Senadores tentam apressar lei do abuso de autoridade para compensar fim de foro
A tramitação em regime de urgência da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que prevê o fim do foro privilegiado, que pode ser votada a partir da semana que vem, provocou uma corrida entre senadores para tentar acelerar e atrelar a aprovação da mudança constitucional à do projeto que altera a lei dos crimes de abuso de autoridade.
O entendimento de uma parcela de parlamentares é de que só o fim do foro especial para políticos acarretaria riscos de excessos por parte do Judiciário. Esse movimento tem sido fortemente criticado por alguns senadores que consideram o projeto do abuso no mínimo “inadequado” e no máximo uma “retaliação” à Operação Lava Jato.
Na manhã desta quinta (29), o senador Roberto Requião (PMDB-PR), relator do projeto do abuso de autoridade, apresentou seu relatório sobre o texto à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado. O projeto era o item 27 da pauta da comissão, mas o senador pediu que a ordem fosse invertida para que ele pudesse apresentar seu posicionamento. O pleito foi atendido, sob protestos de alguns parlamentares.
A CCJ decidiu, no entanto, acolher uma proposta de que fossem realizadas outras audiências públicas sobre o tema. A previsão é que o projeto seja votado no plenário da Casa no dia 19 de abril. Se for aprovado, o texto segue para votação na Câmara.
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Requião defendeu que a discussão já está “esgotada”, mas “para não dizer que não queremos discutir", apoiou a proposta dos colegas. Ele também rebateu a acusação de "pressa" na leitura do relatório. "Esse projeto está em tramitação há nove anos. Tivemos emenda de todos os senadores que se interessaram. Tivemos uma audiência pública no plenário do Senado, e vamos fazer outras audiências públicas”, disse.
Líder da minoria na Casa, o senador Humberto Costa (PT-PE) classificou as duas propostas como “necessárias” e admitiu que há pressa para aprová-las.
"De um lado, [serve] para nós mudarmos o espaço onde acontecem as investigações e os julgamentos não só dos parlamentares, mas também dos integrantes do Ministério Público e do Poder Judiciário, mas ao mesmo tempo, com a mudança desse foro, nós termos também uma legislação que combata excessos, ilegalidades, desrespeito aos direitos civis que qualquer autoridade venha a praticar”, explicou Costa.
Na última terça (28), o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se reuniu com os presidentes do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para debater o projeto que trata do crime de abuso de autoridade. O procurador apresentou um anteprojeto com sugestões para o texto em discussão no Congresso.
O tema chegou a ser pautado no plenário do Senado no ano passado pelo então presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), em regime de urgência, mas foi remetido à CCJ após apelos dos senadores.
O peemedebista disse nesta terça que sempre defendeu "a inclusão de todo mundo nesse debate, inclusive da Procuradoria-Geral da República", mas argumentou que o Senado chegou "a um patamar de amadurecimento dessa matéria".
"O que nós temos visto todos os dias do ponto de vista de quebra de sigilo, de vazamento selecionado, precisa acabar. Eu acho esse projeto fundamental. Não podemos deixar de ter no Brasil uma lei de abuso de autoridade", declarou Renan.
Requião, que apoiou o pedido de urgência para a PEC do fim do foro especial e já declarou que vai a favor da proposta, defendeu em plenário que não se pode "votar esse projeto sem votar o projeto de abuso de autoridade".
"Senão nós teríamos diante de nós a possibilidade de um juiz qualquer do interior, por exemplo, agindo conforme o seu convencimento em relação ao texto da lei, convocar para um depoimento coercitivo um ministro do Supremo Tribunal Federal", exemplificou. "Nós temos uma República, mas temos privilégios imperiais, de algumas categorias, de funcionários e de agentes públicos, entre os quais os parlamentares", completou.
A Proposta de Emenda Constitucional deve voltar à CCJ na semana que vem por ter recebido emendas. Para esta quinta, está prevista a quarta das cinco sessões de discussão no plenário sobre a o tema --a previsão era de que esta ocorresse ontem, mas não houve espaço na pauta.
Críticas
Autor da PEC do fim do foro, o senador Alvaro Dias (PV-PR) disse não ver relação entre os dois projetos. "Os defensores da votação do [PL do] abuso de poder desde o ano passado estavam insistindo, principalmente o ex-presidente [do Senado] Renan Calheiros. Então, aproveitou-se a oportunidade da discussão do foro para sustentar a necessidade de se colocar também o projeto do abuso", declarou.
"Não é o momento mais adequado para deliberar sobre o abuso de autoridade, porque há uma Operação Lava Jato mobilizando a opinião pública do país. Há sempre a hipótese de que esse projeto tem por objetivo intimidar autoridades judiciárias. Então nesse clima é evidente que não há a tranquilidade, a prudência necessária para se elaborar uma boa legislação. Mas é um fato consumado, já está em tramitação, e nós vamos ter que enfrentar essa situação", completou.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), relator da PEC, foi mais duro na avaliação. “Não há dúvida, quem acelerar esse projeto, que mais se assemelha a uma retaliação do sistema político à Lava Jato do que a um projeto de lei sobre abuso de autoridade”, declarou.
O único representante da Rede no Senado disse ainda que as audiências só foram aprovadas "para fazer de conta que vai ter alguma discussão". "A maioria do Congresso Nacional está com pressa para criar limitadores à atuação, principalmente, dos membros do Ministério Público". Randolfe decidiu apresentar um voto em separado em relação ao projeto e também protocolar como como projeto de lei o texto alternativo elaborado por Janot.
Para a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), é injustiça dizer que o projeto visa "enfrentar e enfraquecer a Lava Jato". "Essa lei não é para proteger senador; essa lei não é para proteger deputado. Não! Essa lei é para proteger o povo brasileiro, porque todos estão sujeitos às arbitrariedades. E o Senado terá maturidade e independência suficientes para encaminhar com toda agilidade essas duas matérias", discursou nesta quarta (29).
Requião fez coro, defendendo publicamente a operação: "ela não pode ser interrompida de forma alguma, mas nós não podemos concordar com alguns excessos que firmam jurisprudência e que podem fazer, no limite do absurdo, que a má vontade de um juiz do interior, com uma posição filosófica, programática ou ideológica esposada por um ministro do Supremo Tribunal, dê ensejo a uma condução coercitiva ou a uma prisão preventiva".
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