Delação liga chefe de obras de Pezão a cartel em licitações na gestão Cabral
Prestes a completar dez anos na presidência da Emop (Empresa de Obras Públicas do Rio de Janeiro), o engenheiro civil Ícaro Moreno Júnior foi citado como intermediário na negociação entre o governo do Estado e dez empreiteiras acusadas de fraude e formação de cartel em licitações de obras de urbanização do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) das favelas.
As revelações são da construtora Andrade Gutierrez, que fez parte do esquema, em acordo de leniência firmado com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) na última segunda-feira (28).
As informações se referem a obras realizadas na gestão do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) --preso na Operação Calicute, da Polícia Federal, e acusado de encabeçar um grandioso esquema de pagamento de propina em obras do Estado.
Após a renúncia do ex-chefe do Executivo, em 2014, Ícaro foi mantido no cargo pelo vice de Cabral e seu sucessor, Luiz Fernando Pezão (PMDB), e permanece até hoje à frente da Emop.
Procurada pelo UOL, a assessoria de comunicação da empresa pública informou que "todos os procedimentos foram feitos dentro da legalidade, baseados na lei de licitações, sem infração à ordem econômica". A reportagem tentou contato telefônico com Ícaro em dois números de telefone distintos, na quinta-feira (1º) pela manhã e à tarde, mas não obteve retorno. Após a publicação da reportagem, nesta sexta (2), houve nova tentativa, também sem sucesso.
Foram três consórcios vencedores do certame do PAC das favelas, realizado em 2008: "Novos tempos" (Rocinha), formado por Queiroz Galvão, Caenge e Carioca; "Manguinhos" (Manguinhos), com Andrade Gutierrez, Camter e EIT; e "Rio Melhor" (Complexo do Alemão), com Odebrecht, OAS e Delta. A Camargo Corrêa participou do conluio, mas se retirou do consórcio liderado pela Andrade Gutierrez antes da licitação.
Com base nos depoimentos dos representantes da Andrade Gutierrez, o relatório do Cade afirma que as empreiteiras escolhidas pelo governo foram beneficiadas em razão de doações eleitorais destinadas à campanha de Sérgio Cabral, eleito governador do Rio em 2006.
Além de trocar informações e combinar preços, condições e vantagens no processo licitatório, as empresas adulteraram o edital de forma a prejudicar os concorrentes, de acordo com o relatório do Cade. Tudo isso teria ocorrido com conivência e participação do governo do Estado, por meio da Emop e da Secretaria de Estado de Obras.
À época, a secretaria era comandada por Pezão, hoje governador do Rio. O UOL solicitou entrevista com o governador, mas foi informado por sua assessoria de imprensa que "não há disponibilidade na agenda no momento". Instada a comentar o assunto por meio de nota, a assessoria informou apenas que a reportagem deveria direcionar a demanda à Emop.
Na última quarta-feira (30), o Cade solicitou instauração de processo administrativo para apurar os fatos narrados na delação da Andrade Gutierrez. O relatório, que contém depoimentos, e-mails, troca de mensagens e outros elementos probatórios fornecidos por executivos e ex-executivos da empreiteira, tem a chancela dos membros do MPF (Ministério Público Federal) que integram a força-tarefa da Lava Jato no Rio.
Este é o quinto acordo de leniência publicado pelo Cade no âmbito da Lava Jato. Se a Andrade Gutierrez cumprir o acordo e entregar elementos que provem a delação, recebe em troca a possibilidade de continuar participando de licitações para concorrer a contratos com o poder público.
Reunião na Emop
O esquema revelado pelos delatores teria tido início em maio de 2007, cinco meses depois de Cabral tomar posse como governador do Estado. Na ocasião, o então secretário de Governo e braço direito de Cabral, Wilson Carlos (também preso na Operação Calicute), recebeu representantes das empreiteiras Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Carioca Engenharia, Delta Construções, OAS, Odebrecht e Queiroz Galvão em um encontro no Palácio Guanabara.
"Na referida reunião, Wilson Carlos informou a AQ [iniciais do delator, o ex-executivo da Andrade Gutierrez Alberto Quintaes] que três lotes relacionados às obras de urbanização das comunidades do Rio de Janeiro seriam futuramente licitados e que caberia à Queiroz Galvão liderar o consórcio que executaria a obra na comunidade da Rocinha; à Andrade Gutierrez liderar o consórcio que executaria a obra no Complexo de Manguinhos; e à Odebrecht liderar o consórcio que executaria a obra no Complexo do Alemão."
Ao fim da reunião, Carlos orientou Quintaes a agendar uma reunião na Emop, onde ele e os outros executivos seriam recebidos pelo presidente do órgão, Ícaro Moreno Júnior. A finalidade seria explicar "quais seriam as empresas que dividiriam entre si o mercado de obras do Alemão, Manguinhos e Rocinha" --em referência a outras empresas de construção civil que posteriormente se juntariam aos concorrentes selecionados.
Além disso, Quintaes receberia instruções sobre como "deveriam proceder para implementar a divisão de mercado" e "como tais empresas auxiliariam o governo do Estado do Rio a elaborar o projeto básico da licitação e obter recursos do PAC para custear a referida licitação".
A primeira reunião entre Moreno Júnior e representantes da Andrade Gutierrez, da Carioca Engenharia, da OAS, da Odebrecht e da Queiroz Galvão ocorreu em 11 de maio de 2007. Na versão dos delatores, a Delta não compareceu ao compromisso porque já mantinha relações "muito próximas" com o governo, o que lhe permitia resolver questões referentes à licitação diretamente com o Palácio Guanabara, sem intermediários.
Como o governo já havia definido a formação dos três consórcios e a distribuição da participação de cada uma das construtoras, narra o acordo de leniência, o encontro serviu apenas para comunicação formal aos interessados.
Na segunda etapa do esquema fraudulento, as dez empresas que formaram os consórcios montaram um "grupo de estudos" para elaborar em conjunto o edital de licitação que seria posteriormente lançado pelo governo do Estado. Segundo o acordo de leniência, Moreno Júnior tinha conhecimento desse fato e, inclusive, participou de uma reunião as negociações a fim de intermediar um conflito entre as empreiteiras.
Versão das empreiteiras
A Andrade Gutierrez informou ao UOL que pretende colaborar com as investigações e que acredita "ser esse o melhor caminho para construção de uma relação cada vez mais transparente entre os setores público e privado".
A Camargo Corrêa, por sua vez, informou já ter firmado acordo de leniência para corrigir irregularidades e ressaltou que, apesar de citada, não participou dos projetos mencionados na delação da Andrade Gutierrez.
Procurada pela reportagem, a Odebrecht não se manifestou sobre a denúncia de cartel. Informou, em nota, que já adotou medidas concretas para reforçar seu compromisso com uma atuação ética, íntegra e transparente.
As construtoras Delta, OAS e Carioca Engenharia não se pronunciaram sobre os fatos narrados no acordo de leniência. A Queiroz Galvão informou que não se manifesta sobre investigações que ainda estão em andamento. A EIT e a Caenge foram procuradas por telefone e e-mail nesta quinta-feira (1º), mas não se pronunciaram até a publicação da reportagem.
O UOL ligou na sede carioca da Camter e foi informado que a empresa fechou. Por isso, não havia nenhuma pessoa ligada à companhia para tratar das suspeitas sobre as obras no Rio.
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