Bolsa Família, abono, salário desemprego, são vários repasses que você faz, você tem uma espécie de uma conta corrente, não é, às vezes você repassa menos depois, no dia seguinte, repassa mais, mas se você olhou nessas declarações, nesse momento essa conta está zerada, ou seja, tudo que a Caixa pagou ela recebeu. Agora, existem momentos que você tem uma maior e uma menor e isto é normal, e sempre foi assim. Então, é que agora você resolve olhar não vamos ver se tem alguma deficiência aqui, aí você descobre que tem uma conta corrente.
A Caixa que recorreu à AGU, não fui eu não.
Não, ela não recorreu à AGU. Ela está indagando a AGU, que é autoridade jurídica máxima, se o que ela está fazendo está correto. Sendo que se você leu, a carta que ela manda diz: “O nosso jurídico diz que nós estamos perfeitamente dentro do contrato que nós temos. Que o contrato que nós temos diz exatamente isto, que ela pode ter fluxos positivos ou negativos durante um período, depois o fluxo é zerado”. Então, a própria Caixa mandou uma carta dizendo que ela está com as contas totalmente perfeitas que ela recebeu tudo que ela pagou.
A propósito da Caixa Econômica Federal, ela é um banco público e há uma política em curso de utilizar os recursos dos bancos públicos para ajudar no saneamento de distribuidoras de energia elétrica. Por quanto tempo, ao seu juízo, vai ser necessário manter essa política?
Sei, veja bem. Não é uma política de sanear. Nós estamos vivendo uma crise em função da falta de chuva. Então, é bom que você fez essa pergunta.
Não é só a falta de chuva ministro. Falta de planejamento anterior também.
Absolutamente. Nós tivemos no setor elétrico muitos investimentos que habilitaram o setor elétrico a fazer frente a uma situação como essa. Uma das maiores secas, sei lá, de décadas, não sei quanto, parecida com a seca de 2001, a diferença é que nós investimos muito nesse período na ampliação da capacidade de geração e de transmissão, são 8 ou 10 mil quilômetros de linhas de transmissão que nós fizemos, nós fizemos muitas termoelétricas, fizemos geração eólica. Estamos com duas hidroelétricas, Santo Antônio e Jirau, que vão entrar em funcionamento daqui a pouco, nós estamos com Belo Monte. Então, você sabe que Belo Monte é a terceira maior do mundo em geração. A primeira é Itaipu, a segunda é Três Gargantas, é a terceira, então nós temos as maiores hidroelétricas do mundo e nós tivemos um problema de custo de energia, e não problema de falta de energia. Aliás, esse é um ponto que tem que ser esclarecido. Porque se fez uma campanha querendo dizer que ia faltar energia, não. Talvez gente que lembrasse de 2001, quando de fato faltou energia, não tem falta de energia, nós temos energia suficiente para gerar, o que houve é um aumento de preço pela sistemática que foi feita, você mede a hidrologia. O preço da energia é pela hidrologia. Se choveu menos o preço sobe, se choveu mais o preço cai. Então o que aconteceu, subiu o preço e a distribuidora recebe da geradora. Então a distribuidora teve uma majoração de preço, bom ela tem que repassar para alguém isso aqui. Então, o que nós fizemos, nós ajudamos a ter o empréstimo em regras de mercado, isso que é muito importante, então, foi oferecida ao setor privado e ao setor público a possibilidade de financiar um empréstimo totalmente seguro, porque tem recebíveis, a primeira tranche foi de R$ 11,2 bilhões, agora tem uma segunda tranche de R$ 3,5 bilhões e terá uma terceira de R$ 3 milhões. Então, entraram nesses empréstimos os bancos privados, são 10 bancos privados que entraram, tá certo, e mais os bancos públicos. Você quer saber? O BNDS quis entrar nessa transação porque é um empreendimento...
Os bancos públicos têm a metade dessa operação toda.
Você não está dando, não tem subsídio. Não tem subsídio, é a valor de mercado e os bancos que entraram terão uma rentabilidade boa, razoável. Então, o banco público entrou porque ele quis e os bancos privados entraram, se eles entraram mostra que é uma atuação de mercado, regras de mercado.
Os bancos públicos não recebem aportes, pagam, enfim, de acordo com a TJLP [Taxa de Juros de Longo Prazo] de uma forma diferente, daí o Tesouro capta de outra forma, capta no mercado? Não há um descompasso entre a forma que o dinheiro entra de um lado e sai do outro?
Nesse caso, mesmo o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] ele vai ter lucro na operação porque ele vai ter uma remuneração acima do funding dele de 2,5%, é a remuneração 2,5% acima do funding. Então não tem, repito, não tem subsídio. Você tem que pensar o seguinte, o BNDES ele tem captação própria ele recebe recursos da TJLP, que é recursos do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador]. Então não tem... O Tesouro ela aporta recursos para o programa que financia bens de capital, máquinas e equipamentos, o PSI [Programa de Sustentação do Investimento]. Aí sim, as taxas são menores e o Tesouro dá um aporte, não tem nada a ver com o setor elétrico. Desculpe, quero esclarecer, o setor elétrico não está tendo subsídio nenhum. Portanto eu diria que essa solução é uma solução muito boa diante do quadro, então o setor de distribuição vai se manter sólido, não vai haver problema nesse setor, ele vai receber esse empréstimo e com os recebíveis, com aquilo que ele vai receber de tarifa ao longo do tempo, ele vai pagar esse empréstimo.
Mas nesse caso do BNDES que financia empresas, ele captando dessa forma que capta, com a TJLP, não seria o caso de imaginar que a TJLP destorce o processo, provoca um prejuízo para o governo que vai captar depois no mercado com a Selic? E a TJLP, que é a Taxa de Juros de Longo Prazo, para deixar aqui esclarecido para quem nos vê, não teria que ser aumentada? Ela não é 5% hoje?
Se não tivesse esse financiamento do BNDES, nós não teríamos investimento no país, ou teríamos muito pouco investimento, por quê? Porque nós ainda temos um juro básico um pouco alto. Ele diminuiu muito, o nosso juro real caiu muito em relação ao que era. Hoje, no pico dele, com 11% de Selic, ele está em 4,8%, e no Brasil sempre no passado era 10%, 15%, 20%. Então, se você quer ter investimento no país você tem que ter crédito barato, isso... Vai nos Estados Unidos para ver o crédito, vai na Europa para ver qual é o custo que é.
Mas a taxa geral de juros é mais baixa lá.
Então, justamente o BNDES ele tem uma captação própria que é, ele não paga mais do que a TJLP, a remuneração do FAT.
Ela não está muito baixa não ministro? Muita gente do BNDES acha que ela tem que subir um pouco mais a taxa, porque...
O BNDES ele faz operações distintas. Ele tem operações com taxas menores que são essas do PSI que nós passamos, nós pagamos o subsídio para o BNDES.
O BNDES está falando que não está recebendo esse dinheiro não, ministro.
E ele tem...
Ministro, o BNDES disse que não está...
Como é que não está recebendo? Quem falou isso para você?
O pessoal do banco.
Você está redondamente enganado, o BNDES tem o privilégio de receber recursos do Tesouro de empréstimos, que ele vai pagar ao longo do tempo, mas ele faz operação distintas Ele capta no mercado também, e ele empresta a 10%,11%,12%. Então ele tem uma carteira diversificada, de modo que ele no final ele dá lucro e é um banco sólido. O que nós gostaríamos ao longo do tempo, é que o setor privado entrasse mais no crédito de longo prazo. Estamos criando as condições para isso, lançando debêntures que não pagam imposto de renda, que são incentivadas, nós lançamos letra financeira que os bancos privados captam e tem um funding de mais longo prazo, o mercado de capitais, que é onde as empresas captam. Então, nós estamos diversificando. Então o BNDES ele tenderá ao longo do tempo diminuir o seu financiamento, e nós queremos diminuir esse subsídio. Agora, você não pode deixar faltar recurso para investimento no país, que é fundamental.
Sim, mas só essa última pergunta insistindo. É o caso de subir a TJLP ou não?
Não estamos pensando. Não está sendo cogitado.
Tem uma palavra que passou a fazer parte do vocabulário comum hoje em dia que é “tarifaço”, no meio de um processo eleitoral os candidatos falam sobre a favor ou contra. E é notório que o Brasil represou o reajuste de alguns preços que têm a influência para o governo para o seu controle. Na sua avaliação, essa recomposição dos preços deve ser feita ao longo de quantos meses ou anos a partir de 2015?
Eu diria que há um equívoco em dizer que não há recomposição de preços, eu posso citar aqui vários preços que nós aumentamos este ano. Aliás, todo o ano você faz isso, mas é que ninguém liga para isso, de vez em quando você liga. Então, por exemplo, nós aumentamos o preço dos remédios, aumentamos plano de saúde, aumentamos a loteria da Caixa [Econômica Federal], tarifa de correio e energia elétrica. Esse são os principais preços administrados, então se você olhar na estatística, se quiser eu te mostro a estatística, os preços administrados este ano estão crescendo mais do que no ano passado. Os preços administrados, eles crescem...
Porque estão recuperando...
Mas há recuperação ou não há? Eu não estou entendendo, ou você me diz que não há e que a gente não está reajustando ou você diz que está. Eu estou dizendo que está, é estatístico. Eu mostro dado para você. Nós temos elevado os preços sim normalmente, o que acontece é o seguinte: a energia elétrica, sabe quanto já subiu em 12 meses? 12%. Então nós estamos represando? Não estamos represando. É claro que no ano passado, nos anos anteriores energia elétrica crescia 2,5%, 3% sabe por quê? Por causa da fórmula que foi acordada nos leilões, a Aneel tem uma fórmula que ela diz: você tem um aumento de custo, um aumento da inflação e tiram um fator X, fator X que é a produtividade. Então, este ano nós estamos subindo mais do que o ano passado. Então nós estamos corrigindo normalmente os preços monitorados.
Primeiro eu vou citar um colega seu, Aloisio Mercadante, que em entrevista pra a própria Folha de S. Paulo reconheceu que o governo estava segurando alguns preços, porque considerava que era importante não punir a população por causa da seca. Então, não tinha sentido repassar todo aquele aumento, que vocês estão evitando com os empréstimos, a favor do consumidor. O próprio ministro Aloisio Mercadante admitiu isso. E os empréstimos que o sr. citou aqui é exatamente você transferir esses aumentos para outros anos. Está tendo represamento, não é ministro, algum.
Olha, você acredita em números ou não? Então eu vou te mostrar a estatística, eu estou dizendo para você, a energia subiu em 12 meses mais de 12%, se isso é represamento então eu não sei o que é aumento de preço. Então não está havendo represamento, eu citei aqui nominalmente, se você quiser aqui eu te passo uma tabela. É só olhar o IPCA, olha o último IPCA que saiu porque foi 0,01%, foi quase zero. Você vai ver que os preços administrados foram os que mais subiram.
E se essa conta for estendida por quatro anos, houve ou não houve represamento?
Não. Não houve represamento. Não houve represamento.
E a gasolina, onde vem o aumento de gasolina nisso?
Então, tem gente falando que a gasolina está sendo represada. Você sabe que nós demos nos últimos anos, desde 2011, dois reajustes por ano no preço da gasolina na refinaria. Na refinaria, dois aumentos por ano.
E neste ano?
Você não tem outro preço, preço monitorado não tem dois aumentos por ano, nem aluguel tem dois aumentos por ano. Então demos dois aumentos por ano. Então eu não posso falar...
E a gasolina neste ano?
Então vocês estão dizendo que tem desde 2011, e eu estou dizendo que não tem. A gasolina na refinaria subiu mais do que a inflação nesses últimos quatro anos, mais que a inflação –se quiser eu te passo o dado. Agora, o que aconteceu é que nós retiramos a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) e aí na bomba ela subiu menos do que subiu na refinaria. O que interessa para a Petrobras é na refinaria, porque ela vende a gasolina da refinaria. Então ela está subindo, agora se ela vai subir em janeiro, fevereiro, março, abril, aí não importa, não importa. Então o que eu digo para você, eu tenho que falar em tese qual é a regra, eu não posso falar se vai ter ou não vai ter, quando vai ter ou quando não vai ter. Eu só estou dizendo que todo ano, todo ano, tem aumento.
Então como neste ano a gasolina ainda não foi reajustada para o consumidor final, é lícito supor que neste ano, até dezembro, haverá um reajuste para o consumidor final?
É lícito pensar sim. É lícito pensar.
E o sr. poderia dizer se vai acontecer ou não?
Não eu não posso dizer porque essa é uma informação confidencial que mexe com o mercado, que mexe com ações da Petrobras, então eu não sei quando será, se haverá ou se não. O que eu posso dizer é o seguinte, que sempre houve todos os anos e eu não creio que esse ano seja diferente.
Se o governo fizer o reajuste antes da eleição tem um impacto político eleitoral, se o governo fizer o reajuste depois da eleição haverá outro impacto. É lícito supor também que o governo prefira fazer depois da eleição?
Nós não nos pautamos pela eleição na condução da economia. Tanto é verdade que no ano eleitoral nós subimos a taxa de juros, nós subimos a taxa de juros por causa da inflação. A prioridade é o combate à inflação, manter a inflação sob controle. E quero dizer que temos pleno sucesso nisto, é só ver os indicadores, então esta é a grande prioridade. Se fosse por ser ano eleitoral, a taxa de juros não teria subido, mas existe uma autonomia da autoridade monetária, que tem uma missão e ela cumpre a missão, doa a quem doer. Então, não nos pautamos por isso.
Os críticos da política econômica, os adversário do governo, dizem que há necessidade de recomposição das tarifas. O sr. apresentou aqui números e está argumentando que não, que as tarifas não estão sendo represadas e que em 2015 essa necessidade do chamado “tarifaço” inexiste.
Eu me preocupo. Se você me diz que os outros estão pensando que os preços estão represados, vai ver que eles têm intenção de dar um “tarifaço”. Eu me preocupo. O que eu estou afirmando aqui é que é desnecessário.
Mas o sr. acha que eles fazem isso para fazer alguma espécie de estratégia de terrorismo eleitoral, o que é isso?
Eu não sei. Eu acho que talvez seja uma leitura equivocada do que está acontecendo. O próprio Valdo, que é um jornalista inteligente, experiente, acha que tem represamento. Eu convido o Valdo a olhar os dados, eu não estou falando em tese. Aqui não estamos discutindo a teoria, estamos discutindo números. Você pegue o número, examine os números e você vai ver.
Mas a oposição mente nesse caso, o sr. acha?
Eu não acho não. Acho que ninguém mente.
O que os move para dizer isso?
Ah, talvez eles tenham uma interpretação equivocada. Eles não estão observando. Se você olhar a mídia, mudou um pouco o discurso em relação a isso, porque eu me cansei de dizer olhem os números, está havendo [aumento de preços administrados]. E aí o discurso já era “ah bom, então estão sim corrigindo os preços”.
Não é somente eu, nem o mercado, nem a oposição. A Petrobras fica reclamando, inclusive a Graça [Foster] fala, Graça Foster, presidente da Petrobras, fala. O Almir Barbassa, diretor financeiro da Petrobras, fala da necessidade de aumento de preços, porque os preços estão defasados. Ou seja, uma empresa do governo, uma estatal do governo também fala, tem o mesmo discurso.
Bom, para a Petrobras, para ela o melhor seria o maior preço possível. Até um preço maior que lá fora. Diga-se de passagem, a nossa gasolina na bomba é maior que o preço da gasolina, é 50% mais alta do que na referência dos Estados Unidos, que é a nossa referência, que é o benchmark, que é referência de preços, está certo. É claro, quanto maior o preço mais ela fatura, só que nós achamos que a Petrobras tem que faturar pelo aumento de produção e agora o aumento de produção está acontecendo. O aumento de produção da Petrobras, a partir de maio, é expressivo. Ela está aumentando a cada mês a produção 1,5%, 2%. Então agora ela vai faturar mais, daqui para frente só vai aumentar a produção da Petrobras, por quê? Porque ela colocou várias plataformas e o pré-sal está começando a produzir mais, então ela vai faturar mais com a produção, é claro que ela tem que faturar também com o preço, tem que haver um equilíbrio, o aumento de preço não pode ser, digamos, exagerado, porque senão vai causar prejuízos a todo mundo, então os preços vão subir. Nós tivemos um problema por causa do câmbio, porque quando nós tivemos em 2012/2013 uma desvalorização do real foi aí que você teve uma defasagem de preço.
A propósito Armínio Fraga acabou de dizer que o governo tem mantido artificialmente a taxa de câmbio para segurar a inflação. Está falando até de populismo cambial.
Olha, que eu me lembre se houve um período de artificialismo, foi justamente no governo anterior, porque de 1995 até 1998 você manteve o real artificialmente valorizado. Até que houve uma crise em 1999, uma baita desvalorização feita pelo mercado totalmente fora de controle do governo. Então, nessa época foi feito populismo cambial, efetivamente. Nós fizemos o contrário, quero dizer o seguinte, que quando os preços, quando o câmbio estava se valorizando fortemente em, por exemplo, 2010, 2011, o que nós fizemos? Nós compramos mais reservas, nós impedimos que houvesse a valorização. O que é populismo cambial? É você artificialmente deixar a moeda de valorizar porque barateia a compra de produtos. A população compra produtos importado, aí você desequilibra as contas públicas. Nós fizemos o contrário, nós justamente não permitimos a valorização do real. Você lembra a briga que nós tivemos, o capital estrangeiro queria entrar aos borbotões e nós estabelecemos o IOF, nós moderamos essa entrada e nós produzimos uma desvalorização em 2012 que não haveria. Então é o contrário o que nós fizemos, não tem nenhum populismo, nós não temos essa prática.
Armínio Fraga está enganado então?
Redondamente enganado.
Nesse caso do câmbio. O câmbio está apropriado para a economia brasileira no atual nível?
O câmbio está apropriado, mesmo porque não é que você fabrica um câmbio. Esse câmbio é o resultado de variáveis é o resultado da situação do...
Mas o governo é o ator mais relevante ai nessa variável.
Não é só o Armínio não, o FMI também, o Fundo Monetário Internacional, avaliou que a gente está com a taxa de câmbio um pouco fora do ponto.
De 2006 até esta data, o que nós fizemos? Nós aumentamos a compra de reservas. A compra de reservas, entre outras coisas, ela serve para não permitir a valorização do real, porque eu me lembro, quando eu entrei no Ministério, em 2006, já havia uma pressão para valorizar o real. Então o real estava chegando, não me lembro na época, se estava chegando a 1,7%, 1,8% em relação ao dólar, e eu falei para o presidente Lula, olha se nós vamos assim nós vamos quebrar a indústria, nós não podemos deixar valorizar dessa maneira, temos que fazer uma política de compra de reserva. Que compra de reserva significa tirar dólar de circulação, entra muito dólar você enxuga e não deixa então o real não se valoriza. Portanto, nós trabalhamos o tempo todo para isso. Agora, o que o Banco Central faz é evitar exageros de volatilidade, porque a volatilidade no câmbio excessiva não é boa. Então o câmbio está a 2,20 e vai para 2,40 atrapalha a exportação, a importação, a atividade econômica, ninguém aplica no Brasil porque você não sabe qual vai ser o câmbio, se você vai perder ou vai ganhar.
Mas o Banco Central persegue um valor.
Não, não persegue o valor não. Ele persegue uma volatilidade menor, entende? Então, persegue uma volatilidade menor. Então, nós tivemos um período de volatilidade maior no ano passado, lembra? Quando o Fed começou a fazer as medidas essa volatilidade foi em todos os emergentes, foi na China, na China não, foi na Índia, foi na Indonésia, foi na Turquia, houve uma volatilidade. Então, nós tínhamos que coibir aquela volatilidade porque ela é ruim para a economia. Aí você hoje você tem o câmbio flutuante, ele flutua você vê que outro dia estava 2,22 essa semana está 2,27 então há flutuação. Nesse campo de flutuação, não atrapalha a economia.
Mas ministro, não é só o Armínio, o Fundo Monetário Internacional também aponta que o câmbio está fora do lugar e não está refletindo totalmente os fundamentos da economia brasileira.
Olha, o Fundo Monetário sempre nos apoiou na política cambial que nós fizemos. Me lembro em 2011, quando nós começamos aplicar IOF e impedir esse excesso de capital externo que valorizava a moeda, o Fundo Monetário nos apoiou. O presidente do Fundo era o diretor-geral, Dominique Strauss-Kahn, nos apoiou, nós tivemos um editorial no “Financial Times” nos apoiando, dizendo que estava certo o Brasil não deixar entrar todo esse capital.
Os últimos editoriais deles já não são tão bons como eram antigamente ministro.
Eles mudaram de ideia.
Por que eles mudaram de ideia?
Não sei, porque eles mudaram de ideia.
Eles mudaram de ideia ou a gente mudou a nossa política?
Você que me diga porque nós não mudamos, justamente, nós fazemos a mesma política, tá certo. Só que dentro de cenários diferentes, você tem que atuar de forma diferente.
Ministro, a meta de inflação do Brasil é de 4,5% ao ano com uma taxa de tolerância de 2 pontos para mais ou para menos. Há alguns anos ela tem ficado sempre mais perto do teto do que do centro, para não dizer do mínimo, muito menos. Por quantos anos o Brasil deveria ter essa meta de 4,5% e tentar perseguir só o centro dessa meta? E para ser mais específico, a presidente Dilma Rousseff, que concorre à reeleição, se ganhar tem mais quatro anos. O sr. acredita que em quatro anos é necessário manter ainda a meta nesse patamar, ou é possível e exequível para o Brasil reduzir a meta de 4,5%?
Então, porque nós tivemos uma pressão inflacionária maior nesses últimos anos? Em 2011 era o resultado de uma expansão da demanda de 2010, então a economia estava crescendo até mais do que 7,5%, na verdade. Então, de fato você tinha demanda a população estava com a massa salarial forte, então ali sim faltava oferta. Então o que nós fizemos em 2011, nós demos uma freada. Foi uma política monetária contracionista, ou seja, os juros subiram e uma política fiscal também contracionista para moderar isto. Agora, em 2012 nós tivemos uma desvalorização do real. Então, a desvalorização do real ela aumenta a inflação, em 2012 e 2013, desvalorização do real. Em 2012 nós tivemos uma seca forte nos Estados Unidos, o preço dos grãos subiu. Commodities subindo todo este tempo, a commoditie não tem crise porque alimenta, o pessoal continua comendo alimento. Então, nós tivemos uma pressão de alimentos todo esse tempo, mas o câmbio é fundamental. Você tendo desvalorização em 2012 e 2013 é justamente a politica oposta que o Fernando Henrique [Cardoso] fez, porque ele segurava a inflação no câmbio, e nós não seguramos no câmbio. Pelo contrário, tivemos dois anos de pressão inflacionária. Tivemos a seca aqui, a nossa seca vem do ano passado, o ano passado já teve uma seca forte. Eu sei porque nós tivemos que gastar para segurar os efeitos da seca e a seca sobe os preços, então, veja, é uma conjugação desfavorável para a inflação. Porém, nós estamos aumentando sempre a produção agrícola. O Brasil é um dos países mais bem sucedidos nesta área, nós aumentamos a produtividade, aumentamos a produção de alimentos, só que o preço dos alimentos é fixado a um nível internacional, nós não fixamos o preço dos alimentos. Então, mesmo que se aumente a oferta você não consegue. Então, eu acho o seguinte, que o Brasil tem que fazer um grande esforço para diminuir esse patamar inflacionário. É verdade que nos últimos 10 anos nós nunca ultrapassamos o limite, então nós cumprimos a política. E aí a nossa inflação é menor do que os nossos antecessores, a média do governo anterior é 9%. A nossa média...
Mas os seus antecessores pegaram uma inflação muito mais alta também né ministro?
Depois do Plano Real. Mesmo se você pegar os últimos quatro anos, você já tinha Plano Real, tudo mais, mas a inflação foi de 9%. Nós recebemos em 2013 uma inflação de 12,5%, está certo. Então, nós somos muito mais eficientes em matéria de controle de inflação. A nossa média é 5,9%, eu gostaria de ter uma inflação menor que isso e nós temos que continuar trabalhando de modo que investindo mais, aumentando a oferta, aumentando a oferta também de produtos manufaturados e reduzir os custos.
O que o sr. diria, prospectivamente falando, a presidente Dilma Rousseff vai pedir aos brasileiros mais quatro anos de governo. Em quatro anos, prospectivamente falando, o sr. é o ministro que comanda a economia, é possível em quatro anos imaginar que o centro da meta será atingido? E é possível imaginar que essa meta possa ser reduzida em quatro anos? Se sim, para quanto?
É possível sim, porque nós teremos uma queda do preço das commodities, isso já está acontecendo, então essa é uma variável importante.
O sr. imagina em quantos anos chegamos ao centro?
Se você olhar nos últimos 10 anos, as commodities agrícolas subiram mais que o manufaturado, é por isso também que você pensa que a indústria cresceu menos. É também porque os preços da indústria estão crescendo menos que o IPCA, então você vai ter produtos, digamos, commodities crescendo menos, o preço de commodities crescendo menos, nós vamos ter aumento de produtividade, que nós estamos a todo momento buscando aumentar, aumento de produtividade significa diminuir custos, por exemplo, nós vamos ter uma oferta de uma infraestrutura melhor de portos, de estradas, de ferrovias, de aeroportos tudo isso é custo. Tudo isso é custo para a economia. Então dá para diminuir. Eu diria o seguinte, que no cabo de quatro anos dá perfeitamente para atingir o centro da meta.
Em 4,5%?
E dá para atingir o centro, e dá para diminuir também, digamos, a margem de elasticidade. Neste momento não dá, mas dá para fazer. Tem que ser perseguido. Nós ainda temos indexação, ao longo desses quatro anos dá para diminuir a banda.
Manteria no centro em 4,5 %, porém reduziria a banda, que é de 2 pontos, para 1,5 ou 1 ponto?
Eu não vou dizer, não vou fixar agora, porque isso você faz na reunião do Conselho Monetário.
Mas o sr. acha exequível isso então, em 4 anos?
Em 4 anos é exequível e, mais que exequível, deve ser perseguido. Deve ser perseguido uma inflação menor. Nós ainda temos uma certa indexação na economia brasileira e essa indexação está sendo desativada. De que maneira? Você tinha contratos feitos ainda com indexadores como o IGP-M, etc. Você está substituindo, contratos de energia você não faz mais com o IGP-M, faz com o IPCA. E como nós também não estamos prevendo uma desvalorização do real, como nós tivemos, você vai ter menos desvalorização, uma das principais pressões inflacionárias deverá diminuir.
Quem promete para os brasileiros uma taxa de inflação em 4 anos, a partir de 2015, menor do que 4,5%, com uma meta de inflação bem menor, está enganando quem ouve?
Não está enganando, mas pode ter más intenções, por exemplo...
Que tipo de más intenções?
Subir muito a taxa de juros, porque como combatiam a inflação no passado? Era assim. Valoriza o câmbio e sobe violentamente a taxa de juros. Essa taxa de juros que nós temos é uma taxa de juros que garante a produção, que garante o comércio, o financiamento. Agora, nós já tivemos aqui no Brasil taxas de juros reais de 30% a 40%. Por exemplo, Armínio Fraga praticou essas taxas. Então eu tenho receio de que essa seja a política, dar um chute na taxa de juros, a taxa de juros vai diminuir a inflação causando uma recessão na economia, destruindo a economia.
O sr. imagina que essa política que vai ser aplicada?
Não sei, eu estou inferindo, não tenho certeza. Ele está me dizendo, se eles vão reduzir a inflação na marra, como é que faz? Uma das maneiras é gerando desemprego, por exemplo. Tem gente que acha que a inflação sobe no Brasil porque o mercado de trabalho é bom no Brasil, porque você tem pleno emprego, e porque os salários estão subindo, então você já sabe qual é a fórmula. Vamos reduzir salários, vamos causar desemprego. Tem gente que acredita nisso.
O sr. acha que eles vão fazer isso?
Não, eu não acho nada, eu não sei. Eu estou dizendo que essa é uma estratégia possível. É uma estratégia que os conservadores costumam praticar. “A inflação está alta, o que tem que fazer? Tem que reduzir o crescimento, diminuir o salário dos trabalhadores”. Isso nós não faremos. O que nós procuramos fazer é combater a crise preservando o mercado de trabalho, o padrão de vida da população. Nós jamais jogaremos nas costas da população o ajuste da crise mundial. Outros fariam isso. É só ver na Europa, vários fizeram isso. Por que você acha que caiu o salário na Europa inteira, caiu salário nos Estados Unidos, e no Brasil não caiu? É um dos poucos países do mundo em que não caiu o salário. É por causa da estratégia econômica que nós temos, que é diferente. Agora, se alguém entrar e quiser derrubar a inflação rapidamente, consegue. É só você colocar uma bala de canhão, chuta o juro para cima, a economia vai definhar rapidamente, você vai ter recessão, aí sim você vai ter uma inflação baixa. Mas aí é a paz do cemitério, né. A paz do cemitério.
Deixa ver se eu entendi bem o lide aqui dessa entrevista.
O lide? Preciso tomar cuidado, quando vem lide...
Quatro anos, próxima administração federal, presidente Dilma Rousseff, estou imaginando que tem uma política econômica que perseguiria o centro da meta atual, de 4,5%, não é exequível imaginar que vai cair abaixo disso, mas é possível perseguir esse centro da meta e, quem sabe, estreitar a banda, que hoje é de 2 pontos para mais ou para menos. E que isso é o que pode ser oferecido de maneira realista em termos de inflação, mantendo o nível de emprego do país. É isso?
Isso, isso seria, digamos, a política gradualista de combate à inflação. É possível sim ir abaixo de 4,5%, vou te dar um exemplo. Em 2006 eu era ministro da Fazenda, nós estávamos impulsionando uma expansão da economia, o PIB estava crescendo em 2006, mas nós tivemos uma safra muito favorável naquela época, então os preços dos produtos agrícolas caíram bastante, os preços dos produtos industriais estavam bem comportados, nós tivemos uma inflação abaixo de 4,5%, com a economia crescendo. É possível, assim como poderá ser possível nos próximos anos que isso aconteça. Mas o que eu digo é o seguinte, que no curto prazo eu não faria nenhuma política heroica, nenhum choque, tratamento de choque. Tratamento de choque faz mal às economias. Tem gente que pensa assim, eu vou dar um tarifaço, eu vou subir a taxa de juros lá em cima. Isso faria muito mal à economia e nós não faremos isso.
Ministro, o sr. apontou vários acertos na política econômica do governo Dilma, o sr. é responsável por ela. O sr. apontaria pelo menos três erros que o sr. considera que hoje faria diferente?
Eu entendo o trabalho de vocês, porque notícia boa não dá manchete, não interessa.
Não é verdade, ministro...
Então você quer só notícia ruim.
Não, eu estou querendo uma avaliação...
Certamente nós cometemos desacertos, é verdade.
O sr. apontaria um?
Porque todos os governos têm isso. Agora, eu acho que o saldo é extremamente positivo. Deixo os críticos apontarem os desacertos. Certamente a gente aprendeu. É importante dizer o seguinte. Quando você está numa gestão pública de uma economia e, principalmente, em um tempo de crise, você tem que inovar, você tem que encontrar caminhos diferentes. Nos tempos de calmaria é mais fácil. Eu era feliz e não sabia, de 2006 a 2008 era muito mais fácil lidar com a economia, porque a economia vinha crescendo, a arrecadação aumentava, a indústria crescia, o investimento crescia, a agricultura. Quando vem um período de crise, falta mercado, todo mundo disputa o mercado que tem com preço baixo, fica mais difícil, aí você tem que encontrar os caminhos. É claro que você pode cometer um exagero, pode achar um caminho que não estava certo. O importante não é cometer o erro, é reconhecer e corrigir o erro. Eu não sei se eu chamaria de erro, porque nós estamos falando de processos, de procedimentos.
Como o sr. diferenciaria a sua gestão à frente da Fazenda do seu antecessor, Antonio Palocci?
O Antonio Palocci pegou a economia em um período de transição. Na verdade o Brasil sofreu uma crise em 2001, a crise da energia, depois teve o default da Argentina também. O Brasil era muito frágil naquela época, não tínhamos reserva, tínhamos só US$ 15 bilhões de reserva própria. Tínhamos empréstimos do Fundo Monetário [Internacional], de 1999 para diante nós tivemos permanentemente socorro do Fundo Monetário. Então quando é uma economia frágil, quando vem uma crise... E em 2002 mudou o governo, isso tem alguma influência, não é verdade que foi a ascensão do PT que causou a instabilidade. O Brasil era uma economia frágil naquela época, e as reservas são muito importantes porque da onde vem o ataque especulativo...?
Mas a diferença entre o sr. e Palocci na gestão foi qual?
O Palocci teve que fazer um ajuste, aliás o Palocci e eu era ministro do Planejamento, nós fizemos um ajuste fiscal importante, fizemos um grande corte de despesa, foi um corte, me lembro, de R$ 40 bilhões, naquela época era muita coisa, para melhorar as finanças públicas. Fizemos várias medidas, mudanças de regras, por exemplo, alienação fiduciária, crédito consignado, inovações, começamos a dinamizar o mercado imobiliário. Era um período de transição, a gestão foi adequada, era o momento de fazer aqueles ajustes, e dali para frente nós passamos a ter um crescimento maior. Agora, a economia precisa sempre de ajustes, é bom que se diga. A economia requer sempre ajustes. Por exemplo, na área tributária. Nós temos feito muitas medidas, muitas mudanças e muitas mudanças ainda têm que ser feitas na área tributária. Nós temos que continuar desonerando, reduzindo tributos na economia, que são elevados, e nós já fizemos muito disto. Temos que simplificar a estrutura tributária. E nós temos feito isso, o Simples nacional, estamos reformando o ICMS e, portanto, temos que continuar nessa trajetória.
O sr. dá como concluída a sua missão no Ministério da Fazenda agora, no final do ano?
Não, eu acho que a missão no Ministério da Fazenda é permanente, sempre tem que...
O sr. quer ficar no governo?
Mas termina um mandato e a gente tem que pensar nesse prazo. Eu não raciocino para os próximos anos, eu tenho que raciocinar, colocar todas as minhas energias para conseguir cumprir os objetivos, as metas que nós estabelecemos até o final de 2014.
O sr. desejaria contribuir como ministro num próximo mandato da presidente Dilma, se ela vencer?
Não é momento de pensar em próximo mandato. Agora é momento de concentrar todas as energias para que esse mandato seja concluído da forma melhor possível.
Mas o sr. não se vê em um próximo governo?
Não estou pensando em um próximo governo, acho que ninguém está pensando. Só aqueles que estão fora do governo, estão pensando. Nós estamos pensando em cumprir esse mandato da forma mais eficiente possível.
Ministro, uma pergunta um pouco fora da sua área. Morreu o candidato a presidente Eduardo Campos, pelo PSB. É possível que Marina Silva até o substitua como candidata a presidente. Qual o seu juízo sobre o que pode acontecer com o processo eleitoral?
Eu acho que é um pouco prematuro, nós ainda estamos no luto deste choque de todos, eu era amigo pessoal do Eduardo Campos, foi meu colega no Ministério, então agora nós temos que olhar para a perda que nós tivemos, a comoção que nós tivemos. Depois o quadro político vai se redefinir. Temos que dar um tempo para que isso possa ocorrer.
O sr. acha que Marina Silva, se vier a ser candidata, é mais competitiva do que Eduardo Campos e pode produzir um cenário no qual o segundo turno é mais certo?
Eu não sou um analista político, prefiro não dar palpite, eu já dou palpites suficientes na área econômica, então diria que a política é muito incerta, você pode ter cenários diferentes, e eles não estão definidos ainda.
Queria agradecer ao jornalista Valdo Cruz, da "Folha de S.Paulo", que hoje participou da edição do Poder e Política, e agradecer ao ministro Guido Mantega, da Fazenda, por estar aqui concedendo essa entrevista. Muito obrigado, ministro.
Muito obrigado.
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