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Mídia internacional vê protesto "mais velho, mais branco e mais rico" do que os de 2013

Manifestantes lotam a av. Paulista, em São Paulo, em protesto contra o governo - Danilo Verpa/Folhapress
Manifestantes lotam a av. Paulista, em São Paulo, em protesto contra o governo Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

Daniel Buarque

Do UOL, em São Paulo

16/03/2015 06h59

As manifestações contra o governo Dilma que reuniram cerca de 2 milhões pessoas pelo Brasil no último domingo ganharam a atenção da imprensa internacional, que acompanhou de perto os acontecimentos, com publicação de notícias quase em tempo real. Apesar de a cobertura inicial estar mais presa aos fatos, sem que haja ainda muita análise sobre os impactos dos protestos, foi possível perceber que boa parte da mídia estrangeira assumiu uma postura crítica, comparando os protestos com os de junho de 2013 e percebendo uma feição mais elitista da ida às ruas mais recente. Segundo o jornal britânico “The Guardian”, os protestos reuniram pessoas “mais velhas, mais brancas e mais ricas” do que em 2013.

Mais de uma centena de notícias foram publicadas até o início da noite de domingo citando o Brasil no resto do mundo. Reportagens em inglês, francês, espanhol, italiano e alemão ganharam espaço nos principais veículos de comunicação do mundo. O principal destaque foram as multidões de pessoas que tomaram as ruas e sua oposição ao governo. Algumas reportagens apresentaram entrevistas com manifestantes e falaram sobre a pauta de reivindicações, desde o fim da corrupção ao impeachment de Dilma.

Para socióloga Camila Maria Risso Sales, que faz doutorado sobre a imagem internacional do Brasil na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), ainda é cedo para fazer uma avaliação aprofundada dos efeitos das manifestações na reputação do Brasil. Ela avalia que a primeira impressão deixada pela cobertura feita pela mídia estrangeira dos protestos deste fim de semana é de que os principais veículos de imprensa “de alguma maneira associaram os protestos à direita, às classes mais ricas e chamaram a atenção para os pedidos de intervenção militar”, disse, em entrevista ao UOL.

Segundo a pesquisadora, a publicação de notícias e análises a respeito das manifestações no resto do mundo permite pensar em dois cenários para o se pensa a respeito do Brasil no exterior: “Alguns ressaltarão as manifestações como resultado do processo de consolidação da democracia, mas também podem surgir análises que destaquem a instabilidade gerada pelos protestos”, disse. Para ela, entretanto, se houver algum impacto real na imagem do Brasil, isso vai ocorrer mais por conta da condução da política econômica do que a qualquer outra coisa.

Apesar de a cobertura internacional da realidade brasileira ter sido extremamente crítica em relação à condução da economia pelo governo Dilma, as principais opiniões internacionais a respeito da tensão política procuram minimizar os debates a respeito de impeachment da presidente. Tratando da imagem internacional do Brasil, o impeachment é visto com ressalvas porque ele soa como uma subversão das “regras do jogo” democrático, que é o que dá imagem de estabilidade ao Brasil. A transição democrática estabelecida desde os anos 1990, e fortalecida com os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva criaram uma imagem de segurança institucional para o Brasil, e o impeachment pode romper com as garantias de que o país é confiável para o resto do mundo.

O pesquisador chileno César Jiménez-Martínez avaliou que a atenção dada às manifestações atuais se diferencia por ser menos relacionada à violência, e muito mais ligada aos números de pessoas nas ruas. Jiménez-Martínez analisa em seu doutorado pela London School of Economics a imagem internacional do Brasil durante os protestos de 2013, segundo ele, a cobertura deste ano não parece ter a mesma urgência da de dois anos atrás.

Em 2013, os números de manifestantes e violência ganhavam destaque. Agora só se fala de números. Isso se encaixa na narrativa de tempos difíceis para o Brasil que vem se construindo nos últimos tempos”, disse, em entrevista ao UOL. Além disso, ele explica, também há o diferencial do contexto, já que em 2013 havia a expectativa relacionada à Copa do Mundo, e os protestos eram vistos como parte de uma tendência global, seguindo o que havia acontecido na Espanha, na Turquia e nos movimentos Occupy.

Festival do ódio

Em reportagem publicada ainda na tarde de domingo, o jornal inglês "The Guardian" chamou os protestos de "manifestações da direita" causadas por insatisfação crescente com a "economia moribunda", política travada e o imenso escândalo de corrupção na Petrobras. O “Guardian” ainda descreveu cartazes escritos em inglês pedindo a volta da ditadura.

"Os protestos de domingo foram os maiores no Brasil desde 2013, mas o perfil e as políticas dos participantes foram muito diferentes. As manifestações da Copa das Confederações dois anos atrás tiveram suas origens em campanhas para assegurar transporte público gratuito, e se espalharam rapidamente especialmente entre jovens, com ajuda de redes sociais, após a violência policial inflamar a opinião pública. A mais recente onda de protestos, entretanto, é de um grupo mais velho, mais branco e mais rico, reunidos após uma grande cobertura antecipada da grande mídia", disse.

Já a revista de economia "Forbes" chamou os protestos de "festival do ódio". "Estranhamento, não é a deterioração da economia que irrita os brasileiros. É a política. É a corrupção. Em outras palavras, a política de sempre. E, agora, os brasileiros estão abrindo as janelas dos seus apartamentos, colocando as cabeças para fora e gritando", diz, em referência ao filme "Rede de Intrigas", de 1976.

O jornal americano “New York Times” ressaltou que o impeachment ainda parece uma possibilidade distante, e defendeu a postura de Dilma diante dos protestos. "Em contraste com outros líderes da região que responderam à dissidência com ataques a seus críticos e uso de forças de segurança, a senhora Rousseff assumiu uma postura relativamente pouco confrontadora", disse o “New York Times”, destacando que a presidente defendeu o direito de protestar dos brasileiros.

O jornal italiano “La Repubblica” destacou que havia manifestantes pedindo intervenção militar para "por fim ao predomínio político do partido dos trabalhadores". O jornal argentino "Clarín" se referiu aos protestos como "uma crise vizinha", e descreveu multidões de "dezenas de milhares" nos protestos. A publicação ressaltou que as manifestações que chegavam a pedir a saída do governo Dilma ocorreram 30 anos depois da redemocratização do país. O jornal disse ainda que alguns partidários do governo chamaram de golpistas os protestos.