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Moro foi a 13 cidades do Brasil e 6 no exterior dizer que crime não compensa

O juiz federal Sergio Moro, responsável pelos processos em 1ª instância da Lava Jato - Heuler Andrey/Dia Esportivo/Estadão Conteúdo
O juiz federal Sergio Moro, responsável pelos processos em 1ª instância da Lava Jato Imagem: Heuler Andrey/Dia Esportivo/Estadão Conteúdo

Rafael Moro Martins, Jose Lázaro Jr. e Alexsandro Ribeiro*

Colaboração para o UOL, em Curitiba

24/04/2017 04h00

Para "compartilhar experiências e transmitir o recado de que o crime não compensa", o juiz federal Sergio Moro, que julga na primeira instância a maior parte dos processos oriundos da Lava Jato, percorreu 13 cidades de nove Estados brasileiros e outras seis no exterior para realizar 46 palestras desde que a operação foi deflagrada, em março de 2014.

As aparições públicas de Moro nos últimos três anos incluem ainda a presença em cerimônias para receber prêmios e homenagens no Rio de Janeiro, em Brasília, em São Paulo e em Nova York. A lista foi preparada a partir de um pedido via Lei de Acesso à Informação (LAI). 

A Justiça Federal não é obrigada a prestar informações sobre as palestras que um juiz realizou --consideradas uma atividade particular dos magistrados. Por isso a reportagem pediu informações sobre os afastamentos apresentados por Moro. Como qualquer juiz, ele é obrigado a informar ao tribunal quando se ausenta da cidade de que sua comarca faz parte. Com base nessas datas, cruzaram-se os dados com registros na imprensa para localizar cada uma das palestras.

Em média, Moro realizou mais de uma palestra por mês desde a eclosão da Lava Jato. Excluídos eventos jurídicos, pode-se dizer que todos os demais convites se devem à notoriedade que o juiz alcançou graças aos processos derivados do escândalo de corrupção da Petrobras.

Moro fez palestras em dois eventos do Lide, grupo empresarial comandado pelo hoje prefeito de São Paulo, João Doria Jr. (PSDB) --um na capital paulista (em setembro de 2015) e o outro em Curitiba (março de 2016). 

Na capital paranaense, fez palestras a integrantes da comunidade "Magistratura Free", com 2.592 membros e destinada ao "livre congraçamento da magistratura nacional" no Facebook. O evento, realizado em junho passado, teve clima de "tietagem explícita"

Esteve em universidades, falou a entidades de classe --a Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e o Colégio Brasileiro de Radiologia-- e aceitou convites de grupos de mídia --a revista "The Economist", a editora Abril, o jornal "O Globo" e o grupo gaúcho Sinos, que edita jornais regionais.

No exterior, palestrou por seis vezes --quatro delas apenas em 2017. Em Boston (EUA), participou no último dia 8 da Brazil Conference, na Universidade Harvard. Em Buenos Aires, esteve no último dia 3, a convite do Ministério da Justiça e do Colégio de Advogados da Argentina. Em fevereiro, viajou duas vezes: a Lima, para falar na Associação de Magistrados local, e a Nova York, para palestra na Universidade Columbia.

Antes, estivera em Heidelberg, na Alemanha, em dezembro passado, e em Washington, onde em julho de 2016 falou no Brazil Institute do Woodrow Wilson International Center for Scholars. Meses antes, em abril, fora a Nova York receber homenagem da revista "Time", que o escolheu como "uma das cem pessoas mais influentes do mundo".

Moro e Aécio - Diego Padgurschi /Folhapress - Diego Padgurschi /Folhapress
Moro foi criticado nas redes sociais após ser fotografado rindo ao lado do senador Aécio Neves (PSDB) em evento em SP
Imagem: Diego Padgurschi /Folhapress
Importância da opinião pública

A rotina de aparições públicas pode ser vista como uma forma de o juiz captar apoio para a operação que comanda. 

Algo sobre o que ele já escrevera, em 2004, num artigo acadêmico sobre a operação Mani Pulite (Mãos Limpas, em italiano), que investigou escândalos de corrupção na Itália e guarda notáveis semelhanças com a Lava Jato. 

Em novembro passado, em lançamento de um livro sobre a investigação italiana, do qual fez o prefácio, afirmou que o caso "tem paralelos com o nosso momento recente".

"[O apoio da] opinião pública, como ilustra o exemplo italiano, é também essencial para o êxito da ação judicial", diz Moro no texto, originalmente publicado na "Revista CEJ", editada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal.

Noutro ponto, escreve: "A publicidade conferida às investigações teve o efeito salutar de alertar os investigados em potencial sobre o aumento da massa de informações nas mãos dos magistrados, favorecendo novas confissões e colaborações. Mais importante: garantiu o apoio da opinião pública às ações judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas obstruíssem o trabalho dos magistrados, o que, como visto, foi de fato tentado".

"A coragem de muitos juízes, que ocasionalmente pagaram com suas vidas para a defesa da democracia italiana, era contrastada com as conspirações de uma classe política dividida e a magistratura ganhou uma espécie de legitimidade direta da opinião pública", diz Moro. Ao todo, o termo "opinião pública" é usado dez vezes por Moro ao longo do texto.

Numa palestra proferida em Curitiba em outubro de 2016, Moro foi algo mais claro a respeito. "Se a opinião pública, a sociedade mobilizada, persistir apoiando esses trabalhos [da Lava Jato], isso faz uma grande diferença. Não que um juiz vá proferir um julgamento com base na opinião pública, mas a vigilância é extremamente importante para prevenir obstrução da Justiça."

Juiz elogia tucano citado em investigação

Além das duas do grupo de Doria, Moro também falou em evento do governo do Mato Grosso, comandado pelo tucano Pedro Taques.

O juiz foi a Cuiabá para falar, em 5 de dezembro passado, no lançamento do portal da transparência do governo local. Três dias antes, reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo" revelara que um empresário investigado por suspeita de corrupção na Secretaria Estadual da Educação teria pago R$ 10 milhões à campanha de Taques.

O governador à época informou que "tomou as medidas que lhe competiam", refutou "qualquer tentativa de envolvê-lo em qualquer ato ilegal" e afirmou que sua prestação de contas da campanha de 2014 foi aprovada sem ressalvas.

A reportagem procurou alguns contratantes. O grupo Lide negou ter pago cachê. Disse, contudo, que arcou com despesas da "passagem aérea em voo de carreira (no caso de São Paulo)".

Questionado a respeito, Moro disse que a palestra para o Lide em São Paulo, em setembro de 2015, ocorreu "muito longe das eleições de 2016, quando nem sequer João Doria havia sido definido como candidato". "Em Curitiba, não se fez presente o posterior candidato a prefeito", respondeu o juiz.

"Quanto ao evento de Mato Grosso, como consta na própria indagação tratava-se de um evento do governo e não de partido, o lançamento do portal de transparência, iniciativa que apoio, por incrementar o controle dos governantes pelos governados", argumentou.

Em vídeo disponível na internet, ao início da palestra Moro elogia Taques. "Acompanhamos o trabalho do governador, quando era senador, e a comunidade jurídica o tinha como alguém de uma ilibada reputação, extremamente confiável e importante para aprimoramento da legislação, inclusive no que se refere à Justiça Criminal. Seu trabalho faz falta no Legislativo."

Taques é ex-servidor de carreira do Ministério Público Federal, onde atuou entre 1993 e 2010. Deixou a carreira de procurador para disputar o Senado, pelo PDT --era, então, da base aliada de Lula. Deixou a legenda em agosto de 2015, meses antes do impeachment de Dilma Rousseff. Dali, migrou para o PSDB.

O governo do Mato Grosso informou, via assessoria, que o convite a Moro "partiu de reunião do Gabinete de Transparência e Combate à Corrupção. Em seguida, os contatos foram feitos através de ofício, que contou com a assinatura do governador Pedro Taques e foi endereçado via e-mail e também por carta ao gabinete do juiz".

Não houve cachê, segundo o governo mato-grossense. "O gabinete pagou apenas o custo da passagem aérea do juiz, que ficou em R$ 2.402,95. No caso da estadia, foi oferecida pelo Hotel Odara, local em que foi realizado o evento."

Palestras "são em regra gratuitas", diz Moro

Dar palestras não é incomum para juízes como Sergio Moro. Tampouco é vedado que juízes cobrem por palestras.

Por e-mail, Moro disse que suas palestras "são em regra gratuitas" e que em "alguns poucos casos houve pagamento, com remuneração adequada".

"As entidades responsáveis pela organização dos eventos pagam, em regra, passagem e estadia, como é praxe quando do convite para qualquer palestrante. Pontualmente, em casos excepcionais, paguei minhas despesas", prossegue o juiz.

Nalguns casos, cobraram-se ingressos que chegaram a R$ 600 para as palestras do juiz. Embora questionado duas vezes a respeito dos cachês, Moro não informou os valores. 

"Se houver alguma questão sobre inadequação de valor ou ilicitude de pagamento, quanto à remuneração de alguma palestra específica, não terei problemas em responder. Do contrário, a pergunta é especulativa."

"Não foram tantas palestras", diz Moro. "De todo modo, realizo-as, em geral, para compartilhar experiências e transmitir o recado, sinteticamente, de que o crime não compensa, na expectativa de alterar a cultura da prática da corrupção. Várias são para magistrados e na prática constituem oportunidade de troca de experiências profissionais."

Ele ressalta que as palestras internacionais servem também para "informar que o Brasil está dando passos firmes contra a corrupção sistêmica, o que é positivo para a imagem do país". "Além disso, o contato no estrangeiro facilita posterior cooperação jurídica internacional, essencial ao êxito de investigações de crimes transnacionais."

Moro 1 - Diego Padgurschi /Folhapress - Diego Padgurschi /Folhapress
Sergio Moro posa para selfies após palestra em SP
Imagem: Diego Padgurschi /Folhapress
Bom humor e detalhes da Lava Jato

É comum que as palestras de Moro comecem com uma ressalva como a feita a alunos da Universidade Positivo, em Curitiba, em 18 de agosto: "Como [o julgamento de processos da Lava Jato é] um caso ainda em andamento, tenho uma série de limitações. Mas, para minha sorte, já julguei alguns processos, é possível fazer a exposição com base nos casos já julgados".

Feita a observação, é também usual que o juiz passe a explicar o andamento da Lava Jato, desde que sua "parte ostensiva começou a ser feita em março de 2014", e que traga a tona detalhes da investigação. "A PF tropeçou em um ex-diretor de Petrobras. Um lavador profissional havia vendido um veículo de luxo para um ex-diretor. Um fiapo de prova. Foi como se tivéssemos puxado um fio e viesse não só um novelo, mas uma fábrica de tecidos inteira", comparou.

Nas palestras assistidas --várias estão disponíveis no YouTube--, ele nunca menciona nomes, mesmo os de réus já condenados. Mas compara o trabalho atual com o mensalão.

"Dois [políticos] condenados [em processos da Lava Jato] já haviam sido anteriormente condenados na ação penal 470, do mensalão, julgado pelo STF. O que é perturbador é que provas revelam que receberam propina da Petrobras mesmo quando estavam sendo julgados pelo STF”, falou em 23 de novembro.

O adjetivo "perturbador" foi usado pelo juiz para classificar o exemplo na palestra aos alunos da Universidade Positivo. Um mês antes, em 13 de outubro, quando o juiz foi a estrela de abertura do 45º Congresso Brasileiro de Radiologia, na capital paranaense, o mesmo caso foi descrito como "desapontador".

O juiz aparenta, nas palestras, estar à vontade e algum bom humor. Fez menção a "O Império Contra-Ataca", segundo episódio da trilogia original de "Guerra nas Estrelas", ao descrever a reação de políticos italianos contra a operação Mãos Limpas. 

"[Pagar] propina era regra do mercado em contratos públicos, inclusive com taxas preestabelecidas, de 1% a 3% do valor do contrato. Parece pouco, mas, quando se fala da Petrobras, é tudo superlativo."

Moro também costuma rejeitar o rótulo de "herói" ou de protagonista da Lava Jato. "[A operação não é] Jamais um triunfo pessoal. É um triunfo institucional, representa uma conquista da democracia brasileira."

Apesar de benquisto por radicais que defendem que o Brasil volte a ser governado por militares, Moro dá mostras de não concordar com eles. Ele se refere aos anos militares (1964-1985) como "ditadura". Faz elogios aos governos democráticos de Fernando Henrique Cardoso, pelo combate à inflação, e aos de Lula e Dilma pelo enfrentamento da pobreza. E arremata: "A corrupção está aí, para ser enfrentada com os mecanismos democráticos".

* Os autores desta reportagem fazem parte do projeto Livre.jor, grupo especializado em jornalismo a partir de dados públicos.