Teoria x prática: Odebrecht fez o contrário do que fundador pregava em livros
O engenheiro civil Norberto Odebrecht (1920-2014) escreveu em seu livro "Sobreviver, Crescer e Perpetuar", onde definiu os princípios da construtora fundada por ele em 1944, que o empresário autêntico tem, "antes de tudo, caráter" e sabe "que o negócio é servir e não ser servido".
As confissões dos 78 delatores da Odebrecht à Operação Lava Jato --dentre eles, o filho do patriarca, Emílio, e seu neto, Marcelo-- a respeito do pagamento de propinas a políticos revelam que o grupo empresarial fez o contrário do que Norberto pregava em publicações, nas quais apresentava a seus funcionários e ao público em geral as premissas da chamada TEO (Tecnologia Empresarial Odebrecht).
As delações dos ex-executivos sobre uma série de atos de corrupção mostram que havia um descompasso entre o que a empresa dizia ser sua "filosofia de trabalho" e sua efetiva prática nos negócios.
Em nota ao UOL, a empresa "reconheceu que cometeu erros e praticou atos de não conformidade, em desacordo com os princípios da Tecnologia Empresarial Odebrecht (TEO)" (leia nota completa ao final da reportagem).
Em livros como "Educação pelo Trabalho", "Influenciar e Ser Influenciado", além do já citado "Sobreviver, Crescer e Perpetuar" --um marco do pensamento empresarial no país, cuja primeira edição foi publicada no ano de 1983--, o patriarca do clã baiano de origem germânica descrevia o "conjunto de concepções filosóficas" da Odebrecht e os "fundamentos éticos, morais e conceituais para a atuação dos integrantes da organização":
Nossa Organização foi criada com base em sólidos valores e crenças, transmitidos a seu fundador pela educação familiar, e que diziam respeito à realização do Homem pelo trabalho
Norberto Odebrecht, em "Sobreviver, Crescer e Perpetuar"
Mais de 30 anos depois de publicadas as palavras acima, o ex-chefe do "departamento de propinas" da Odebrecht Hilberto Silva afirmava, em sua delação premiada, que o setor movimentou US$ 3,37 bilhões em pagamento ilícitos durante um período de nove anos. Hilberto trabalhou na Odebrecht entre os anos de 1975 e 2015.
A própria trajetória empresarial de Norberto Odebrecht não ficou imune a escândalos. Em 1978, a construtora enfrentou a investigação de uma CPI no Congresso Nacional. Parlamentares da oposição desconfiavam do fato de a Odebrecht ter sido escolhida, sem concorrência, para as obras das usinas Angra 2 e 3 --a empreiteira venceu a concorrência de Angra 1.
À época, o empresário negou favorecimento pelo regime militar. Durante a ditadura, o grupo teve seu primeiro grande período de crescimento: 212% entre os anos de 1973 e 1977.
Nos anos 1990, a Odebrecht também foi um dos alvos da CPI do Orçamento, quando foi acusada de pagar propinas a funcionários públicos e políticos, com fraudes nas concorrências e na gestão do orçamento.
"O empresário bem-sucedido sempre aponta para alguma coisa que faça diferença, pois sabe que os lucros são a recompensa de uma contribuição única, ou a menos significativa, reconhecida como tal pelo Cliente dos serviços ou dos bens que produz", afirma Norberto Odebrecht.
"O que conta para o sucesso empresarial é o impacto advindo da correta escolha entre as prioridades", completa o empresário em seu livro mais conhecido.
As contradições de Emílio
Sucessor do pai na direção executiva do grupo baiano, Emílio Odebrecht defendeu em seu livro "Confiar e Servir - Ideias sobre o Desenvolvimento do Brasil e de Suas Empresas" a necessidade do país passar por "uma reforma política", além de conclamar a "elite" a assumir sua responsabilidade nas mudanças. O livro foi publicado no ano de 2007.
"Essa reforma passa por nós, que fazemos parte da elite da nação, nós que podemos e devemos liderar porque, queiramos ou não, em qualquer que seja atividade que exerçamos, a maneira como usamos nossos recursos e prestígio social que vem com eles, influencia de forma decisiva o destino de toda a sociedade."
Emílio diz mais: "Nosso desejo é exercer o papel de produtores de riquezas de forma cada vez mais eficaz, num ambiente que nos permita otimizar nossa contribuição ao desenvolvimento da sociedade humana como um todo e auxiliar na transformação dos círculos viciosos em círculos virtuosos, até porque não evoluímos no vácuo".
Contudo, no primeiro depoimento de sua delação premiada, o ainda presidente do conselho da Odebrecht S.A. apontou para a "normalidade" da relação promíscua entre o empresariado e a classe política.
“O que nós temos no Brasil não é um negócio de cinco ou dez anos. Estamos falando de 30 anos. [Me referi] ao sistema de fazer política. Tudo o que está acontecendo é um negócio institucionalizado. Uma coisa normal, em função de todos esses números de partidos [envolvidos].”
Em reportagem publicada em março do ano passado, o UOL revelou que documentos da Odebrecht indicavam que já funcionava um "departamento de propinas" na construtora desde a época do mandato presidencial de José Sarney (1985-1990). O esquema ilícito envolvia 516 agentes públicos, empresários, empresas, instituições e políticos.
Quando o tema é a parceria público-privada, Emílio Odebrecht afirma em seu livro: "No Brasil, e em vários países da América Latina, da África e da Europa, a Odebrecht tem acumulado grande experiência na parceria com os Estados para o desenvolvimento de infraestrutura, pautada por uma ética que lhe prescreve o compromisso com o crescimento sustentável e a melhoria das condições de vida das comunidades onde atua".
Em dezembro passado, a Odebrecht assinou um acordo de leniência com a força-tarefa da Lava Jato e autoridades dos Estados Unidos e da Suíça, após admitir que pagou US$ 1 bilhão em propina a funcionários públicos de 12 países.
Na última segunda-feira (17), o juiz Raymond Dearie, do Tribunal Federal do Brooklyn, determinou que a empreiteira pague multa de US$ 2,6 bilhões por ter subornado agentes públicos no exterior. Conforme a decisão, serão US$ 93 milhões para o Tesouro dos Estados Unidos, US$ 2,391 bilhões ao Brasil e US$ 116 milhões à Suíça.
Em entrevista ao UOL, o advogado Otávio Yazbeck afirmou que a Odebrecht deverá passar por "mudança cultural significativa". Yazbeck é o monitor independente pelo Brasil que irá fiscalizar se o grupo empresarial está cumprindo os termos do acordo de leniência.
Outro lado
Procurada pela reportagem, a Odebrecht afirmou em nota que "reconheceu que cometeu erros e praticou atos de não conformidade, em desacordo com os princípios da Tecnologia Empresarial Odebrecht (TEO)". Esse reconhecimento foi divulgado, segundo a empresa, no documento “Compromisso com o Brasil”, em março de 2016.
A empresa afirma ainda que "pediu desculpas e se comprometeu a pagar pelos crimes cometidos e indicar outros responsáveis com apoio de provas. Desta forma, está determinada a estabelecer suas bases em padrões de ética, integridade e transparência".
A nota completa diz: "Essa reconstrução está em absoluto alinhamento com a cultura empresarial da Odebrecht de fazer o que é certo e contribuir para a construção de um Brasil melhor, em que as relações entre empresas privadas e o setor público ocorram sem corrupção".
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