Cabral diz que compras vinham de caixa 2; Adriana diz desconhecer origem
Em depoimento ao juiz federal Sergio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB), disse nesta quinta-feira (27) que os pagamentos das compras de luxo feitas por ele e pela mulher, Adriana Ancelmo, eram fruto de caixa 2 e recursos próprios.
Cabral isentou a mulher de responsabilidade e disse que as compras eram feitas por ele. "As compras eram feitas por mim, com recursos meus e sob minha responsabilidade. Eu vejo aqui, doutor Moro, que vossa excelência tem ouvido aqui muitas observações a respeito de caixa 2 e sobras de campanha... Isso é fato. Esse é um fato real na vida nacional. E eu reconheço esse erro. São recursos próprios e recursos de sobras de campanha e caixa 2. Nada a ver nem com a minha mulher muito menos a ver com essa acusação de Comperj", disse.
"Ela [Adriana] fazia só escolha de alguns produtos como produtos para casa, como por exemplo... Houve equívocos de colocar o nome dela em relação a compra de roupas minhas. Eu não vou aqui/dizer que não é verdade. Os recursos eram meus, a responsabilidade é minha. Minha mulher não conhece nenhum desses personagens que são citados, executivos da Petrobras etc etc. Então, são responsabilidades minhas", repetiu o ex-governador.
Segundo a denúncia do MPF (Ministério Público Federal) aceita por Moro, os ex-executivos Rogério Nora de Sá e Clóvis Primo teriam concordado com o pagamento de propina milionária a Cabral e aliados relativa às obras do Comperj (Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro), executadas pela Andrade Gutierrez por meio de contrato de R$ 1,1 bilhão com a Petrobras.
A advogada foi questionada por Moro sobre uma série de compras, todas na casa das dezenas de milhares de reais, feitas por meio de depósitos em dinheiro, e atribuiu os pagamentos a uma ex-secretária do peemedebista.
Adriana disse que, apesar de as notas fiscais de várias compras estarem em seu nome, todas as despesas teriam sido pagas por Cabral. A advogada afirmou desconhecer a origem dos recursos usados para as compras.
Adriana também disse não saber por que motivo os depósitos para tais compras eram sempre feitos com valores abaixo de R$ 10.000. Segundo a denúncia do MPF, isso acontecia para burlar a lei segundo a qual operações suspeitas de lavagem de dinheiro de valor igual ou maior que R$ 10.000 devem ser comunicadas ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão do Ministério da Fazenda.
Adriana disse nunca ter conversado com Cabral sobre o volume dos gastos e se eles eram compatíveis com a renda do governador. “Nosso relacionamento era de absoluta confiança”, afirmou a advogada.
O representante do MPF também questionou Adriana sobre qual era o salário do ex-governador e se esse era o único faturamento dele. "Ele detinha uma empresa, embora não exercesse [...] Durante o mandato dele, ele certamente recebia dividendos dessa empresa", declarou. A ex-primeira-dama disse não ter "a menor ideia" de qual seria esse valor e que jamais tratou desse assunto com o marido.
Apenas em 2013, 2014, quando Cabral passou a ser alvo de ocupações e protestos diante do apartamento do casal, no Leblon, ela disse ter conversado com ele sobre o assunto.
"Ele sempre disse que teve recursos para arcar com todas as despesas que ele arcou durante todo o nosso relacionamento. Não questionei [a origem do dinheiro]. Tinha absoluta confiança de que aquilo era verdade. Eu acreditei. Meu marido", declarou
O juiz Sergio Moro questionou Adriana sobre o crime de corrupção passiva relativo a um acerto de vantagem indevida que teria havido entre a construtora Andrade Gutierrez e os acusados, na obra de terraplanagem no Comperj. A ex-primeira-dama disse não conhecer nenhum dos executivos da Andrade que constam na denúncia.
Moro questionou o ex-governador sobre gastos feitos no mesmo dia e sobre outras despesas que teriam supostamente beneficiado Adriana Ancelmo, como vestidos e outros itens. Mais uma vez, Cabral afirmou categoricamente: "Eu sou o responsável".
O juiz questionou ainda por que, apesar de Cabral ter dito que houve aquisições acima de dez mil reais, tais transações não constavam na denúncia. "(...) na denúncia, consta aqui que os pagamentos são todos inferiores a dez mil reais, que foram depositados em dinheiro. O senhor tem alguma explicação", questiono o magistrado. O ex-governador afirmou não ter explicação e voltou dizer que os fatos "não tinham nada a ver" com Adriana Ancelmo.
No depoimento, Cabral optou por responder apenas às perguntas elaboradas por sua defesa e fez suas considerações finais. "O único esclarecimento que eu quero fazer é dizer que essa delação do senhor Paulo Roberto não tem cabimento. Minha mulher não tem nenhuma ligação com essas pessoas que estão aí. Eu me sinto muito indignado com o nome dela vinculado a esses fatos. São minhas observações finais."
Sobre as acusações uma acusação de lavagem de dinheiro, pela qual ela e Cabral são investigados, no valor total de R$ 56,3 mil mediante depósitos em dinheiro na conversão do produto dos crimes em bens adquiridos junto uma marcenaria, Adriana negou envolvimento.
"Em nenhuma dessas situações o senhor vai ver qualquer uma dessas pessoas que houve algum contato comigo", disse a advogada ao representante do MPF.
Se tivesse ocorrido o contato, disse Adriana, "vocês já têm todo o meu HD dos meus e-mails, quebras de sigilo telefônico, e afirmo com absoluta tranquilidade: não haverá um contato meu com financeiro de nenhuma dessas lojas que pudesse indicar uma estruturação de pagamento da forma como está narrado na denúncia".
Dinheiro vivo em casa
Em seu depoimento em Curitiba, Wilson Carlos, que foi secretário de Governo de Cabral, afirmou ao procurador Athayde Costa que uma poltrona de R$ 17.300 cuja nota fiscal está em seu nome foi um presente de um amigo “de fora do Rio”. No entanto, o ex-secretário não quis dizer quem seria o amigo.
Carlos disse a Moro que preferia guardar dinheiro vivo em casa do que deixá-lo no banco, mas que passou a viver “numa situação de bastante aperto” depois que não conseguiu arrumar emprego em 2015 e com o fim das reservas em 2016. Por isso, os policiais que fizeram buscas em sua residência no ano passado não teriam encontrado dinheiro.
“Hoje, a minha família inclusive vive, minha mulher e meus filhos, estão vivendo às custas do apoio de familiares e poucos amigos”, afirmou.
Wilson disse ainda que seus bens seriam apenas um apartamento de 110 m² na Gávea, zona sul do Rio, e um carro Pajero comprado há sete anos. No entanto, quando questionado por Moro sobre por que não declarou à Receita Federal um empréstimo que teria contraído para comprar uma lancha de R$ 264.000, o ex-secretário foi lacônico.
“Não me ative a esse importante detalhe na ocasião.”
A lancha é listada na denúncia do MPF como um dos objetos comprados por Wilson Carlos com dinheiro de propina da Andrade Gutierrez. Segundo a acusação, Carlos usou o irmão como laranja na transação.
O ex-secretário disse que saldou uma dívida com o irmão por meio da compra do barco, dividindo a propriedade da lancha com ele e arcando com o pagamento integral da embarcação.
Segundo a mulher de Wilson Carlos, Mônica Carvalho, o fato de o barco estar registrado no nome do cunhado se deu por motivos práticos --a fabricante da lancha seria sediada em Atibaia (SP), e o irmão de Wilson mora em São Paulo.
Mônica afirmou não saber como o barco foi pago, dizendo que toda a "gestão financeira" do casal era feita por Wilson Carlos. De acordo com ela, o marido sempre teve um "bom salário".
Acusações
Na denúncia aceita por Moro, Cabral é acusado de ter recebido propina vinculada ao contrato da Petrobras para as obras do Comperj, executadas pela Andrade Gutierrez ao preço de R$ 1,1 bilhão. A empresa teria vencido uma licitação fraudada.
Cabral, Wilson Carlos e Carlos Miranda teriam participado diretamente dos acertos dos valores e de como eles seriam pagos. O total da propina chega a R$ 2,7 milhões.
O grupo que foi depor a Moro hoje também teria lavado R$ 2,6 milhões por meio de compras de roupas de grife, equipamentos agrícolas, móveis e até uma lancha. Em alguns casos, as transações foram feitas por meio de laranjas.
O MPF acusa Cabral, Adriana, Wilson e Miranda de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, crime também atribuído a Mônica Carvalho.
Prisões
O ex-governador Sérgio Cabral cumpre prisão preventiva (sem prazo para terminar) desde o dia 17 de novembro, quando foi deflagrada a Operação Calicute, desdobramento da Lava Jato. A detenção foi autorizada pelo juiz da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, Marcelo Bretas. No momento, Cabral está detido no Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, na zona oeste do Rio.
A advogada Adriana Ancelmo, por sua vez, está presa desde o dia 6 de dezembro, quando Bretas decretou sua prisão preventiva. Inicialmente, ela ficou presa também no complexo de Gericinó. Em 17 de março, Bretas determinou que ela fosse transferida para prisão domiciliar, em seu apartamento, no Leblon, zona sul do Rio, aceitando os argumentos da defesa de que ex-primeira-dama precisava retornar à própria casa para cuidar dos filhos de 11 e 14 anos. A decisão do juiz do Rio chegou a ser revogada, mas foi finalmente autorizada no STJ. A ex-primeira dama voltou para casa no dia 29, sob gritos de "safada" e panelaço.
Carlos Miranda e Wilson Carlos também cumprem prisão preventiva por decisão do juiz Bretas desde novembro. Mônica Carvalho responde ao processo em liberdade.
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