Empreiteiras montaram QG para elaborar editais de licitações de Cabral, diz delação
Um cartel formado por dez empreiteiras, com conivência e participação do governo do Estado do Rio, montou um escritório para elaborar de forma fraudulenta editais de licitações de obras de urbanização do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) em favelas cariocas. A descrição do esquema faz parte da delação da Andrade Gutierrez, que confessou sua participação em acordo de leniência firmado com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), na segunda-feira (28).
As fraudes teriam ocorrido entre 2007 e 2008, na gestão do então governador Sérgio Cabral (PMDB) --preso na Operação Calicute, da Polícia Federal. Ele é acusado de encabeçar um grandioso esquema de pagamento de propina em obras do Executivo, o que inclui o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) das favelas.
Procurado pelo UOL, o Executivo fluminense informou que a reportagem deveria consultar a Emop (Empresa de Obras Públicas). O órgão, por sua vez, afirmou que as licitações citadas pela Andrade Gutierrez "foram feitas dentro da legalidade, baseados na lei de licitações, sem infração à ordem econômica".
Foram três os consórcios vencedores do certame do PAC das favelas, realizado em 2008: "Novos tempos" (Rocinha), constituído por Queiroz Galvão, Caenge e Carioca; "Manguinhos" (Manguinhos), com Andrade Gutierrez, Camter e EIT; e "Rio Melhor" (Complexo do Alemão), com Odebrecht, OAS e Delta. A Camargo Corrêa participou do conluio, mas se retirou do consórcio liderado pela Andrade Gutierrez antes da licitação.
Em maio de 2007, um ano antes da licitação e cinco meses após Cabral tomar posse, as empreiteiras participaram de reuniões com o então secretário de Estado de Governo, Wilson Carlos (braço direito do ex-governador e também preso pela PF), e com o presidente da Emop, Ícaro Moreno Júnior.
O UOL tem feito sucessivas tentativas de contato telefônico com Ícaro desde quinta-feira (1º), sem sucesso. Ele foi mantido no cargo por Luiz Fernando Pezão (PMDB), atual chefe do Executivo, e continua à frente da Emop até hoje.
Na ocasião, as construtoras foram informadas quanto à participação de cada uma no cartel e aos detalhes operacionais do esquema, segundo a delação. Posteriormente, elas se juntaram para formar um "grupo de trabalho", "constituído por técnicos de todas as dez empresas participantes do conluio" para "estudar e elaborar os documentos da futura licitação do PAC".
O relatório do Cade narra que o grupo começou a trabalhar em um escritório montado na sede da Carioca Engenharia, em São Cristóvão, bairro da zona norte carioca. Os custos referentes a esse imóvel eram "rateados entre as empresas participantes do conluio", de acordo com documentos obtidos pelos investigadores. Entre os gastos, estariam o aluguel do imóvel, equipamentos de informática e viagens de funcionários. As empresas pagaram, inclusive, por estudos técnicos que seriam de responsabilidade do Executivo.
O objetivo do grupo era "coordenar a elaboração do projeto básico, do edital de licitação e preparar todos os demais documentos da futura licitação, a fim de direcionar o resultado do certame".
"Segundo informam os signatários [do acordo de leniência], a ideia era elaborar um edital que restringisse a habilitação de concorrentes não participantes do conluio e, portanto, favorecesse a habilitação apenas dos consórcios em conluio."
Previsto na Lei de Licitações, o projeto básico é um componente obrigatório em qualquer processo licitatório. Em resumo, é o documento que detalha todas as demandas e especificidades de uma obra ou serviço, além de precisar as circunstâncias e a metodologia a ser empregada.
Isso significa dizer que as empresas escolhidas pelo governo do Rio definiram antecipadamente todas as exigências técnicas e operacionais que o Executivo viria a impor no certame do PAC das favelas.
Até mesmo uma apresentação em PowerPoint (software da Microsoft) que foi exibida pelo governo em um evento do PAC das favelas no Canecão, casa de shows da zona sul carioca, em 2 de julho de 2007, teria sido desenvolvida por técnicos das empreiteiras Andrade Gutierrez, Carioca Engenharia, Delta Construções, Queiroz Galvão, OAS e Odebrecht.
O arquivo foi entregue diretamente ao presidente da Emop, Ícaro Moreno Júnior, segundo o acordo de leniência.
Também houve reuniões entre altos executivos das construtoras em outros endereços, entre os quais os das sedes da Andrade Gutierrez e da Odebrecht, no Rio. Um dos delatores ouvidos pelo Cade, Alberto Quintaes (ex-superintendente comercial da Andrade Gutierrez), afirmou que as reuniões eram facilitadas porque as duas empresas tinham escritórios no mesmo prédio, em Botafogo, na zona sul da cidade, porém em andares distintos.
No alto escalão, os encontros se resumiam à discussão de assuntos estratégicos do processo licitatório, como adequação dos "projetos das obras aos recursos financeiros, inclusive os provenientes da União, que o governo do Estado dispunha e havia estipulado".
Desavença entre empreiteiras
Depois de um mês de trabalho, em reunião realizada no escritório de São Cristóvão, houve uma briga entre executivos de duas empresas, de acordo com a Andrade Guetierrez. A empreiteira entendeu, na ocasião, que os técnicos estavam estudando apenas um dos lotes, o do Complexo do Alemão, cuja licitação estava prometida ao consórcio liderado pela Odebrecht.
Por conta do desentendimento, o superintendente comercial da Andrade Gutierrez teria ordenado que todos os técnicos da empresa e das construtoras parceiras (EIT e Camter) "pegassem seus materiais e fossem embora do escritório".
Posteriormente, eles se instalaram em um novo imóvel, em Copacabana, na zona sul. Um dia após a briga, o presidente da Emop foi informado da divisão no grupo de trabalho, de acordo com a delação.
Versão das empreiteiras
A Andrade Gutierrez informou ao UOL que pretende colaborar com as investigações e que acredita "ser esse o melhor caminho para construção de uma relação cada vez mais transparente entre os setores público e privado".
A Camargo Corrêa informou já ter firmado acordo de leniência para corrigir irregularidades e ressaltou que, apesar de citada, não participou dos projetos mencionados na delação da Andrade Gutierrez.
Procurada pela reportagem, a Odebrecht não se manifestou sobre a denúncia de cartel. Informou, em nota, que já adotou medidas concretas para reforçar seu compromisso com uma atuação ética, íntegra e transparente.
As construtoras Delta, OAS e Carioca Engenharia não se pronunciaram sobre os fatos narrados no acordo de leniência. A Queiroz Galvão informou que não se manifesta sobre investigações que ainda estão em andamento. A EIT e a Caenge foram procuradas por telefone e e-mail na quinta (1º) e sexta-feira (2), mas não se pronunciaram até a publicação da reportagem.
O UOL ligou na sede carioca da Camter na quinta-feira e na sexta e foi informado que a empresa fechou. Por isso, não havia nenhuma pessoa da companhia para tratar das suspeitas sobre as obras no Rio.
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