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Leia a transcrição da entrevista de Marina Silva ao UOL

Do UOL, em Brasília

08/06/2015 06h00

Marina Silva, ex-senadora, 2 vezes candidata a presidente da República e líder da Rede sustentabilidade participou do Poder e Política, programa do UOL conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 3.jun.2015 no estúdio do UOL, em Brasília.

 

 

Narração de abertura [EM OFF]:

Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima tem 57 anos. Já foi senadora da República, ministra do meio-ambiente e candidata a presidente da República.

Marina Silva nasceu na zona rural de Rio Branco, capital do Acre. Aos 16 anos, mudou-se para a zona urbana para tratar da saúde, fragilizada por doenças como malária e hepatite. Nessa idade, trabalhou como empregada doméstica, aprendeu a ler e a escrever e se formou em história pela Universidade Federal do Acre.

Próxima ao líder seringueiro Chico Mendes, Marina Silva envolveu-se na resistência contra o desmatamento da floresta. Ajudou a fundar a CUT no Acre e em 1988, aos 30 anos, elegeu-se vereadora de Rio Branco, pelo PT. Na eleição seguinte, de 1990, elegeu-se deputada estadual. E, em 1994, aos 36 anos, tornou-se senadora, cargo para o qual foi reeleita em 2002.

Marina Silva foi ministra do Meio Ambiente do ex-presidente Lula de 2003 a 2008. Pediu demissão do cargo por discordar de políticas do governo petista. Filiou-se ao Partido Verde e disputou a eleição presidencial de 2010 contra a candidata do PT, Dilma Rousseff. Marina foi derrotada, mas ficou em 3º lugar com 19,6 milhões de votos.

No ano seguinte, Marina Silva deixou o PV. Disse que a legenda não queria democratizar práticas internas e renovar seus dirigentes. Em 2013, Marina encabeçou um movimento para criar o partido Rede Sustentabilidade, que serviria para sua candidatura à Presidência em 2014.

A Rede não conseguiu validar as 492 mil assinaturas exigidas em lei para obter o registro de partido a tempo de disputar as eleições de 2014. Marina, no último dia do prazo, anunciou sua filiação ao PSB, que havia lançado Eduardo Campos à Presidência da República.

Marina se tornou candidata a vice de Eduardo. Em 13 de agosto de 2014, o pernambucano morreu em um trágico acidente aéreo em Santos e, 1 semana depois, o PSB confirmou que Marina seria sua candidatura a presidente. Marina chegou a ficar em empate técnico com Dilma Rousseff nas pesquisas, mas acabou em 3º lugar, com 22,1 milhões de votos. No 2º turno, declarou apoio a Aécio Neves.

Marina conseguiu um feito inédito. É única candidata a presidente que terminou em terceiro lugar em duas eleições seguidas, com cerca de 20 milhões de votos em cada uma.

Em maio de 2014, a Rede Sustentabilidade protocolou mais 56 mil assinaturas certificadas e aguarda, finalmente, a decisão da Justiça Eleitoral que autorize o seu registro como partido.

UOL [OFF]: Olá. Bem-vindo ao "Poder e Política - Entrevista". O programa é uma realização do portal UOL. Esta gravação é realizada no estúdio do UOL, em Brasília. A entrevistada desta edição do "Poder e Política" é a Marina Silva, ex-senadora e 2 vezes candidata a presidente da República.

Olá, como vai a sra.? Tudo bem?
Olá Fernando. Tudo bem.

A Rede Sustentabilidade entregou na semana passada mais assinaturas à Justiça Eleitoral. A expectativa do grupo, que tenta fundar esse novo partido, é que o registro saia até quando?
Com as assinaturas agora entregues, nós entregamos 56 mil assinaturas para a exigência de complementação, que era de 49 mil assinaturas. A expectativa é de que o nosso processo possa ser julgada ainda em junho, para que a gente possa ter o nosso registro. Nós já tínhamos atendido os pré-requisitos de ter diretórios nos Estados. Nós temos muitos mais do que é exigido por lei. Temos representação em milhares de municípios. Fizemos um processo espontâneo da sociedade, que coletou mais de 1 milhão de assinaturas, para podermos chegar a essas que agora, espero, sejam reconhecidas pelo TSE. E temos um acordo judicial que estabeleceu que o nosso processo estava em tramitação e de que estaria aguardando a complementação. Portanto, o nosso processo está de acordo com as exigências do momento em que ele entrou para ser apreciado pelo TSE.

O partido, sendo criado em junho, evidentemente, daria então condições de ter candidatos próprios na eleição do ano que vem, que são as eleições para prefeitos e vereadores. Essa é a expectativa?
Desde o início, quando nós resolvemos criar a Rede Sustentabilidade, dizíamos, e eu particularmente, que resisti inicialmente a criação de um partido, para as pessoas “quando nós tivermos clareza de que um partido é para mais que eleição, então nós estaremos prontos para criar um partido”. Nós não estabelecemos apenas na perspectiva eleitoral, ainda que eleição faça parte da vida dos partidos, mas ela não deve ser um fim em si mesmo, ela deve ser fruto, inclusive, do trabalho que é feito. Nosso esforço, Fernando, sempre foi de contribuir para a atualização da política. A política entrou num processo de crise no Brasil e no mundo. Hoje há inúmeros esforços de vários partidos, em várias regiões do mundo, tentando atualizar a política, tornando compatível aquilo que são as expectativas desse novo sujeito político que está surgindo no mundo inteiro, e quais serão as ferramentas para o exercício da política, no que concerne à visão, aos processos e às novas estruturas. Então, desde o início, a Rede queria ajudar a fazer esse processo de atualização da política. E, obviamente, que há onde tivermos possibilidade de compatibilizar o programa, o surgimento de lideranças que, de fato, tenham como participar do processo, nós vamos fazer um esforço para dar nossa contribuição. Em outros lugares, onde tiver compatibilidade programática, até poderemos apoiar lideranças e candidatos de outros partidos.

Quais partidos, olhando num sobrevoo hoje, podem eventualmente ser aliados da Rede numa eleição, e quais de início já sabe que terão muitas dificuldades de ter o apoio?
Nós temos um campo que foi criado com a candidatura do Eduardo Campos (1965-2014), que é a Rede, o PSB, o PPS, o PPL, os partidos que deram sustentação para a candidatura do Eduardo e, posteriormente, infelizmente com sua morte, a minha candidatura. Temos uma aliança com o PSB em termos programáticos. Essa aliança é um processo de construção na realidade de cada Estado, de cada município. E, obviamente, quando Eduardo era vivo, eu brinquei com ela certa vez que quando a Rede saísse, eu queria que ele fosse um filiado emérito da Rede, e eu seria uma filiada emérita, alguma coisa simbólica do PSB. E nós íamos fazer isso. Infelizmente, com a morte dele, nesse momento, eu quero sempre manifestar o meu respeito, a minha gratidão pela acolhida que o PSB deu às propostas da sustentabilidade no momento em que foi negado o nosso registro. Eu não fui apoiar o Eduardo para dividir um palanque, eu fui apoiar o Eduardo para compartilhar um legado. O legado de discutir um processo de atualização da política, de discutir a necessidade de que a mudança de modelo de desenvolvimento, na realidade do Brasil, deveria fazer parte do eixo estratégico de qualquer campanha política em 2014. E isso foi acolhido pelo Eduardo e pelo PSB.

Estou entendo, portanto, que nas eleições de 2016, municipais, há uma afinidade prévia entre a Rede, que está sendo criada, e o PSB. Então, é possível que existam alianças aí...
É possível que existam sim. Mas isso não é um processo linear. Depende da realidade de cada município. E nós vamos discutir programaticamente. Quando eu falo programaticamente, não é só o que está no papel, é aquilo que é compatível com a trajetória, com a biografia de quem está apresentando aquele programa.

E isso significa, se for só na base do programa, que eventualmente candidatos de outros partidos, que não o PSB ou a Rede, possam receber o apoio da Rede? Por exemplo, é possível que um candidato que, programaticamente, se alinhe àquilo que a Rede propõe e seja do PT ou do PSDB, candidato a prefeito, receba o apoio da Rede?
Eu não quero ficar falando em tese. Eu, na campanha de 2010 e 2014, sempre disse que eu não tenho uma postura de satanização de partidos que fazem parte de uma perspectiva democrática de país. Não acho que os bons estejam só na Rede e não acho que os ruins estão só nos outros partidos. Eles estão em todos os lugares, assim como pessoas boas estão em todos os lugares. É uma questão de você trabalhar  para verificar o programa e a possibilidade de execução desse programa. Porque tem muita gente que coloca muita coisa no programa e não faz o que colocou. Tem gente que não coloca nada e nem tem programa, e depois faz o que criticou no programa dos outros.

Só para deixar registrado. Já estava acordado isso antes, quando a Rede se tornasse um partido, a sra. se desligaria formalmente do PSB para se filiar formalmente a Rede. É isso que vai acontecer?
Nunca o PSB, nem eu, o Eduardo, nem ninguém cogitou a possibilidade de que eu não estaria indo para a aliança com o Eduardo como a liderança de um partido. Tanto é que, não sei se vocês lembram, no dia em que nós anunciamos a aliança, tínhamos lá as duas bandeiras. A bandeira da Rede e a bandeira do PSB. Eu fui apresentada como Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, fazendo uma aliança com o PSB. O problema é que os cartórios impediram o nossos registro e, em função disso, nós achamos que 2014 não poderia deixar de fora a discussão da necessidade de atualizar o processo político, de melhorar a qualidade da governança, da representação política e a discussão da sustentabilidade. Que é um tema importantíssimo com toda essa crise ambiental que está acontecendo no mundo e corria o risco de ficar de fora.

Dito isto, é o que vai acontecer. Com a Rede formada, o grupo que ficou abrigado no PSB...
Que são poucas pessoas. Poucas pessoas se filiaram ao PSB. E, obviamente, que já são todas pré-filiadas à Rede e é só uma questão de ter, agora, a filiação formal. Eu já sou uma pré-filiada da Rede. Mas a filiação formal só é possível quando tivermos o nosso registro.

A Rede tem alguma estimativa de quantos candidatos poderá ter a prefeito e a vereador em 2016?
Não temos ainda esse levantamento. Nós estamos trabalhando para fazer o registro, adensar cada vez mais o nosso programa e trabalhar a formação política nos municípios. Temos muitas lideranças, principalmente pessoas jovens, que estão se dispondo. Não só jovem na idade, jovem no processo político, e que querem contribuir. E, com certeza, teremos sim alguns candidatos que poderão sair pela Rede e candidaturas que serão apoiadas por nós.

É possível dizer que, talvez, nas 26 capitais, porque Brasília não tem eleição de prefeito e vereador, a Rede tentará ter candidatos?
Nós vamos ter os candidatos que forem compatíveis com o critério de programa, representatividade, legitimidade. Não vamos ficar fazendo estratégias puramente eleitoreiras, de ter candidato por ter candidato, porque estamos pensando nas próximas eleições. Cada eleição tem que ser focada nela mesma. Aliás, um grande problema que está acontecendo no Brasil é que você faz a eleição de prefeito pensando na eleição de governador, faz a eleição de governador pensando na eleição de presidente. É isso que faz com que nunca se discuta o município, nunca se discuta o Estado e não se discuta o país. Só se pensa em eleição por eleição, o poder pelo poder. Nós não vamos fazer isso. Vamos ser um partido pequeno, do ponto de vista das estruturas, grande do ponto de vista da legitimidade da inserção social. Mas, obviamente, que as estruturas nos impedirão de poder lançar um número significativo de candidatos. Nós não vamos ter a mesma disponibilidade de fundo partidário como tem os outros partidos, não vamos ter o mesmo tempo de televisão que tem os outros partidos. Nós teremos no máximo, talvez, 12 segundos de tempo de televisão. Então, nós vamos surgir de acordo com as regras e a lei que foi criada, eu acho que, principalmente, para nós. Porque todos os partidos que foram criados anteriormente fazem parte da estrutura anterior. De tempo de televisão, de fundo partidário. Em que os parlamentares que vão, que foram para esses partidos, levavam o tempo de televisão e o fundo partidário. No nosso caso isso não acontecerá. Só daqui a quatro anos, oito anos, quando tivermos os candidatos eleitos endogenamente pela Rede. Nós não teremos as mesmas estruturas que têm os outros partidos. Nem teremos praticamente um fundo partidário. Teremos que trabalhar para ter um fundo voluntário.

É isso que eu iria perguntar. A sra. mencionou estruturas. Qual é a estrutura com que a Rede vai contar, visto que o fundo partidário vai ser diminuto. A expectativa é de que no primeiro ano seja em torno de R$ 1,3 milhão no ano inteiro. Como a Rede pretende ter fundos, se sustentar e criar sua estrutura?
Com a militância dos nossos militantes, simpatizantes e filiados. É isso que eu falei, nós vamos trabalhar na perspectiva de criar um fundo voluntário. Eu vi um artigo um dia desses, de um cientista político que é até meu amigo, Aldo Fornazieri, e ele dizia uma coisa muito interessante, que os partidos se transformaram em autarquias. Hoje eles são financiados pelo dinheiro do contribuinte, compulsoriamente, independente de você concordar com a ideologia ou com o programa você vai pagar para aquele partido. Aparentemente, é uma coisa democrática, por outro lado, esse financiamento compulsório transforma os partidos em autarquias, em que eles já têm o recurso público, do contribuinte, não precisam convencer absolutamente ninguém de contribuir com eles. Eles, aprioristicamente,já prescindem do eleitor para poder ganhar a sua simpatia. Nós vamos trabalhar com o convencimento, com o nosso programa para que as pessoas possam contribuir para que possamos fazer aquilo que é compatível entre a vontade espontânea do cidadão, que quer nos ajudar, e aqueles meios que nós vamos viabilizar voluntariamente.

A Rede talvez seja um dos grupos políticos que mais tem capilaridade com grupos reais na sociedade e que está nascendo de uma maneira diferente dos outros partidos. Não obstante, a sua candidatura, a sra. foi duas vezes candidata [a presidente], 2010 e 2014, não conseguiu ter um sucesso na arrecadação de fundos de indivíduos, pequenas contribuições pela internet, como a sra. teve sucesso nas urnas. A sra. teve mais de 20 milhões de votos. Se cada um dos 20 milhões de eleitores doasse R$ 1 seriam R$ 20 milhões de reais. Quase 20 vezes mais do que a sra. terá de fundo partidário na Rede. Por que acontece esse fenômeno?
Esse é um fenômeno que acontece em países que não têm uma perspectiva de mobilização das sociedade para que ela...

Mas os políticos, a sra. inclusive, têm sido militantes em pedir o dinheiro, a doação?
Com certeza. Em 2010 nós fomos o primeiro partido a colocar uma plataforma na internet para que o cidadão pudesse dar sua contribuição.

Pois é, mas o dinheiro não veio.
Veio daqueles que se conscientizaram. Você não pode tratar o cidadão como se ele fosse alguém que você faz o apelo e ele imediatamente responde. É um processo. Por incrível que pareça, com a crise que está aí parece um paradoxo, mas política também é educação. Em 2010 criei uma frase que eu dizia que a nossa expectativa e o nosso esforço, ao longo de anos, é ter uma realidade política em que muitos possam contribuir com um pouco, em vez de poucos contribuindo com muitos, para que nós tenhamos uma capitalização. Em 2010 nós já fomos o que mais arrecadou voluntariamente. Nós desenvolvemos uma plataforma que se tornou um serviço de utilidade pública. Hoje é disponível para qualquer pessoa, qualquer partido. Porque nós achamos que esse é um mecanismo que não deve ser só para a Rede, mas para todos os partidos. E fizemos o mesmo esforço e não foi pequeno. Em 2014 tivemos contribuições, mas muito aquém daquilo que gostaríamos que fosse. É um processo de conscientização, o eleitor, no Brasil, tem uma expectativa muito baixa, infelizmente, em relação à maioria dos políticos e aos partidos. Aliás, há um estranhamento muito grande. Se os partidos políticos e as lideranças políticas não mudarem suas posturas, dificilmente o eleitor terá um movimento em direção a eles. Então, ninguém está imune a isso. É um processo de convencimento. O eleitor não é um ser passivo de ser manipulado, “me dê o dinheiro”, ele não vai dar. Ele quer olhar, perceber o que vai ser feito com esse dinheiro. É claro que você tem que se expor a isso. E a gente se dispõe a essa exposição. É democracia, se a pessoas querem contribuir, ela vão contribuir. Vão contribuir para um programa, para determinados projetos. Um projeto importante para nós é o da formação política, um outro projeto importante é o de comunicação, de termos uma estrutura para um partido em Rede.

Em 2010, a sra. ficou em 3º lugar, em 2014 também. Teve um patrimônio muito grande de votos, a sra. é a única candidata a presidente da República que em duas eleições consecutivas ficou em 3º lugar e na faixa dos 20 milhões de votos. Isso é um patrimônio eleitoral grande.  Não obstante, quando acabou 2010, muito gente falava, “nossa, a Marina Silva não está aparecendo muito, parece que ela sumiu”. A sra. voltou em 2014 e acabou virando candidata, por conta da tragédia com o Eduardo Campos. E teve uma votação expressiva. Terminou a eleição, a sua presença na mídia se assemelha de novo àquilo que foi a pós-eleição de 2010. Essa sua estratégia de não ter uma presença constante, diária, na mídia. É isso mesmo, uma estratégia?
Não. Não é uma estratégia. É uma postura. Eu continuo fazendo o meu trabalho. Continuo tratando dos temas que fazem parte da minha trajetória de vida, da minha militância política. Obviamente que num momento de crise como esse, que eu considero que ninguém tenha resposta, todos temos que ter uma atitude cautelosa. Os primeiros meses de um governo você tem que deixar o governo se estabelecer. Tem que ter uma postura de respeitar o voto do cidadão para um determinado grupo político, de aguardar o que esse grupo político vai apresentar como parte do seu projeto político, principalmente, quando não apresentou no momento mais importante, que foi durante a campanha. O PT e a presidente Dilma não apresentaram um programa de governo. Naquele momento você tem uma atitude, mas eu continuei, digamos assim, de se resvalar para guardar em cima do que você vai falar, até para não cometer injustiças. Eu continuei falando. Me manifestei através das redes sociais. Em alguns momentos falei com a imprensa, dei entrevistas para jornalistas importantes, que estão interessados em fazer o debate sobre a política. Mas faz parte da minha forma de ser. Eu não tenho uma ansiedade tóxica de falar sobre tudo e ainda falar sobre o resto. Gosto de falar olhando pro mérito das coisas. E eu acho que esse é um momento que exige olhar pro mérito. A gente tem uma tentação muito grande de, muitas vezes, trabalhar com rótulos, ao invés de você trabalhar com a ideia da argumentação, você trabalha com o jargão. E isso é um atraso pra política. Aliás, essa história de atraso para a política, eu não sei se você lembra, mas desde 2010 que eu dizia que o que poderia nos levar a perder as conquistas que a duras penas alcançamos, era o atraso na política. Eu falava isso, parecia um E.T falando. Eu dizia: “o atraso na política pode nos fazer perder a estabilidade econômica, o atraso na política pode nos levar a perder as conquistas sociais”. Exatamente o que aconteceu. E eu até dizia desde 2010 que é preciso fazer um realinhamento político no Brasil, é preciso que os homens e mulheres de bem desse país, em cima de um programa estratégico, sejam capazes de fazer alianças pontuais no que de fato interessa, pensando políticas de longo prazo no nosso curto prazo político para melhorar a vida do país. E aí eu dizia que se ganhar vou governar com os melhores do PT, do PMDB, do PSDB, para mostrar que a velha República tinha que ser aposentada e a nova República vir à responsabilidade. Infelizmente, perdemos a chance de mudar. Agora, com a crise econômica, a crise política, a crise de valores, a corrupção, nós vamos ser mudados. A sociedade não tolera mais o que está acontecendo e obviamente, que, quando você fala, tem que reconhecer a gravidade dos problemas e pensar em resolver a crise, dando o que há de melhor para resolvê-la e evitando o que há de pior que ela já está fazendo com a sociedade.

Ao seu juízo, já entramos no 6º mês do mandato da presidente Dilma Rousseff, como está sendo esse segundo mandato?
Esse segundo mandato da presidente Dilma é Dilma denunciando Dilma. Porque ela está sucedendo ela própria. O presidente Lula, quando assumiu o seu primeiro governo, amaldiçoou a herança que recebeu. A presidente Dilma é a herança dela própria. Então, todos os problemas que hoje estão acontecendo foram criados por ela. Inclusive de subestimar a crise de 2008, que fez parte de uma estratégia do PT, de subestimar a crise, de não reconhecer a gravidade da crise, enquanto todos os outros países estavam tomando medidas para resolver a crise, aqui se estava tratando da crise como uma “marolinha”. E agora, quando os demais estão saindo da crise e começando a colher os frutos do dever de casa feito, nós estamos pagando o altíssimo preço de não termos feito o dever de casa. Infelizmente, a presidente Dilma, que não apresentou um programa durante a campanha, que falou que estávamos no melhor dos mundos e que teríamos uma realidade totalmente colorida, logo em seguida à sua eleição pede a sociedade que faça sacrifícios para uma crise que ela mesma não é capaz de reconhecer. É um governo muito difícil com graves problemas envolvendo a corrupção, a Petrobras, com problemas de governabilidade. Esse presidencialismo de coalizão virou hoje um verdadeiro presidencialismo de confusão, porque você tem 39 ministérios distribuídos entre 10 partidos da base do governo e a presidente não consegue a maioria no Congresso para passar as medidas que tem. Ou quando as consegue aprovar é a um custo muito alto para sociedade em função da barganha que se estabelece.

A presidente, na sua propaganda eleitoral de 2014, mentiu aos brasileiros?
A presidente, na campanha de 2014, disse uma frase e isso está na internet, é dito pela sua própria boca, de que na hora de ganhar uma eleição se faria o diabo, são as palavras dela. E, obviamente, que foi uma campanha em que se extrapolou todos os limites da ética. E não se pode extrapolar os limites da ética para ganhar uma eleição. Não vale tudo para se ganhar o poder. Negar a realidade dos fatos de uma crise que já estava anunciada. Um dia desses, eu ouvi de uma liderança ligada ao Partido dos Trabalhadores, um economista que eu respeito, que é o Marcio Pochmann, que ele dizia que “o ajuste fiscal já estava no Orçamento, a presidente Dilma até era mais conservadora do que o Joaquim Levy [Fazenda], ele está propondo 1,5%, nós estávamos propondo 2%”. Eu até brinquei com o Bazileu [Margarido], que é uma das pessoas que me ajudaram na economia, disse: “vocês não viram isso nesse Orçamento?” Porque o governo já estava assumindo que tinha um grave problema em relação aos problemas fiscais, estava propondo um ajuste fiscal de 2%, segundo o que disse o Marcio Pochmann num debate feito na GloboNews, e durante todo o debate [das eleições de 2014], isso não apareceu como um reconhecimento. Eu diria que a sociedade brasileira se sentiu, com certeza, enganada em muitos aspectos. Inclusive, a campanha violenta que foi feita contra adversários. Eu fui vítima talvez de uma das piores campanhas de desconstrução de um adversário que se tem notícia na história desse país.

Mas isso daí, em linguagem bem popular, a propaganda eleitoral da então candidata, Dilma Rousseff, à reeleição, continha inverdades ou mentiras?
A campanha extrapolou os limites da ética. Tratou os adversários de uma forma injusta. Eu me lembro que era dito, em vários lugares, eu cheguei no Estado do Pará e as pessoas diziam que, pelo fato de eu ser evangélica, eu ia acabar com o Círio de Nazaré. Como se fosse possível uma coisa dessa. Aquela propaganda que passava, onde sumia a comida da mesa das pessoas e era entregue o dinheiro para os banqueiros, atribuídos a minha pessoa. Isso é extrapolar todos os limites da ética. Tirar a comida da mesa dos trabalhadores é o que está acontecendo agora, quando você vê milhares e milhares de empregos desaparecendo no comércio, milhares e milhares de empregos desaparecendo na indústria, milhares e milhares de empregos desaparecendo na construção civil. Esses trabalhadores sim, estão perdendo os seus meios para alimentar a sua família. Quando você vê, no momento de maior dificuldade, que as pessoas estão perdendo o seu emprego, ser dificultado o acesso ao seguro-desemprego, que no tempo do pleno emprego não havia essa dificuldade. As pessoas vendo o Pronatec sendo cortado pela metade para o seu aperfeiçoamento profissional que, digamos assim, no momento do grave do desemprego, ele não conta com os meios e as ferramentas de proteção.

A sra. está mencionando itens do ajuste fiscal. O ajuste fiscal, tal como está sendo proposto, e já em parte implementado pela presidente Dilma Rousseff, por meio do seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy, é apropriado? É menor do que deveria, maior do que deveria? Qual é a sua opinião?
O ajuste, quando foi anunciado sem que a crise tenha sido reconhecida e qualquer autocrítica tenha sido feita, perde muita credibilidade. E com certeza, hoje, ele é mais duro e mais amargo do que se fosse com uma liderança ou dentro de um processo político que tivesse maior credibilidade. A falta de credibilidade faz com que as medidas tenham que ser muito mais duras para poder convencer os investidores. Uma outra coisa que está acontecendo em relação...

Mas tem algum reparo do ajuste que a sra. faria pontual, além dos que a sra. já falou?
Eu acho que o ajuste não pode ser um ajuste sem cara. Não pode ser sem cara.

Mas ele não tem uma cara do governo Dilma?
Não. Quando eu digo cara, a da sociedade brasileira. A cara da Dilma o povo já está cansado de ver. A cara da sociedade brasileira. O ajuste feito sem rosto, sem cara, ele leva a tirar o dinheiro do Pronatec quando os trabalhadores estão ficando desempregados e poderiam passar pelo processo de capacitação. Leva a tirar o seguro-desemprego, dificultar o acesso, quando os trabalhadores estão sofrendo o maior volume de desemprego no nosso país. Tem que fazer um ajuste, inclusive ajustando processos que façam com que, durante a travessia, o país possa ir tomando determinadas medidas que ele saia lá fora mais forte. E mais ainda, o ajuste, a sociedade sabe mesmo qual é o projeto, qual é a estratégia de país? Ou é como diz o [Eduardo] Gianetti: é consertar agora o brinquedo para brincar com ele depois, perto de 2016, de 2018? Qual é o projeto de país? Porque a sociedade está pagando um alto preço pelas medidas que foram tomadas para ganhar essa eleição de 2014. A maquiagem nas contas públicas, o desequilíbrio nas contas públicas. Depois a sociedade paga com elevação alta de tarifas, em relação aos preços administrados, elevação dos juros, como temos hoje acima de 13%. Nós estamos no descontrole da inflação. Tudo isso foi um preço alto. A sociedade vai fazer sacrifício para quê? O ajuste tem que ser um ajuste que faça com que o país possa atravessar a tempestade e, obviamente, chegando lá fora maior e melhor.

Por exemplo, sobre medidas para mitigar o problema ao longo da travessia, como a sra. disse, nesta semana a presidente Dilma Rousseff anunciou o chamado Plano Safra para a Agricultura 2015/2016, e o valor total anunciado, curiosamente, embora o governo esteja cortando gastos, é 20% maior do que o do ano anterior. Não seria essa uma medida que o governo está tomando para ajudar nessa travessia?
É o setor que está segurando a economia. Aliás, nós viramos o país das commodities. E se tiver problema com as commodities agrícolas ou de minério de ferro, aí realmente a gente entra numa situação de descontrole total em relação à recessão que já se está vivendo. A indústria está, enfim, no pó. Hoje representa 9% do Produto Interno Bruto do país, quando já representou mais de 40%. O país tem que fazer determinados ajustes. Como é que vai ser a política de crédito do BNDES depois dessa crise? Vamos continuar com o mesmo padrão que está sendo visto aí? Em determinados momentos, países que entraram em crise fizeram o dever de casa, mas também tomaram as medidas que os levaram a sair da crise mais forte. O ajuste não pode ser uma bandeira sem rosto na proa. O ajuste tem que ser um motor forte na proa para nos impulsionar para novos processos, novas estruturas, que nos ajude a ter políticas que, de fato, seja pensando num projeto de país na infraestrutura, na educação. Acho que cortar dinheiro da educação é um erro. Nós não seremos a pátria educadora? Como é que se corta R$ 7 bilhões em um país que vai precisar de uma força de trabalho cada vez mais qualificada? Que tem 500 mil jovens que tiram zero numa prova de redação.

O governo tem dito que esse é o momento mais agudo, este ano de 2015, das dificuldades econômicas e que, passada a travessia desse deserto, ao longo de 2015, em 2016, já no final deste ano. O ministro Levy fala, toda equipe econômica diz, que o país já estaria preparado para retomar o crescimento no ano que vem. E eles convidam todos os investidores, agentes econômicos, a acreditar nessa previsão. A sra. acha que essa previsão é muito otimista ou ela é exequível dentro do que foi visto até agora?
Queira Deus que seja verdade. A sociedade brasileira está pagando um preço muito alto pelos erros que foram cometidos, por uma visão de projeto de poder pelo poder e por negligenciar a verdade. Eu acho que nós vamos ter uma crise que vai se aprofundar. Porque...

O país tem recessão esse ano. Isso parece que é um ponto pacifico para todos os analistas. No ano que vem, a sra. acredita que essa crise econômica estará superada e o país já pronto para voltar a crescer?
Eu tenho conversado com muita gente, Fernando. Muita gente mesmo. Economistas.

E que juízo a sra. formou?
O que eu ouço dessas pessoas é que vamos ter uma crise que vai se aprofundar, pelo menos pelos próximos dois anos. Sem sombra de dúvida, vamos ter uma crise que vai se aprofundar. Isso é o que eu ouço, não é o que eu desejo para o meu país, sinceramente. E o que está acontecendo vai ter uma repercussão muito forte por que você nota bem que aqueles que setores da economia que estão integrados à economia urbana vão pagar um preço muito alto, porque as empresas terceirizadas vão começar a demitir pessoas. Aqueles que estão prestando serviços associados a vários setores produtivos começam a perder os seus postos de trabalho. E no Brasil, infelizmente, nós não temos um sistema de proteção a esse trabalhador que está ligado à grande locomotiva do desenvolvimento econômico e social. Essa é uma discussão que, inclusive, deveria ser feita agora durante a crise, porque a gente não está imune às crises. A gente não tem como pensar que vamos... E nesse momento agora esse trabalhador urbano, que está ligado ao processo produtivo, enfim, da locomotiva paulista, mineira, até mesmo no Rio de Janeiro, está pagando um preço muito alto. A classe média emergente está pagando um preço altíssimo. Com inadimplência, porque uma boa parte dela já não consegue mais pagar suas contas, com o desemprego, que aumenta a cada dia, essa situação vai piorar. É um processo em cadeia. Então nós temos uma situação que se agrava. E nesse momento é fundamental uma coisa, não é hora de fazermos malabarismos artificiais para recuperar a popularidade. Esse é o momento de se focar na crise, de ter uma atitude de responsabilidade com o país. E ter responsabilidade com o país é fazer as coisas pensando em como a gente evita os danos para a sociedade. É primeiro recuperar a credibilidade. A credibilidade daquilo que se diz, a credibilidade aquilo que se fala e faz. Isso é válido para o governo, é válido para a oposição e é válido para quem está assumindo posição. Nesse sentido, até por um questão de justiça, eu devo dizer que o presidente Fernando Henrique Cardoso está tendo uma atitude de respeito com o país. Se fosse qualquer outro à frente da Presidência da República desse país, com o PT na oposição, com a crise política, a crise econômica, a crise da corrupção que temos hoje com baixíssimos índices de popularidade, esse governo já teria ido ao chão. Acho que há uma atitude de responsabilidade de todas as pessoas e é preciso tê-lo. Não de ser conivente com os erros que foram praticados, mas de ser coerente com o país que nós queremos que não pague o preço alto, mais alto ainda, dos problemas que foram criados. E nesse momento, você fazer malabarismos pensando em recuperar a popularidade é o pior sinal que se pode fazer. Esse é o momento de encarar a verdade, fazer autocrítica, enfrentar os problemas e reconhecer que ninguém sozinho tem a resposta.

A sra. acha que existem elementos suficientes, como alguns da oposição acreditam que existem, para requerer o impeachment da presidente Dilma Rousseff?
O meu posicionamento, desde sempre,  é de que nesse momento não temos uma parte fundamental e importante desses elementos. A presidente tem responsabilidades políticas em relação às denúncias de corrupção do seu governo. Agora, ela não tem, ainda não ficou provado isso, responsabilidade direta. Eu não sou do tipo que acha que os fins justificam os meios. E vejo que muitas lideranças políticas tiveram essa atitude, igualmente, e é o correto a fazer. Não se pode, porque você não concorda com o que está sendo feito pelo presidente de plantão, simplesmente achar que pode removê-lo passando por cima da lei.

Uma parcela do PSDB, não o PSDB todo, sobretudo uma parcela na Câmara dos Deputados, pensa de maneira diversa da sra. e de até líderes do PSDB, acham que sim, haveria condições de requerer o impeachment da presidente. O PSDB, como principal partido de oposição, na sua avaliação tem desempenhado a função que lhe cabe como oposição?
Eu não estou aqui para julgar a oposição. Acho que tem uma situação clássica historicamente no nosso país e uma oposição clássica. A oposição clássica está em crise e a situação clássica está em crise. E eles mesmo criaram essa crise. Essa lógica da oposição pela oposição que perdurou nos últimos anos no nosso país, nas últimas décadas, nos levou a esse abismo da polarização. Eu insisto na ideia de que esse é o momento de reconhecer que a verdade não está com nenhum de nós, que a verdade está entre nós e de que a gente deve assumir posição. Se tem uma coisa boa que a Dilma manda para o Congresso, eu não tenho por que ser contra, se ela não está cumprindo com o seu papel de liderar esse processo, eu não tenho por que ser a favor. Eu acho que há uma crise da política que é grave e que, se a gente não se desdobrar para tentar fazer a travessia, e a travessia não é simplesmente dizer que tudo depende da reforma política, a reforma política é parte do processo, mas enquanto ela não acontece tem uma questão que pode acontecer e que deveria acontecer, que é a mudança de postura. Aliás, sem mudança de postura nunca vamos mudar a lei, nunca vamos mudar as estruturas.

Já falo da reforma política. Deixa eu só fazer mais uma pergunta do PSDB. Em 2014, no segundo turno, a sra. declarou apoio explícito ao candidato Aécio Neves, então candidato do PSDB contra a presidente Dilma, do PT, no segundo turno. Olhando em retrospecto, a sra. está feliz com a decisão tomada e ela teve o efeito que você esperava que tivesse?
Eu apoiei em cima de uma carta compromisso que ele apresentou à sociedade brasileira. Aliás, quando presidente Lula ganhou pela primeira vez, ele apresentou uma carta aos brasileiros dizendo que não iria acabar com a política econômica que vinha dando certo no governo do presidente Fernando Henrique. Assumiu publicamente um compromisso com os mercados. O Aécio Neves, em Pernambuco, apresentou uma carta aos brasileiros dizendo que não ia acabar com os programas sociais que vinham sendo implementados no governo do PT e que iria fazer de tudo para recuperar os fundamentos macroeconômicos do Plano Real, mas mantendo a linha dos investimentos na área social. Foi um gesto muito interessante e eu o apoiei em cima desse compromisso. Em 2010, apresentei a plataforma que eu e Guilherme havíamos defendido no primeiro turno para o Serra e para a Dilma, ambos assumiram os compromissos com ela e naquela oportunidade a estratégia foi que eles, com as nossas propostas que tiveram cerca de 20 milhões de votos, convençam os nossos eleitores de que deverão votar neles. Não é que ficamos neutros, nós oferecemos o que tínhamos de melhor para eles. Infelizmente, o compromisso foi fraco. O do Serra, ele nem assinou o documento, a Dilma assinou que não iria mudar o Código Florestal no que concerne a proteção das florestas, não cumpriu. E em 2014, eu achei por bem fazer diferente, apresentar o programa e me comprometer com uma das candidaturas. E naquele oportunidade foi o Aécio que assumiu o compromisso, até porque a Dilma tinha assumido em 2010 e não tinha cumprido.

Então a sra. acha que o resultado dessa sua decisão política e do seu grupo político foi a mais apropriada naquela ocasião. Ela deixou efeitos ao longo dos meses seguintes, essa sua declaração de apoio em face de Aécio ter se comprometido com o projeto?
Em primeiro não foi o meu grupo político, porque a Rede não tem a história de tomar uma deliberação e enquadrar todos os seus militantes. Nós trabalhamos com a ideia de consensos progressivos. E a posição que saiu era nulo, branco ou Aécio. Eu, individualmente, assumi que ia votar no Aécio e outras pessoas também fizeram o mesmo, assim como alguns assumiram que iam votar nulo, outros assumiram que iam votar em branco, dentro do espectro que a Rede havia deliberado, ou pelo menos sugerido aos seus militantes. Em cima da plataforma eu acho que foi uma coisa boa. Por exemplo, o Aécio reiterou o compromisso, ele assinou em baixo de que não apoiará a PEC que transfere para o Congresso a responsabilidade de demarcação de terras indígenas. Acho que aquele compromisso que ele assumiu publicamente, em Pernambuco, se refletiu agora na prática, na manifestação das populações indígenas. E olha que tem muitas lideranças do PSDB que são favoráveis a essa PEC. Foi um posicionamento meu. Eu não fiz o apoio ao Aécio pensando que aquilo poderia render ou não render para mim. Eu fiz aquilo achando que era o melhor que eu poderia fazer para ajudar o Brasil, para que a gente pudesse colocar, no segundo turno, propostas que tinham sido apresentadas no primeiro turno pela minha campanha e de Eduardo, e que o Aécio se comprometeu na carta de Pernambuco.

A reforma política em curso no Congresso já aprovou alguns itens na Câmara dos Deputados. Queria que a sra., enfim, brevemente dissesse se gostou da decisão, que ainda depende do Senado, de terminar com o instituto da reeleição e dois, de criar uma clausula nova a respeito do acesso que os partidos têm ao Fundo Partidário e ao tempo de TV, ou seja, só terão acesso aqueles que elegem pelo menos um deputado federal. Reeleição e clausula. Qual a sua opinião sobre ambas?
Em relação ao instituto da reeleição, não sei se você lembra, mas desde 2010 que eu era contra a reeleição. E coloquei isso no meu programa. Defendi isso durante a campanha em 2014, porque eu acho que a reeleição é um problema na América Latina. As pessoas não fazem o que é necessário para o país, fazem o que é necessário para se reeleger. Se para se reeleger tem que falsear a realidade, vão falsear a realidade.

Então a sra. é a favor?
Eu sou a favor. Votei contra a reeleição quando ela foi votada no Congresso Nacional e, agora, por duas vezes em duas campanhas fui contra. As motivações que levaram os parlamentares a votar contra ao expediente da reeleição, eu faço como o apóstolo Paulo: seja por amor a Cristo, seja por vaidade, o importante é que pregue o evangelho. Foi uma conquista, uma coisa interessante. Por outro lado, eu acho que nós não temos uma reforma política. Mais uma vez nós estamos tendo ajustes eleitorais para dar mais poderes aos partidos, indo na contramão do que a sociedade está pedindo, do que a sociedade está fazendo. Há um novo sujeito político que está surgindo, demandando mais participação, há um novo sujeito político que demanda melhor qualidade da representação e isso não está acontecendo no Congresso. Por exemplo, uma questão importante que eu advogo, que é a questão das candidaturas independentes. Quebrar o monopólio dos partidos, que pessoas da sociedade que tenham bandeiras e que em cima de um programa registrado no TSE com endosso de determinada proporção de pessoas de acordo com a realidade, se é município, Estado ou no plano federal, que elas possam apresentar candidaturas independentes, para que os partidos tenham um concorrente idôneo. Porque hoje, com o monopólio da política, já não precisam discutir programa, não precisam discutir ideias, não precisam discutir nada. Basta ter fundo partidário, basta ter estrutura nos Estados e municípios. O processo que está aí não dialoga com o que está acontecendo nas ruas.

Se a sra. pudesse fazer uma mudança no sistema político. Só uma. E tivesse condição de fazer. Seria essa da candidatura independente?
Eu não diria isso. Se eu tivesse que fazer uma mudança na política, vou insistir no que estou dizendo, mudar a postura.

Mas eu digo mudar a lei. Na lei, no sistema. Alguma coisa objetiva.
O financiamento público de campanha é uma coisa importante. O financiamento público de campanha misto, com a contribuição de cidadãos, de indivíduos com um teto para essa contribuição. Acaba a contribuição de empresas. E acho que os partidos que defendem isso não devem agora dizer: “não, eu fui derrotado. A lei diz que tem que ser de empresas”. Por que aqueles que são contra o financiamento de empresas não estabelecem que eles só vão receber se for de pessoa física? O financiamento público com o financiamento de pessoa física, com os que concordam. Cada um defendendo sua tese e cada um vai pagando o preço por isso. É por isso que eu insisto, a reforma é na postura. Mas, obviamente, que para mim, é prioritária essa questão das candidaturas independentes. Isso ajudaria a quebrar o monopólio dos partidos. A sociedade está buscando uma nova forma de se expressar. Não é passar por cima dos partidos. Eu mesma estou criando um partido, mas dentro do meu partido nós estamos, inclusive, estabelecendo uma cota, que o congresso vai dizer se é 30% ou 20%, em que pessoas independentes, que sejam compatíveis nos princípios gerais da Rede, mas que não terão que ser filiados orgânicos da Rede, poderão ser candidatos. Desde que tenham uma causa, desde que essa plataforma esteja registrada, para que ele tenha um compromisso com a sociedade.

Sobre as mudanças na sociedade e a insatisfação dos cidadãos com o sistema político, existe uma espécie de ciclotimia em curso. Em junho de 2013, muitos protestos nas ruas que surgiram e todo o Brasil viu. Veio 2014, um ano eleitoral, acreditava-se que esses protestos poderiam se intensificar, afinal de contas era um ano eleitoral, esses protestos foram muito mais modestos. Em 2015, no início do ano, voltaram a acontecer alguns protestos muito contrários ao governo da presidente Dilma, em fevereiro e março. Achava-se que eles iam escalar e aumentar muito. Estamos em junho já e a impressão geral é que parece que deu uma acalmada. Por que é que existe esse sistema sístole e diástole no humor da população? Quando, se a gente olhar, a curva da economia só piorou, tudo só piorou em termo de condições gerais, mas a população às vezes se manifesta, às vezes fica calada um tempo longo.
A gente está vivendo um momento difícil em que o fato da sociedade as vezes não se colocar, não significa que não está insatisfeita, significa que ela pode estar vivendo uma situação que é muito mais grave e dramática que é a da perda da esperança. Inclusive na sua capacidade de mobilização. Por exemplo, a sociedade se mobilizou em setembro agora e tudo que conseguiram fazer, na contramão do que ela estava querendo, foi aumentar os recursos para dar mais força aos partidos. O PT vai ter em torno de R$ 10 milhões por mês, e assim por diante. Os outros partidos igualmente. Os partidos políticos conseguiram, às custas da mobilização da sociedade, mais barganhas junto ao governo para poder votar as coisas que são do interesse da própria sociedade. Chega um determinado momento em que a sociedade também se recolhe. Não significa que essa insatisfação, ela não esteja ali sendo trabalhada em estado de latência. É um fenômeno novo, o fenômeno da mobilização sem a presença dos candidatos, dos partidos e dos líderes carismáticos. É um novo fenômeno que está acontecendo no mundo. É um novo sujeito político que está surgindo. Esse novo sujeito político não está ligado a grandes estruturas, ele não tem a necessidade de um porto seguro do carro de som com bandeiras, é uma realidade que inclusive precisa ter o seu tempo de maturação. Quais são as lideranças que, de fato, sairão a partir desse novo sujeito político...

Não são conhecidas ainda...
Não, não são. E nem acontecem. Um dia desses eu falava: “quantos anos levou para se ter um Aécio Neves? Quantos anos se levou para se ter um Eduardo Campos? Quantos anos se levou para ter um Luiz Inácio Lula da Silva? Quantos anos se levou para ter um Fernando Henrique?”. Existia um processo histórico que era uma superfície de sustentação para que essas lideranças se formassem. Nós não podemos exigir que, ficamos vinte anos no movimento estudantil, no movimento sindical, até surgir uma determinada liderança, não processo político mesmo, agora esses movimentos estão acontecendo e a gente já quer que eles tenham uma proposta, uma ideia de projeto coletivo, uma resposta pronta e acabada? Nós temos é que nos colocar no lugar de superfície de sustentação, de ajudar a fazer com que esse processo, que está acontecendo no mundo inteiro, em que os cerca de 20% da população do planeta têm uma perspectiva reformadora, que clama por mais participação, que clama por melhoria na qualidade dos serviços, que clama por um novo tipo de liderança que não é mais aquele líder que faz tudo e ainda faz o resto. É um processo de poder distribuído, de divisão de autoria, de divisão de reconhecimento e de realização daquilo que se faz. Essa é, digamos assim, a dinâmica que está em curso. Como isso vai se firmar é um processo. O [Zygmunt] Bauman diz que hoje tem um fenômeno que é contraditório, a gente tem liberdade de fazer o que quiser, menos de mudar o que interessa. E ele diz, diante dessa situação, que as pessoas muitas vezes trocam o seu desejo de mudança por segurança. E aí ele dá o exemplo, a União Europeia, durante os anos todos em que discutiu se se seguraria como um bloco, porque havia ali uma série de resistências, quando veio o problema de que eles poderiam se enfraquecer diante de outros blocos econômicos, em nome da segurança as pessoas concordaram. Nos Estados Unidos, agora, digo eu, que a meca do individualismo as pessoas estão deixando bisbilhotar seus e-mails, sua correspondência, em nome da segurança, em função do terrorismo. Aqui não foi diferente, veio a violência da campanha, a sociedade fez uma onda para a mudança forte, semelhante ao que aconteceu em 2013. Mas, diante da violência, criou uma situação de insegurança, a sociedade refluiu para mais do mesmo. E de uma forma piorada pelo que se está vendo agora. Mas isso tudo está em estado de latência. O tempo necessário para que se possa criar as novas ferramentas. Na década de 80, o PT foi um partido que atualizou o processo político, o PSDB foi um partido que ajudou a atualizar o processo político, quem são aqueles agentes que agora podem ajudar a atualizar o processo político? Isso é uma responsabilidade das velhas lideranças. E olha que eu estou me inscrevendo nesse lugar de lideranças velhas.

Operação Lava Jato. Os dois presidentes, das duas 2 do Congresso, Câmara, Eduardo Cunha, e Renan Calheiro, Senado, estão citados nesse caso, podem vir a ser denunciados formalmente. Eles deveriam se licenciar dos cargos?
Nós vivemos uma situação dramática no Brasil. O Poder Executivo com uma série de lideranças envolvidas diretamente em corrupção, os presidentes das 2 Casas envolvidos em corrupção, pelo menos denunciados até que se prove pelo processo e pelo julgamento, em qualquer outra lugar do país, do mundo com certeza, nas democracias evoluídas isso aconteceria...

Eles deveriam se licenciar?
Eu acho que deveriam. Deveriam se licenciar. Principalmente quando você tem certeza da sua inocência. Depois você tem a chance de voltar totalmente por cima.

Eduardo Cunha anunciou que vai acelerar o processo de votação de uma proposta de emenda constitucional que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. Há chances reais dessa proposta ser aprovada. A sra. é a favor ou contra?
Eu sou contra a redução da menoridade penal. Não se vai resolver o problema da violência colocando os nossos jovens, as nossas crianças, na cadeia. Nós temos um adoecimento social, que não pode ser atribuído aos nossos jovens, aos nossos adolescentes. A maior quantidade de pessoas que estão sendo assassinadas, dos 57 mil brasileiros que são assinados por ano, são jovens e jovens negros, pessoas que não tiveram as mínimas oportunidades para poder desenvolver suas potencialidades. Então, essa história de criminalizar a infância com certeza não é a solução para nos dar segurança. Muito pelo contrário, quando a gente não protege os idosos e não protege os jovens, alguma coisa errada está acontecendo com essa sociedade.

Eduardo Cunha disse que vai propor também a votação de uma lei que, se a PEC de redução da maioridade penal para 16 anos vier a ser aprovada, seja realizado um referendo junto com as eleições do ano que vem para que a população diga se é a favor ou contra. A sra. acha boa a ideia do referendo sobre esse tema?
Existe uma questão que muitas vezes levam para as discussões de maioria ou de minoria. Eu mesma já defendi o referendo para algumas questões, como, por exemplo, se fosse para uma discussão isenta sobre a liberalização de alguns tipos de drogas, que hoje são consideradas ilícitas. Isso aconteceu em alguns Estados em outros países, no caso dos Estados Unidos, e foi um debate interessante. Em alguns casos o entendimento da população foi que deveria liberar, em outros não.

Mas na maioridade?
Nesse caso, na maioridade penal, eu acho que é um final já anunciado. Porque a discussão não vai ser feita no mérito. A discussão vai ser em cima do jargão. Não vai ter espaço para argumentação. Hoje, o que está acontecendo é um jargão, “são violentos”. Se você taxa aquele adolescente como violento em si mesmo, isso já é um jargão. Não há mais espaço para argumentação.

Portanto, a sra, não recomenda o referendo nesse caso...
Nesse caso, eu acho. Ou quando não é possível o debate. Só se fosse possível o debate. Eu acho que na situação que nós temos hoje será uma falsa democracia.

Eu estou lendo sua entrevista aqui mesmo [no Poder e Política], em 2013, a sra. defendeu plebiscito sobre flexibilização da prática do aborto ou do consumo da maconha. A sra. disse que poderiam ser possibilidades com discussão, mas disse ser contra, à época, a um plebiscito, por exemplo, sobre casamento gay. Dois anos depois, a sra. mantém essa posição?
A mesma posição para um debate. Se for para a base do rótulo, do jargão, da satanização de que quem é a favor de aborto já é execrado, quem é contra já é execrado, isso não é debate. E nesse momento parece que as pessoas não tem muita disposição para argumentação. A gente propõe as coisas para favorecer o debate. Se não vai favorecer o debate, a discussão no mérito, então passa a ser apenas um pretexto para legitimar sua posição.

Um assunto de costumes que está na televisão. Esta semana uma marca de cosmético chamada “Boticário” fez uma propaganda que passa ao longo do dia e está sendo criticada. Por quê? É para o dia dos namorados. As pessoas se dando presentes e há casais do mesmo sexo. Casais homoafetivos se presenteando. Algumas pessoas acharam excessivo este tipo de propaganda por que enxergaram ali uma apologia a associação de pessoas do mesmo sexo, outras acharam que é um comércio de bom gosto, feito com qualidade. Qual a sua opinião sobre isso?
Eu não vi o comercial, mas a realidade da sociedade, ela é diversa. E essa diversidade faz parte da sociedade. Não se pode discriminar as pessoas nem pela idade, pela cor, pela condição social, nem pela sua posição em relação à sua condição sexual. Eu não acho que se deva discriminar absolutamente ninguém.

Uma propaganda com esse tema é apropriada?
Eu não vi a propaganda. Então não posso dizer. Não vi, sinceramente. E não acho que se deva fazer cavalos de batalha em relação a um fenômeno que acontece na vida das pessoas de um modo geral.

Embora não tenha visto, a sra. acha que é um tema que tratado de maneira adequada...
Está sendo tratado em vários espaços da realidade. Está sendo tratado no Congresso, está sendo tratado em todos os lugares. Faz parte da realidade do mundo, da condição humana. O fato de você ter uma atitude de preconceito contra qualquer pessoa, isso não tem acolhimento em nenhum sistema ético e nem deveria ter acolhimento em nenhum sistema, em nenhuma tradição religiosa. Se você ver, mesmo no cristianismo, as pessoas não encontrarão acolhimento para qualquer tipo de acepção de pessoas. Todas as pessoas devem ser respeitadas, todas as pessoas devem ter seus direitos civis assegurados.

Como está sua saúde?
Minha saúde está bem, graças a Deus. Eu continuo com as minhas restrições por causa das alergias, mas isso já faz parte da vida, há mais de 30 anos que eu sou assim.

A sra. cogita disputar algum cargo nas eleições municipais de 2016?
Não.

Em 2018, Marina Silva será candidata a presidente?
Ainda não sei.

Pode ser?
Ainda não sei. Não sei, sinceramente. Não sei qual é a melhor maneira de contribuir com o Brasil. Eu repito o que eu disse pro Eduardo Campos, eu não tenho como objetivo de vida ser presidente do Brasil. Eu tenho como objetivo de vida que o Brasil seja um país economicamente próspero, socialmente justo, culturalmente diverso e ambientalmente sustentável. Esse é o meu objetivo de vida. Se para isso tiver que ser presidente da República, eu já me dispus por duas vezes. Mas não significa que deva sê-lo o tempo todo. Eu quero contribuir para o Brasil ser melhor.

Marina Silva, 2 vezes candidata a presidente, ex-senadora, muito obrigado por sua entrevista.
Obrigada você.