Repasse do Criança Feliz não paga 1/3 de custos do programa, dizem municípios
Lançado em outubro de 2016, o programa Criança Feliz --que tem a primeira-dama Marcela Temer como embaixadora-- tem um "grave subfinanciamento", o que onera os cofres municipais e ameaça o futuro do projeto. A conclusão é de um estudo feito pela CNM (Confederação Nacional dos Municípios), que alerta aos prefeitos que o valor repassado aos municípios que aderem ao programa não chega a bancar nem sequer um terço dos custos com a folha de pagamento.
O Criança Feliz prevê um teto de repasse federal entre R$ 5.000 e R$ 10 mil mensais ao município. Para isso, as cidades foram divididas em três grupos. A estimativa da CNM levou em consideração as remunerações e encargos trabalhistas e sociais dos contratados.
Segundo a CNM, como a normativa também não prevê cofinanciamento estadual para os municípios, cabe exclusivamente às prefeituras complementarem o valor.
A entidade ainda critica que há apenas 12 repasses no ano, "o que exclui o custeio do 13º salário das equipes de referência".
"Nota-se que, em todas as estimativas apresentadas, os municípios terão um gasto superior ao repasse feito pelo governo federal, logo os gestores que pactuarem com o programa Criança Feliz terão de aumentar suas equipes de referência, bem como dispor de recursos extras", conclui o estudo.
Além dos custos de pessoal, a CNM afirma que há outros valores necessários para manter o programa. "[O governo] não prevê as despesas operacionais e administrativas complementares necessárias para fazer com que o programa funcione, tais como automóvel, motorista, sala, material de escritório etc. (...) É necessário que se observe o programa em sua totalidade, pois o que faz a gestão de um programa social não é somente a disponibilização da equipe para o atendimento à população, mas as condições de trabalho dessa equipe e principalmente a qualidade do atendimento ofertado ao seu público", diz o levantamento.
Investimento seria de R$ 1 bi; orçamento foi de R$ 328 mi
Quando foi lançada, a ideia do governo era investir R$ 1 bilhão em 2017 e R$ 2 bilhões em 2018. Mas o valor colocado na LOA (Lei Orçamentária Anual) de 2017 foi bem menor: R$ 328 milhões.
De acordo com o cálculo feito no estudo, caso todos os municípios assinem adesão ao projeto, os gastos totais com o programa ficariam entre R$ 982 milhões a 1,8 bilhão.
"Em se tratando de orçamento, a diferença entre o aprovado pela LOA 2017, R$ 328 milhões, e o anunciado pelo ministro em entrevistas para o corrente ano, R$ 1 bilhão, é exorbitante, chegando a ultrapassar os R$ 672 milhões, mais que o dobro do valor previsto para as ações do programa", de acordo com o levantamento.
A diferença nos valores apresentados no estudo leva em conta possíveis diferenças salariais dos trabalhadores contratados para o programa. Na primeira hipótese, o salário de visitadores seria R$ 937; e dos supervisores, R$ 1.300. Na segunda hipótese, levou-se em conta a sugestão de remuneração apresentada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome: de R$ 1.600 para os visitadores e R$ 3.000 para os supervisores.
Apesar das críticas à forma como é financiado, a CNM diz que o programa é uma "proposta positiva" e reconhece o "mérito dos programas sociais que visam minimizar os riscos sociais e fortalecer as comunidades mais carentes".
Governo incrementará valor mensal por indivíduo, diz ministério
Em resposta ao UOL, o MDSA (Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário) informou que "desconhece as estimativas realizadas pela CNM", mas adianta que o valor previsto pela LOA pode crescer por meio de crédito adicional.
A pasta afirma que "o governo federal vai incrementar o valor mensal por indivíduo acompanhado de R$ 50 para R$ 65", o que deve aumentar o repasse aos municípios.
"Para garantir uma atuação mais efetiva da Assistência Social no Programa, o MDSA reajustará o valor repassado aos municípios para o atendimento à população em vulnerabilidade pelo Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (Paif) nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras). O aumento médio está sendo de 45%, o que possibilitará estruturar e ampliar a rede de atenção às famílias", informou.
O programa Criança Feliz é coordenado pelo MDSA em parceria com os ministérios dos Direitos Humanos, Educação, Saúde e Cultura. A ideia principal é que técnicos façam visitas domiciliares para mostrar aos pais a maneira correta de estimular o desenvolvimento dos filhos nos primeiros mil dias de vida --quando o cérebro se estrutura e a maior parte das competências fundamentais para o ser humano se desenvolvem.
São prioridades gestantes e crianças de 0 a 3 anos de idade beneficiárias do programa Bolsa Família, crianças de até 6 anos que recebem o Benefício de Prestação Continuada e as afastadas do convívio familiar por medida protetiva.
O lançamento do programa marcou o primeiro discurso oficial de Marcela no governo. Em fevereiro, ela reuniu primeiras-damas estaduais em Brasília "para pedir empenho nas adesões dos municípios".
Até hoje, o programa teve a adesão de todos os Estados e do Distrito Federal e de 2.547 municípios (de 3.279 elegíveis).
Em São Paulo, contudo, o programa foi inicialmente barrado. O Comas (Conselho Municipal de Assistência Social), responsável por avalizar a entrada do município no projeto para a primeira infância, não autorizou a adesão por considerar "haver ausência de informações em relação às questões técnicas, operacionais, metodológicas e conceituais" do projeto federal. Quatro dias depois, o programa foi lançado.
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