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"Golpe à paraguaia"? Semelhanças e diferenças entre casos de Dilma e Lugo

Em 2011, a presidente Dilma Rousseff e o então presidente paraguaio Fernando Lugo se reúnem em Assunção - Jorge romero/AFP
Em 2011, a presidente Dilma Rousseff e o então presidente paraguaio Fernando Lugo se reúnem em Assunção Imagem: Jorge romero/AFP

Fernando Notari

Do UOL, em São Paulo

29/04/2016 06h00

A comparação entre o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff (PT) e o impedimento do ex-presidente do Paraguai Fernando Lugo, em 2012, já provocou uma crise diplomática entre os dois países.

O termo “golpe democrático à paraguaia”, que teria sido usado por Dilma em outubro do ano passado, deixou o governo paraguaio insatisfeito e levou o governo brasileiro a negar que a presidente tenha feito tal de declaração.

Com o apelo feito por Dilma na semana passada para que Mercosul e Unasul (União de Nações Sul-Americanas) acompanhem “o golpe que está em curso no Brasil” e levando em conta que as nações sul-americanas consideraram que houve "ruptura da ordem democrática" no Paraguai, em 2012, e decidiram pela suspensão temporária do país dos blocos, a reportagem procurou especialistas para avaliar se há semelhanças ou diferenças entre os dois processos.

A oposição e o vice-presidente Michel Temer têm procurado afirmar para a opinião pública internacional que o processo não se trata de um "golpe".

Semelhança: minoria parlamentar

Como Dilma, Lugo não tinha maioria no Congresso e seu governo estava paralisado no momento em que houve seu impedimento. "Ele tinha 3% de apoio", afirma o cientista político e economista Ricardo Sennes, coordenador-geral do Gacint/USP (Grupo de Análise de Conjuntura Internacional).

No caso brasileiro, o governo perdeu a eleição da presidência da Câmara no início do segundo mandato. Quando o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi eleito presidente da Câmara dos Deputados com 267 contra 136 do candidato do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP). E a partir de então, a oposição provocou uma série de derrotas, como no caso da redução da maioridade penal ou da terceirização dos funcionários de empresas em atividades-fim.

Semelhança: relação conflituosa com o vice

O presidente do Paraguai tinha em Federico Franco, o vice-presidente eleito pela sua chapa, membro do Partido Blanco, um adversário político. Logo depois da eleição, Franco e o partido racharam com o mandatário e se afastaram. Apesar de o PMDB ter desembarcado formalmente do governo Dilma às vésperas da votação do impeachment na Câmara, Michel Temer, vice da petista, nunca foi considerado um aliado da mandatária.

Diferença: crise econômica

Diferentemente do caso brasileiro, o Paraguai de Lugo não estava em crise econômica. "Dilma está em uma retração cavalar, uma crise raramente vista na história do país", afirma Sennes.

Semelhança: questionamento ao crime

No Paraguai, o principal fator jurídico a motivar o impeachment de Lugo se deu na responsabilização do ex-presidente pelas 17 mortes decorrentes de um conflito entre policiais e sem-terra, episódio conhecido por “Massacre de Curuguaty”. Apoiadores de Lugo contestam sua culpabilização pelo ocorrido, argumento endossado por Wagner Iglesias, professor do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da USP (Universidade de São Paulo).

“Deveria recair culpa, talvez, sobre as autoridades locais”, avalia Iglesias. “A impressão que dá é que procuravam pretexto para tirá-lo do poder”. O professor lembra que o ex-presidente, à época, sinalizou com uma “pequena reforma agrária”. “Paraguai é um país de grandes proprietários rurais, isso incomodou muito”.

Dá-se aí a semelhança, afirma. “Busca-se um pretexto para dar fim a um governo que está perdendo apoio político. Pretexto que, às vezes, é contestável no ponto jurídico, mas a oposição, com maioria congressual, consegue vencer o presidente”.

No processo brasileiro, “se não ficar caracterizado crime de responsabilidade, é sim [golpe]. Se não se caracterizar o crime, como está na lei, não é impeachment. É um julgamento que não tem mais caráter jurídico. Sabemos que não é um caso 100% jurídico, mas há de ter uma dose disso. Se não, é puramente político, e o impeachment é instrumento jurídico – ou deveria ser, em teoria”. 

Diferença: Tempo de defesa

Segundo os especialistas, Lugo teve pouco tempo para realizar a sua defesa: apenas 24 horas para prepará-la e duas horas para sustentá-la. Dilma, por outra, tem maior tempo para expor seus argumentos.

"Tudo correu dentro do período previsto pela Constituição do Paraguai, mas não havia condição de apresentar uma defesa em tão pouco tempo. Foi uma lei feita para inviabilizar a defesa de qualquer presidente que sofresse um processo de impeachment", diz Iglesias.

Semelhança: Respeito às "regras do jogo"

Para Sennes, havia no Paraguai uma legislação com áreas cinzentas e de ampla interpretação, o que pode ser criticado, mas não considera que houve um golpe de Estado porque não se "rasgaram as regras do jogo".

"Acho que teve [no Paraguai] um movimento político que aproveitou um preceito constitucional. Você pode ser crítico à celeridade do processo, mas entre aceitar esse tipo de crítica e dizer que é golpe há uma distância razoável. Golpe é ruptura de regra de jogo e isso não ocorreu", explica.

"Até o momento, [no Brasil] também não tem nada de golpe. Vejo uma tremenda disputa política, de novo respeitando todo o ritual que um processo como este demanda. Há um processo legal, previsto. Ocorrem disputas de interpretação que acabam sendo levadas ao STF [Supremo Tribunal Federal], que acaba resolvendo com seus próprios critérios", conclui Sennes.

Diferença: Instituições democráticas

Dilma Rousseff, avaliam Iglesias e Sennes, está mais protegida do que Lugo contra arbitrariedades no processo de impeachment, porque as leis do Brasil conferem procedimentos mais claros e com mais etapas a se cumprir.

"No Paraguai, havia definição na Constituição de um procedimento vinculado ao processo de impeachment diferente do Brasil. Lá não havia previsão de algum fato, como crime de responsabilidade, para ser usado de critério para o impeachment avançar. Ficou definido um mecanismo relativamente aberto de interrupção de mandato presidencial, no qual também não se definia bem o rito pelo qual esse procedimento de impeachment deveria passar no Congresso", diz Sennes.

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