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Depoimento de Lula põe em lados opostos antigos aliados pelas Diretas-Já em Curitiba

A região da Boca Maldita, na rua XV, centro de Curitiba: nos anos 1980, local foi palco de comícios pelas Diretas-Já - Janaina Garcia/UOL
A região da Boca Maldita, na rua XV, centro de Curitiba: nos anos 1980, local foi palco de comícios pelas Diretas-Já Imagem: Janaina Garcia/UOL

Janaina Garcia

Do UOL, em Curitiba

08/05/2017 04h00

A expectativa em torno do depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao juiz federal Sergio Moro, em Curitiba, não poupou nem mesmo antigos aliados que foram às ruas, na década de 1980, pela volta das eleições diretas e o fim da ditadura militar (1964-1985).

O UOL conversou com alguns dos militantes que estiveram nos atos pró-Diretas na Boca Maldita, ponto mais tradicional das discussões políticas na capital da Operação Lava Jato, no centro histórico curitibano. Antigo reduto de intelectuais, o local abrigou desde o primeiro comício pelas Diretas, em 1983, com a presença do ex-deputado Ulysses Guimarães e do ex-presidente Tancredo Neves, a, décadas antes, em 1953, o discurso do então presidente Getúlio Vargas pelos 100 anos de emancipação política do Paraná.

Se a possibilidade de escolher os próprios representantes por meio do voto direto os unia, agora, é a defesa ao ex-presidente Lula ou o ataque à figura dele que norteiam os discursos refratários a um consenso. O depoimento de Lula está marcado para a próxima quarta-feira (10), às 14h, e um esquema de segurança previamente organizado pelas autoridades policiais prevê que a militância petista fique concentrada na Boca Maldita; e a antipetista, no Centro Cívico.

Política não é respeitada como religião, afirma pró-Lula

Eleitor de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) nas duas eleições em que o tucano foi eleito presidente (1994 e 1998, contra Lula) e de Lula nas subsequentes, também vitoriosas ao petista (2002 e 2006), o promotor de vendas Luiz Biazetto, 64, disse que tentará acompanhar o "dia D" do ponto onde estarão os anti-Lula.

O promotor de vendas Luiz Biazetto na região da Boca Maldita, em Curitiba - Janaina Garcia/UOL - Janaina Garcia/UOL
O promotor de vendas Luiz Biazetto na região da Boca Maldita, em Curitiba
Imagem: Janaina Garcia/UOL

“Quero ir como observador; se ouvir algo de que não goste, como já ouvi desse pessoal, abaixo a cabeça e não falo, é melhor. Mas tenho para mim que, mesmo com a separação dos grupos, não vai ser um dia pacífico”, avaliou.

O que ele pensa sobre a Lava Jato e o depoimento de Lula?

Penso que essa operação malha muito mais o PT que os demais partidos, para mim isso é fato. Sobre Lula, acredito que ele fez um trabalho social muito importante em seus dois mandatos, mas gostaria que ele falasse agora, de fato, se pegou algo que não deveria ter pego."

Luiz Biazetto

Se ele se sente à vontade para manifestar a posição política, hoje, na cidade onde vive? “Não, e infelizmente política deveria ser como religião: você não precisa acreditar no que o outro acredita, mas precisa respeitá-lo. De repente, o que temos visto são atos de um pessoal com uns caminhões de som que custam muito dinheiro e umas cores de roupas que aludem a partido político se dizendo ‘brasileiros que querem mudar o Brasil’: movimento se faz é sem carro de som e com espaço para as pessoas falarem. Foi assim nas Diretas, mas, lá, a percepção sobre o roubo na política era outra: hoje isso é muito mais potencializado”, avalia Biazetto, que tinha 31 anos à época das Diretas Já, quando também ajudou a fundar o PMDB paranaense.

PMDB atual é muito distante do que fez as Diretas, diz ex-militante

Antigo integrante da organização do comício dos anos 1980, o hoje bancário aposentado Ari Mainardes, 74, acredita que “Curitiba vai parar” na próxima quarta. “Vem gente de todo o Brasil e até do exterior apoiar Lula”, aposta. O que ele acha disso? “Acho muito correto. Lula não sabe fazer campanha, a militância é que sabe. E com um juiz que parece ter coisas contrárias apenas a Lula e ao PT, sendo que coisa errada hoje há em todos os partidos, os militantes têm mesmo mais é que vir”, defendeu.

Indagado sobre os delatores da Odebrecht segundo os quais Lula teria sido contatado pela empreiteira já nos anos 1970 para intermediar movimentos grevistas, Mainardes não se fez de rogado.

Delatores falam o que quiser para diminuir suas penas; muitas vezes contam até aquilo em que não acreditam. Isso é diferente de prova.”

Ari Mainardes

O bancário aposentado Ari Mainardes, em Curitiba - Janaina Garcia/UOL - Janaina Garcia/UOL
O bancário aposentado Ari Mainardes, em Curitiba
Imagem: Janaina Garcia/UOL

Indagado sobre a diferença entre o clima das Diretas e o de agora, o aposentado admitiu que “é muito difícil, hoje, fazer uma movimentação como aquela” porque, classifica, “o PMDB daquela época não se vendia a troco de banana, trocando o interesse público por cargos, como muitos peemedebistas fazem agora”, diz, ele que também ajudou a fundar o PMDB no Estado.

Militância petista deve trazer "tumulto"

Jornalista e escritor, Carlos Bahia, 57, contou que a professora de sociologia do colégio católico onde ele era estudante secundarista liberava os alunos para participarem dos comícios pelas Diretas “desde que a gente não fosse efusivo, porque tinha muito milico à paisana a postos para dar 'mata-leão' em militante”.

No depoimento de Lula no bairro do Ahú, na quarta, ele garante que estará por lá “credenciado como jornalista”. “Eu vou estar neutro, até porque, vou a trabalho. Mas acho que essa vinda dele a Curitiba vai causar é um grande tumulto, infelizmente”, avaliou. Amigo de Bahia, o artista de rua Anatólio Novaes, 78, foi taxativo:

Se dependesse de mim, teria o conflito entre o bem e o mal aqui na cidade –e claro que o mal é o PT. A vinda desse cidadão arrotando sua inocência vai é emporcalhar nossa Curitiba.”

Anatólio Novaes

Advogado, jornalista e escritor, Lineu Tomáss, 76, ponderou que “dois terços de Curitiba é antipetista”, mas avaliou que “o curitibano que foi às ruas contra o PT, ano passado, infelizmente não está se mobilizando muito agora”. “É como se as pessoas aqui achassem que já cumpriram seu papel nos protestos, mas Lula nem foi preso, nem perdeu ainda seus direitos políticos”, disse. Sobre a Lava Jato, Tomáss lamentou o que chamou de “tentativas em Brasília de desqualificarem a operação”: “Será o fim do Brasil se acabarem com a Lava Jato”, considera.

O jornalista Carlos Bahia (à esq.) e o advogado e escritor Lineu Tomáss na Boca Maldita, centro histórico de Curitiba - Janaina Garcia/UOL - Janaina Garcia/UOL
O jornalista Carlos Bahia (à esq.) e o advogado e escritor Lineu Tomáss na Boca Maldita, centro histórico de Curitiba
Imagem: Janaina Garcia/UOL

"República de Curitiba" só para os de fora

Para o funcionário público Carlos Lima, 54, porém, a mobilização em torno do depoimento de Lula com adesivos de apoio à Lava Jato e a Moro e uma série de outdoors espalhados sugerindo a prisão do petista não revelam outra faceta da chamada “República de Curitiba” –como a cidade é chamada pelos apoiadores da operação e do juiz Sergio Moro.

“O fato é que a ‘República’ só vale para quem é de fora de Curitiba. Dos políticos envolvidos em esquemas de corrupção na cidade ou no Paraná essa militância nada repercute –tanto é que há secretários estaduais investigados em operações como a Caixa de Pandora, em Brasília, e gente do Executivo estadual citada nas delações da Odebrecht que mal é lembrada por esses protestos protecionistas."

Curitiba, mesmo, não tem essa polaridade agressiva que esse tipo de gente demonstra –e a Boca Maldita é o maior exemplo disso, pois ninguém é de briga, mesmo tendo divergência política.”

Carlos Lima, funcionário público

O funcionário público Carlos Lima, de Curitiba - Janaina Garcia/UOL - Janaina Garcia/UOL
O funcionário público Carlos Lima, de Curitiba
Imagem: Janaina Garcia/UOL