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Comissão localiza três em 210 desaparecidos e culpa militares por fracasso

Guilherme Balza

Do UOL, em São Paulo

10/12/2014 10h52Atualizada em 10/12/2014 12h12

Em dois anos e sete meses de trabalho, a CNV (Comissão Nacional da Verdade) conseguiu localizar e identificar os restos mortais de apenas três vítimas da ditadura militar (1964-85) dentre as mais de 200 que permanecem desaparecidas.

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Ao todo, a CNV identificou 434 vítimas da ditadura, segundo o relatório final da comissão, entregue nesta quarta-feira (10) à presidente Dilma Rousseff. O número é composto por 191 mortos e 243 desaparecidos. Destes, 32 já haviam tido os corpos encontrados antes da instalação da comissão.

Os três corpos que a CNV conseguiu localizar são de Epaminondas Gomes de Oliveira, Paulo Torres Gonçalves e Joel Vasconcelos Santos.

O jurista Pedro Dallari, coordenador da comissão, considera o baixo número de desaparecidos localizados “a maior frustração” da CNV e responsabiliza a falta de apoio das Forças Armadas como o principal fator. De acordo com ele, os militares desapareceram ou ocultaram documentos e não contribuíram com as investigações. No total, 377 militares foram indicados como responsáveis por graves violações de direitos humanos durante o regime militar, mas um terço já morreu.

Neste ano, Exército, Aeronáutica e Marinha realizaram sindicâncias em instalações militares usadas pela repressão. A apuração foi feita por determinação do Ministério da Defesa, que atendeu a pedido da CNV, mas as sindicâncias concluíram não haver indícios de que foram cometidas ilegalidades nestas instalações.

A reportagem do UOL entrou em contato com o Ministério da Defesa, que responde pelas Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), mas o órgão federal informou que não se pronunciaria sobre o conteúdo do relatório. Por meio de sua assessoria de comunicação, o órgão informou ainda ter colaborado com os trabalhos da comissão desde a sua criação. Já os representantes do Clube Militar não foram localizados.

No relatório final, a comissão afirma que o número de vítimas mortas e desaparecidas “certamente” é muito maior, uma vez que o montante refere-se apenas àquelas que foram identificadas. Não foram contabilizados, por exemplo, indígenas de várias etnias que foram mortos pelo regime.

Entre os waimiri-atroaris, povo que vive no Amazonas e em Roraima, foram mais de 2.500 mortos e desaparecidos entre 1972 e 83, período em que a população da etnia caiu de cerca de 3.000 pessoas para 350, segundo o relatório. Também não estão na conta as vítimas dos “esquadrões da morte”, grupos formados por policiais, subordinados aos Dops (Departamento de Ordem Polícia e Social), que provocaram centenas de mortes nas periferias das grandes cidades durante a ditadura.

Os três localizados

Sapateiro e líder comunista no Maranhão, Epaminondas Gomes de Oliveira desapareceu em 1971, quando tinha 68 anos. Ele foi morto no Hospital Militar de Área de Brasília. Para a investigação do caso foram colhidos 41 depoimentos em Brasília, no Maranhão e em Tocantins.

A comissão obteve documentos que mostram que Epaminondas foi torturado numa área próxima entre Porto Franco, cidade onde vivia, e Imperatriz, no Maranhão. Ele foi novamente torturado no PIC (Pelotão de Investigações Criminais), em Brasília, até ser morto no dia 20 de agosto de 1971.

Na terça-feira (9), véspera da divulgação do relatório, a CNV anunciou ter localizado as ossadas de duas vítimas desaparecidas: Paulo Torres Gonçalves e Joel Vasconcelos Santos. A CNV também afirmou ter encontrado indícios de uma ossada que pode pertencer a Stuart Angel, filho da estilista Zuzu Angel, desaparecido em 1971, época em que militava no MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro) $escape.getH()uolbr_geraModulos('embed-lista','/2014/encontrados-pela-comissao-da-verdade-1418174957459.vm')

Táticas

Segundo o relatório final, os desaparecimentos dos corpos avolumaram-se a partir de 73 porque as justificativas até então apresentadas pelas mortes (troca de tiros, atropelamento e suicídio) já não convenciam. Quase a totalidade das vítimas foram militantes de organizações clandestinas, líderes sindicais, professores e estudantes.

De acordo com a CNV, os desaparecimentos concentraram-se entre 1970 e 74, mas houve sumiços de 1964 até 80. Cerca de 60% dos desaparecidos identificados pertenciam a cinco organizações: PCdoB (Partido Comunista do Brasil), ALN (Aliança Libertadora Nacional), VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), PCB (Partido Comunista Brasileiro) e Molipo (Movimento de Libertação Popular).

Diante da falta de apoio institucional das Forças Armadas, três depoimentos foram fundamentais para a CNV obter informações sobre as táticas e os destinos corpos: o do coronel Paulo Malhães, do delegado Claudio Guerra e do sargento Marival Chaves.

A partir dos relatos, a comissão concluiu que as técnicas para ocultar os corpos incluíam enterrar as vítimas com identidade falsa ou como indigentes, muitas vezes em valas comuns; esquartejá-las; atirá-las no mar, em rios ou em lagos; e incinerá-las. Para evitar a identificação posterior, em muitos casos as pontas dos dedos e arcadas dentárias foram arrancadas.

Os responsáveis pela morte tiveram apoio dos Institutos Médicos Legais, do Poder Judiciário e da administração de cemitérios. A Casa da Morte de Petrópolis (RJ) funcionou como um dos principais locais para matar as vítimas e ocultar seus corpos.

Além de ocultar os corpos, os desaparecimentos funcionavam como uma técnica de tortura, conforme revela depoimento de Paulo Malhães que consta do relatório final. “Porque a gente também foi aprender fora, alguma coisa. Aí os perfis das prisões daqui mudaram; a forma de contato com os presos mudou; surgiu a necessidade de aparelhos; porque --isso foi uma grande lição que eu aprendi-- o que causa maior pavor não é você matar a pessoa. É você fazer ela desaparecer.”

Clique aqui para acessar o relatório final da Comissão Nacional da Verdade na íntegra