AGU e MPF "brigam" sobre bloqueio judicial de R$ 2,1 bilhões da Odebrecht
Uma decisão assinada na última sexta-feira (24) pelo juiz federal Friedmann Wendpap, da 1ª Vara Federal de Curitiba, expõe uma disputa aberta no governo federal que pode, na prática, jogar por terra o acordo de leniência firmado pela empreiteira baiana Odebrecht com o MPF (Ministério Público Federal), em dezembro passado, na Operação Lava Jato.
Na decisão, o juiz trata, principalmente, do bloqueio de R$ 2,1 bilhão em bens da Odebrecht, sequestrados pela Justiça como forma de garantir que seja coberta parte do prejuízo causado aos cofres públicos na construção da refinaria de Abreu e Lima, da Petrobras, em Pernambuco.
Por conta do acordo de leniência, o MPF alega que o bloqueio não tem cabimento. A AGU (Advocacia-Geral da União) discorda. Wendpap deu razão ao MPF, mas da decisão ainda cabem recursos. E não poupou críticas à disputa entre os dois órgãos.
"O Estado não pode se fragmentar em múltiplos órgãos, cada qual simbolizando a idiossincrasia de seus agentes públicos", escreve, na decisão. Noutro ponto, é mais enfático. "Em alguns momentos o cotidiano esquizofrênico do nosso Estado deve ceder passo à racionalidade. [São] Ocasiões em que se faz história e não apenas tange-se a rotina como devir enfadonho."
Procurada pela reportagem, a AGU informou que está analisando o recurso cabível. Já o MPF disse que não comentaria a decisão do juiz.
Os argumentos
A sentença do juiz traz alguns dos argumentos brandidos por cada um dos lados na disputa. "A União não pode valer-se dos bônus de tais acordos [de leniência] sem arcar com os ônus", sustenta o MPF. Entre os bônus, estão os valores a serem recuperados dos crimes assumidos pela empreiteira. Na outra ponta, o ônus do acordo é o limite estabelecido para as punições --o firmado pela Odebrecht prevê o pagamento de mais de R$ 8,5 bilhões à União.
A AGU não se mostra satisfeita. "Se o MPF se satisfez com os valores negociados [no acordo de leniência], renunciando ao ressarcimento integral, esta decisão deve ser respeitada, mas não pode ser imposta aos demais órgãos que detêm competência sobre a matéria", afirma o órgão, segundo a descrição do juiz.
Diz ainda a AGU: "Não se mostra possível o desbloqueio dos valores [bloqueados, pois], inexiste certeza sobre a suficiência dos valores acertados com o MPF, (...) porque não existe certeza sobre o montante devido [pela Odebrecht]" --uma vez que as investigações sobre eventuais crimes cometidos pela empresa não estão concluídas.
Argumentos insuficientes, para o juiz Wendpap. "Ao celebrar o acordo de leniência, o MPF age em prol do interesse primário da União. Assim, soa, no mínimo, contraditória a insurgência da AGU contra o cumprimento do acordo, cujo fim é justamente facilitar o ressarcimento do dano", decide.
"Previsibilidade, cumprimento da palavra empenhada e honra são virtudes geradoras de confiança nas relações sociais", anota o juiz, dizendo que não há como não tomar o acordo firmado pelo MPF como sendo da União.
"Não é concebível manter o bloqueio dos bens em razão de que não houve imputação dos pagamentos [devidos pela Odebrecht] por uma singela razão: é ônus da acusação provar que o bloqueio judicial ainda é necessário para satisfazer o crédito. Nesse contexto, caberia à acusação [da AGU] ter demonstrado que o bloqueio seria imprescindível para ressarcir o dano, estimando, ao menos, qual o prejuízo global causado", afirma.
A crise entre AGU e MPF não é única à vista: o TCU (Tribunal de Contas da União) irá julgar, em breve, processos de corrupção em quatro obras tocadas pela Odebrecht e outras empreiteiras que firmaram acordos de leniência. O valor que o TCU estima para os casos é superior ao estabelecido nos acordos.
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