Revogar prisão de Mantega está certo, mas argumento é errado, dizem juristas
Ao revogar a prisão temporária do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, o juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos da Lava Jato na primeira instância, consertou uma decisão equivocada, mas utilizando uma justificativa errada, na opinião de juristas ouvidos pela reportagem do UOL.
"O fato de a prisão ter sido revogada consertou algo que estava mal decretado, mas com um argumento que não é correto", questiona o ex-desembargador e professor de direito Wálter Maierovitch.
Em sua decisão de soltar Mantega, Moro usou como argumento dois fatos: de que "as buscas nos endereços dos investigados já se iniciaram" e que o ex-ministro "acompanhava o cônjuge no hospital e, se liberado, deve assim continuar", o que, na opinião do juiz federal, diminui os riscos de "interferência da colheita das provas".
"As diligências podem ser feitas com o sujeito na própria casa. Se ele resistir, tem a prisão em flagrante", critica Maierovitch, para quem a prisão do ex-ministro foi "desnecessária" e "mal imposta".
"[A revogação da prisão] demonstra que ele [Moro] percebeu que a repercussão [da detenção de Mantega] foi muito ruim; demonstra que ele percebeu que estava errado, que uma prisão naquelas circunstâncias não se justificava", opina o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello.
Prisão em hospital
Inicialmente, a PF foi até a casa de Mantega no bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, mas o ex-ministro não estava no local. O ex-ministro acompanhava a mulher em um hospital da capital. Ela iria ser submetida a uma cirurgia na unidade de saúde.
A força-tarefa da Lava Jato disse que foi "uma infeliz coincidência" o ex-ministro ter sido preso no mesmo dia em que sua mulher seria operada.
José Roberto Batochio, advogado de Guido Mantega, afirmou que a prisão foi "absolutamente desnecessária". A revogação da prisão foi determinada por Moro no começo da tarde de hoje.
Segundo a força-tarefa da Lava Jato, em 2012, o então ministro Mantega atuou diretamente junto ao empresário Eike Batista, à época dono da empresa OSX que havia sido contratada pela Petrobras, para negociar o repasse de recursos para pagamentos de dívidas de campanha de partidos políticos aliados do governo, relativas às eleições de 2010.
De acordo com o Ministério Público Federal, Eike disse em depoimento que, para realizar o pagamento, firmou um contrato falso com uma empresa ligada ao ex-marqueteiro do PT João Santana e sua mulher, Mônica Moura, que foram presos pela Lava Jato em outra fase da operação.
Batochio disse que o ex-ministro da Fazenda "nega peremptoriamente qualquer tipo de diálogo com o empresário Eike Batista". Segundo Batochio, Mantega afirmou a ele que "nunca conversou" com Eike.
Mantega comandou o ministério da Fazenda entre 2006 e 2014, nos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Ele também foi presidente do Conselho de Administração da Petrobras.
Críticas
"Os fatos apontados como ilícitos se deram há muito tempo. Qual é a necessidade, passado tanto tempo, de ele perder a liberdade temporariamente? Ele não está resistindo a nada, não está mais no governo, tem domicílio fixo, não se envolve com questões da política. Processualmente, a necessidade disso é nenhuma", analisa Maierovitch.
"[A prisão do Mantega] foi uma coisa desproporcional [...] Trata-se de um ato desumano", afirmou Bandeira de Mello.
A questão também foi alvo de forte repercussão entre petistas, que também criticaram a falta de "humanidade" das circunstâncias. "Se isso é verdade [que foi preso no centro cirúrgico do hospital], qualquer tese de humanitarismo foi jogada no lixo porque o Guido é um homem que foi ministro da Fazenda, que tem residência fixa. As pessoas poderiam tratá-lo como se trata todo ser humano", disse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"Ele não estava no centro cirúrgico [quando foi feita a abordagem]. Não houve entrada de hospital, nem no centro cirúrgico", explicou o delegado da PF responsável pela operação, Igor Romário de Paula.
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